A Justiça do Trabalho em Santa Catarina foi uma das primeiras no país a instituir modelos virtuais de audiências, para dar sequência às atividades durante a pandemia. Como resultado, 52 mil ações foram julgadas pelo 12º Tribunal Regional do Trabalho (TRT) desde o início do ano – 27 mil delas telepresenciais, de 16 de março a 13 de outubro.

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Além da dinâmica de trabalho, a pandemia também mudou o perfil das ações que chegaram à Justiça. A juíza Zelaide de Souza Philippi, diretora da Associação dos Magistrados do Trabalho de Santa Catarina, relatou as dificuldades das empresas para manter acordos firmados previamente e as soluções encontradas.

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Em entrevista à coluna, ela também comentou que é esperado um grande volume de ações para o pós-pandemia, quando os auxílio do governo deixarem de beneficiar trabalhadores e empresários.

Entrevista: Zelaide de Souza Philippi

Juíza Zelaide Philippi
Juíza Zelaide Philippi (Foto: Divulgação TRT)

Qual foi o impacto da pandemia na Justiça do Trabalho em SC?

O primeiro impacto foi que as empresas tiveram redução da renda e não conseguiram mais cumprir os acordos que já tinham firmado. A Justiça do Trabalho prima muito pela conciliação. Assim, no início, a maioria das ações foi para repactuar as condições dos acordos, rever valores, aumentar número de parcelas, dentre outras condições. Fomos marcando audiências de conciliação e resolvendo, caso a caso. Em tese, um acordo não pode ser alterado. Salvo se as partes concordarem. Então, fizemos muitas audiências e tentativas de acordo, quase todas com sucesso. 

Houve mais processos durante esse período?

Não houve um número maior, mas os processos foram diferentes, por uma mudança no perfil das ações. Passaram a ser ajuizadas muitas ações discutindo meio ambiente de trabalho, por parte de sindicatos, do Ministério Público do Trabalho, principalmente no ramo dos frigoríficos. O MP atuou bastante, e foram feitas adequações em clínicas, hospitais, supermercados e outros segmentos, tudo por meio de ações civis públicas. Outro tipo de ação que ocorreu bastante foram as movidas por gestantes ou trabalhadores de grupo de risco, que pediram para trabalhar em home office. Também tivemos ações movidas por empresas que alegaram caso de forçar maior ou caso fortuito, em que o negócio não pode mais ser exercido por ato do Estado. Nesses casos, a empresa paga só metade das verbas rescisórias.

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Essas empresas obtiveram êxito?

Na maioria dos casos não foi reconhecido, porque a pandemia causou uma paralisação apenas temporária, não uma perda definitiva de exercer a atividade. Também houve benefícios do governo federal para as empresas manterem os negócios. Do que tenho conhecimento, a maioria dos juízes não reconheceu.

Ainda há muitas ações envolvendo a pandemia?

Desde março, continuamos a trabalhar, não paramos nenhum dia. Um mês após o início da pandemia, já começamos com as audiências por videoconferências. Foi tudo muito rápido, a corregedoria, em SC, e o setor de TI foram muito eficazes. Tudo o que entrou até agora, estamos resolvendo. Obviamente que teremos o pós. Os programas do governo estão acabando, e isso vai refletir em ações. São trabalhadores vão reivindicar, empresas que vão dispensar. 

Assim que acabarem os benefícios sociais, acreditamos que teremos um boom de ações. 

O que deve causar essa disparada?

As leis estabeleceram diversas obrigações para o governo e para as empresas, que precisam ser cumpridas. Outra questão são as férias. Algumas empresas fizeram antecipação, mas depois a Medida Provisória que garantia isso foi revogada. Não se sabe ainda se haverá uma regra de transição ou não. Outros casos são os bancos de horas, antecipação de feriados e inúmeras situações que desconhecemos. Cito ainda demandas envolvendo doenças mentais que podem decorrer do trabalho em home office, fornecimento de equipamentos e estrutura pelo empregador, a cobranças excessivas sem respeito ao horário pelo empregador e assédio moral. 

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O período foi produtivo para a Justiça do Trabalho?

Fizemos mais de 7 mil audiências por videoconferência, e a arrecadação de contribuição previdenciária e fiscal ficou em mais R$ 82 milhões para os cofres públicos. Não paramos. Teve tribunais que pararam um tempo, fizeram só conciliação, mas nós em SC estamos fazendo audiências e despachos em casa, isso em razão da Justiça do Trabalho estar praticamente toda digital. A OAB também colaborou. 

Já falamos em retomar as audiências presenciais e tem advogado que hoje não quer, e preferindo ficar com as audiências virtuais. 

É possível que essa solução seja definitiva?

As audiências presenciais vão voltar. Fazemos um esforço imenso para fazer audiências virtuais, nem todas as partes têm acesso digital. Mas vai ser instituída audiência virtual, pelo menos para as ações mais simples, ou quando as duas partes requererem. Vai se intensificar o trabalho remoto, ou pelo menos o semirremoto, e as audiências por vídeo vão ficar, pelo menos para uma parcela dos processos.

A senhora acredita que o mundo do trabalho mudará no pós pandemia?

Haverá mudanças. Havia resistência das empresas em fazer o teletrabalho, e isso eu acredito que vai mudar. 

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As formas de avaliação não serão mais pela frequência, mas pela produtividade do trabalhador. 

Será caso a caso, mas vai ter uma mudança no trabalho.

Antes da pandemia SC viveu uma redução das ações trabalhistas. A que isso se deve?

Alguns meses antes da reforma trabalhista, em 2017, tivemos um boom de ações. Depois houve uma queda. E teve também uma mudança do perfil das ações. Antes eram ações com muitos pedidos, 20 ou 30. Hoje, os números são menores. Mas também tem que se ressaltar que a reforma impediu o acesso à justiça, dificultou, porque o trabalhador pode ser condenado a pagar honorários se perder a ação. 

Antes havia algumas aventuras jurídicas, mas tinha situações em que apenas o trabalhador não conseguia provar o que estava pedindo no processo. 

Hoje, se acontecer essa mesma situação, e o trabalhador não conseguir provar, é condenado em honorários. Então as partes, os advogados, estão mais cautelosos. Também tivemos mudança no perfil de advogados, que estão se aprimorando mais, e entrando com ações mais elaboradas. Nesse aspecto, a reforma foi positiva. Teve aspectos positivos e negativos. Mas, em relação ao número de ações, em 2019 e 2020 voltou ao nível que tínhamos antes.

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