Passei seis anos lendo os três primeiros ótimos volumes da biografia de Pablo Picasso. O quarto volume saiu apenas em 2021, dois anos depois da morte do próprio biógrafo, John Richardson. Amigo do artista espanhol na década de 1950, quando ambos viveram no Sul da França, o escritor levou 30 anos para terminar os quatro livros.

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Agora, acaba de ser lançada no Brasil a biografia de Fernando Pessoa escrita por Richard Zenith. São 1.160 páginas sobre o poeta e seus heterônimos Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Um tijolaço no qual Zenith afirma: “Os quatro maiores poetas de Portugal do século 20 foram Fernando Pessoa”.

Hoje me faltam tempo, fôlego e coragem para mergulhar nestas obras. Mas uma coisa aprendi com o tempo: biografias e obituários, quando bem investigados, bem pesquisados e escritos com humor, criatividade, frescor e generosidade, nos pegam pelos pés, alma e coração e não nos deixam escapar.

César Seabra: “Muito obrigado, Pelé. Muito obrigado, meu eterno Rei”

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O Brasil tem ótima escola na arte de narrar vidas e retratar almas. Fernando Morais, Ruy Castro, João Máximo e Lira Neto, por exemplo, são quatro professores. Chatô (Assis Chateaubriand), Garrincha, Nélson Rodrigues, Noel Rosa, Maysa, Padre Cícero e Getúlio Vargas tiveram suas histórias contadas por eles, em livros memoráveis (com perdão do trocadilho infame).

Com exaustivos anos de trabalho, metodologia, entrevistas, pesquisas, vasta bibliografia e sempre em busca da verdade (ou mesmo o mais próximo dela), biógrafos tentam dar conta da complexidade humana em seus devidos contextos políticos e sociais. Um trabalho carregado de dúvidas e interrogações. Um trabalho incansável na busca pelas perguntas que ainda não foram feitas e pelas respostas que ainda não foram dadas. É o que o historiador Carlos Ginzburg classifica como “a euforia da ignorância” – o que se pode traduzir por nada saber sobre determinado assunto e a inesgotável obsessão de querer aprender sobre o tema.

César Seabra: “Escrever o que vai calando”

Na epígrafe de recém-lançado livro “A Arte da Biografia”, Lira Neto pega carona na escritora Virginia Woolf: “Poucos poetas ou romancistas são capazes do alto grau de tensão proporcionado pela realidade. Mas praticamente qualquer biógrafo, se ele respeita os fatos, pode nos proporcionar muito mais do que um fato para adicionar à nossa coleção. Ele pode nos oferecer o fato criativo; o fato fértil; o fato que sugere e gera”.

A arte da biografia é tão instigante e magnética quanto a do obituário. Grandes jornais e revistas da Europa e dos Estados Unidos tornaram a busca pelos obituários rotina obrigatória para seus leitores. Esses estão interessados, sim, nas histórias das personalidades famosas que nos deixam – artistas, políticos, tiranos, ditadores, criminosos, atletas, empresários, gente do mundo da TV. Mas estão, também, interessados em mergulhar em histórias de pessoas comuns que levaram vidas incomuns.

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César Seabra: “Modo Soneca para quem precisa”

E aqui temos como grande exemplo “O Livro das Vidas”. Ele reúne uma seleção de textos publicados na seção de obituários do “The New York Times”. Vidas aparentemente ordinárias ganham força e dimensão ao serem apuradas e reveladas. “A seção de obituários do Times é uma cerimônia de adeus diária de bom jornalismo e uma das campeãs de leitura do jornal mais influente do mundo”, escreve Matinas Suzuki no posfácio do livro.

Para suprir nossos desejos e nossas curiosidades, listas e listas são divulgadas. As melhores biografias da história, as melhores biografias para ler nas férias, as melhores biografias para ler antes de você morrer. Sem falar as estranhas biografias de gente que ainda está no mundo dos vivos. Com essas últimas não gasto uma moeda. “Biografado bom é biografado morto”, afirma Ruy Castro.

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> Do grande poeta Carlos Drummond de Andrade:

“Por muito tempo, achei que ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje, não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio, danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim”.

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