Fui morar na Austrália no final de 2006. Minhas expectativas sobre liberdade eram muitas. Eu imaginava que conseguiria a motivação e a alegria que eu não estava sentindo aqui, quando estivesse lá. Tinha terminado minha graduação, e estava trabalhando fazia poucos meses. Também estava em um namoro que nunca dava certo – e, nesse caso, eu sentia mesmo medo de nunca conseguir mudar. Poderia fazer um mestrado fora do país – e não que não fosse possível mas, de verdade, eu sabia que não era bem por essa razão que eu convenci minha família a comprar as passagens, e patrocinar minha ida para o lugar onde realmente eu vi a vida de outro ângulo. Eu sentia que o lugar onde eu estivesse me distanciaria do que sentia com relação a minha vida, mas foi o contrário.

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As crises sempre me fascinaram porque são capazes de inflamar e destacar os pontos que estão adoecidos. Isso facilita a nossa percepção, gera angústia e, com isso, ou a gente age e muda ou sofre o dobro depois. Melhor mudar quando aparece a primeira chance.

Nessa fase de imensa clausura interna, não sabia bem quem eu era – mas lá, finalmente, eu via o que era essencial. Falei com a minha mãe mais do que em qualquer outra fase – e olha que em 2006 era só por orelhão; escrevi para minhas amigas de infância e-mails longos – que resgatamos com risadas em minha despedida de solteira; fiquei mais quieta, quando podia – como sempre gostei; e certamente, naquele estado interno de completa solidão, percebi que as coisas que promoviam felicidade para muita gente, eu tinha que assumir que não promoviam o mesmo em mim.

Não sobrou nada do meu orgulho ou vaidade quando o que me acolheu foram as orações que fiz, e dali para frente minha decisão foi, e continua sendo, a de enfrentar as minhas diversas camadas de inverdades.

Perto aqui de casa tem um posto de gasolina, e sempre há um carro estacionado ali que me chama a atenção: É um carro off road (fora da estrada), azul marinho e cinza, com detalhes em laranja e vermelho, tem acessórios para trilha, e aventuras para o "meio do mato". Parece um carro novo sem dono – sempre limpinho, estacionado, esperando o dono chegar. Eu passo, olho, suspiro e penso: onde será o meu sítio, onde vou estacionar esse carro – que tá ali, me encarando, dando pinta de que é meu?! 

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Sabemos o que somos e o que queremos a todo tempo – o que não significa que nos sentimos aptos a viver o preço da vida que, desconfiamos, está estacionada ali fora. Isso porque dentro de nós há dois volumes de som – e depois de ação – o som das nossas obrigações e a música da nossa intuição. Qual estamos escutando agora?!

Dentro de casa, e porque estamos mergulhados em nossas escolhas, nunca nos sentimos tão contraditoriamente livres. Vontades que estavam silenciadas pelo barulho de nossas obrigações, finalmente estacionaram na porta de nossas casas. 

Ali está uma realidade realmente alternativa – é ou não é uma opção? – que passa ao nosso lado de vez em quando, convidando para a mudança – que sempre precisa acontecer, nos acostumando para o fluxo da vida, quando o mundo continua girando, e não é em torno das coisas – que antes a gente achava que compunham qualquer som de felicidade, mas que estavam acobertando a nossa própria e mais linda natureza.

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