Semana passada me surpreendi quando me dei conta de que, pela primeiríssima vez em minha vida, parei para, realmente, fazer uma leitura — parágrafo por parágrafo, de um contrato. Essa decisão se deu por experiência e meu desejo agora, e mais do que nunca, é muito aprender com meus descuidos. 

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Achei o contrato bastante desafiante, porque nele há algumas palavras difíceis, que se encontraram com muito da minha ignorância, e com a pressa que na vida a gente normalmente tem. Mas, me fiz a promessa de lembrar que a "pressa é a inimiga da perfeição", e cá estou eu na busca pela verdade das coisas, cada vez mais — bem devagarinho "cláusula-parágrafo" por "cláusula-parágrafo". 

Estou locando uma nova sala para meu escritório e neste contrato há que — em minha palavras — se porventura houver alguma infiltração no prédio — não por obra feita por mim —  e se acontecerem perdas materiais, de móveis, pisos e demais itens da sala, que o dano será 100% de minha responsabilidade. Eu tive que ler mais de uma vez para ver se era isso mesmo. E era. Antigamente eu facilmente assinaria sem ler e viveria tranquila até o dia da inundação. Reconheço a minha ingenuidade. 

Mas, me fiz a promessa de lembrar que a "pressa é a inimiga da perfeição"

Com esse meu desabafo e reflexão fiquei assim, boquiaberta — pensando no que me poderia acontecer se eu não houvesse feito essa leitura, mais uma vez. Meu medo jamais será da inundação porque há coisas que são imprevisíveis e inevitáveis. O que continuo temendo profundamente são as dívidas morais. Aprendi que a cobrança moral íntima é muito maior do que qualquer dinheiro ou papelada. Na sabedoria popular tem aquele dito que diz que "Enquanto existir cavalo, São Jorge não anda a pé”… é muito ruim colocar qualquer um de nós no papel do cavalo.

Mas eu concordo muito com o nosso traço de ingenuidade, mas não nos vejo irresponsáveis. Em muitas coisas, ainda somos crianças. Acredito que a gente assume relacionamentos, trabalhos, compras, escolhas de todos os tipos, sem ler as letras pequenas, porque a nossa crença não é na maldade. A diferença é que agora a gente cresceu e precisa encontrar lugares com "letras grandes". Clareza sempre será poder. E a paciência, também.

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Mas eu concordo muito com o nosso traço de ingenuidade, mas não nos vejo irresponsáveis.

Essa coisa do contrato está mexendo comigo há alguns meses porque abrimos esse assunto no meu processo de terapia, quando percebi em minha vida pagamento de responsabilidade no papel, sem culpa de princípios. Em uma das sessões eu precisei produzir um tear, e lá pelas tantas, distraída passei alguns fios errados e não percebi. Quando dei por mim, minha terapeuta apontou para o erro e perguntou se eu queria desfazer e recomeçar.

Depois de muito refletir, decidi por manter meu "contrato do tear" registrando minha pressuposição de que, mesmo que eu tente antecipar qualquer acontecimento, ainda preciso assegurar para o outro que eu não saberei de tudo. É preciso garantir que há coisas sobre as quais precisaremos dialogar para chegar a um novo consenso: Mesmo que o contrato nos faça ter direitos, é preciso verificar os verdadeiros prejuízos — especialmente de relacionamentos e emocionais. Eu sempre pensei que, mesmo se estiver escrito, nada nos obriga a deixar o outro na mão. Dinheiro a gente sempre faz, um negócio a gente recupera, mas um caráter baseado em princípios, não há contrato que assegure. 

Dinheiro a gente sempre faz, um negócio a gente recupera, mas um caráter baseado em princípios, não há contrato que assegure.

Tem arte, assim como a filosofia, que ultrapassa as gerações. Também assim é a verdade, e para o final de todo conto de fadas, o bem sempre prevalece. É hora, entretanto, de crescer e ler os nossos contratos, sem pressa construir com bases conhecidas as nossas melhores escolhas. Pedi uma reunião, antes de assinar — torcendo pelo consenso e sem pressa para o perfeito.

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