– Eu precisava passar por uma mudança, e senti que, para fazer isso pra valer, tinha que incorporar a mudança. – explica a artista de música eletrônica que adotou o nome em 2014. – Eu queria um novo nome, forte, curto. Um dia encontrei na internet um poema que falava sobre pássaros brancos que aprendiam a voar em queda livre: eles nasciam em pleno voo e, quando começavam a cair, aprendiam a voar. E eu me vi nessa imagem. E pronto: por causa dos pássaros brancos, decidi me tornar Blancah.
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Aquela inspiração inicial acompanha Blancah até hoje, e não só no nome: tudo o que a DJ produz, dos ensaios fotográficos aos títulos de álbuns e músicas, faz referência aos pássaros. Ela tem um EP chamado Birds; e em 2016 estreou um disco chamado Nest – "ninho", em inglês. A força da comparação se deve ao fato de que, quando decidiu que precisava se reinventar, se refazer, Blancah já estava voando: antes sob o nome Paty Laus, a artista já era bem conhecida no circuito da música eletrônica catarinense – na verdade, tendo começado a carreira no início dos anos 2000, ela foi uma pioneira entre as mulheres na cena eletrônica de Santa Catarina.
Nascida em Florianópolis, Blancah (ou Patrícia Laus, naquela época) se formou em artes plásticas pela UDESC ("sempre tive essa veia artística bem forte", ela diz), e trabalhou durante algum tempo na rádio universitária – período em que começou a aprender as primeiras noções de discotecagem e seleção musical.
– Nessa época recebi um convite de uma casa noturna que estava abrindo em Floripa, para tocar em uma pistinha de lá, onde rolava de tudo um pouco: rock, pop… – ela conta. – Pensei: "Por que não? Vai ser uma aventura legal." Depois disso comecei a produzir minha própria festa, com um grupo de amigas. Tudo isso foi uma bela escola para mim. Em um primeiro momento, tocando um pouco de tudo; depois, treinando o ouvido e encontrando meu próprio lugar dentro da música eletrônica, desenvolvendo meu próprio estilo.
No começo ela nem gostava de música eletrônica – como Blancah diz, "era mais da voz e violão". Ao descobrir o trip-hop, porém, vertente que estava no auge naquela época, a DJ começou a se apaixonar por aquele que se tornaria seu gênero de trabalho. Ela fez residência em diversos clubes de Florianópolis; mas foi só por volta de 2014 que começou a "se reconhecer como artista de música eletrônica" (e conseguir se sustentar por meio da música). Foi então que Blancah nasceu.
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– Senti necessidade dessa mudança porque eu vinha tocando em um circuito muito comercial, muito pop, e em um determinado momento esgotei isso – ela narra. – Criei uma nova identidade visual, comecei a estudar produção musical, fiz meu primeiro lançamento por um selo internacional. Foi quando eu comecei a ter um reconhecimento profissional sério, ser encarada como artista. É uma jornada longa, né? Não foi algo rápido, um golpe de sorte. É toda uma vida dedicada a isso. Espero poder passar mais vinte anos aí. Quero ser a vovó do techno. (risos)
Durante essa longa jornada, Blancah já presenciou muitas mudanças – uma delas, marcante, a crescente presença feminina no meio da música eletrônica, tradicionalmente dominado por homens.
– Acho que demos um salto qualitativo bem grande. – a artista opina. – Quando comecei, eu percebia que muitas meninas colocavam o fato de serem mulheres e a beleza delas em primeiro lugar: exploravam o sex appeal, e a música era apenas um adendo. Hoje eu percebo que as mulheres estão muito mais interessadas em sentar na frente de um computador e aprender a fazer música de verdade do que explorar e vender a própria imagem.. Eu cheguei a estar em uma festa onde uma "DJ Topless" se apresentou – ela tocava sem roupa. (risos) Não gosto dessa objetificação, de colocar isso na frente da arte. Eu sempre fiz de tudo para que as pessoas entrassem em contato primeiro com a minha música, e só depois com o meu rosto.
Há outra coisa, porém, que não mudou muito: a visão que o público de fora da música eletrônica tem desse universo.
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– A gente é um grande estereótipo – diz Blancah, sobre como os DJs e os fãs de música eletrônica costumam ser vistos pelo grande público. – É música de louco, é música para drogado, é barulho, é música feita pelo computador… E as pessoas colocam tudo no mesmo saco, sem diferenciar as vertentes; até porque é isso o que chega ao grande público. As pessoas ouvem um Alok, e acham que música eletrônica é isso aí. Mas o Alok para mim é pop; e não resume todas as infindáveis vertentes que existem dentro da música eletrônica. Mas eu entendo: tem gente que bota o rock todo no mesmo saco, como se fosse tudo igual; e assim vai… Quanto menos nos interessamos por um determinado estilo, mais estereotipamos. O grande problema, para mim, é a associação entre música eletrônica e droga. Existe um preconceito muito grande em relação a isso.
O novo trabalho de Blancah é justamente uma amostra de como o eletrônico vai muito além da pista de dança: Arias of Sky saiu no dia 8 de maio; e é, segundo a autora, um registro "contemplativo".
– É um álbum leve, com instrumentos bem orgânicos. – ela diz. – Imagino alguém ouvindo em casa, ou dirigindo um carro… É um dos trabalhos mais maduros que eu já fiz.
No disco, como indica o nome, Blancah volta à temática dos pássaros.
– Em Nest, eu contei a história de um pássaro que tem medo de sair do ninho e ir para o mundo; e a última faixa se chama Queda do Ninho: é quando o pássaro cai do ninho e finalmente aprende a voar – a artista explica. – Então, agora, no disco novo, eu quero falar sobre as aventuras desse pássaro voando no céu. É uma continuação poética daquele outro álbum. Este trabalho fala de amor, das minhas relações com as outras pessoas, porque eu acho que esse é "o nosso céu". Nossas relações com outras pessoas, sejam boas ou ruins, são o que vai nos moldando.
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A primeira faixa de Arias of Sky se chama Afago, e é o resultado de uma seleção entre as mensagens recebidas por Blancah de familiares, amigos, pessoas queridas de modo geral. Já a primeira música de trabalho é Vast Blue Sky, que, apesar de escrita antes da pandemia de coronavírus, "passa uma mensagem de esperança, e cai como uma luva neste momento". Blancah não teve tempo, antes do isolamento social começar, de gravar o clipe que planejou para a faixa; mas não deixou que isso fosse um impedimento para criar uma forma de divulgar a música: sozinha em casa, sem roteiro, usou massinha de modelar e o próprio celular para criar um vídeo.
– Eu nunca tinha feito isso antes, então tinha grandes chances de ficar uma merda – ela ri. – Mas eu fiquei super feliz com o resultado. Aconteceu de forma muito natural. Foi fluindo, e ficou tão fofinho! (risos)
Blancah diz que, como Arias of Sky não é voltado para a pista de dança, o objetivo era executá-lo em lugares especiais: auditórios, galerias de arte – até mesmo uma instalação estava planejada. A DJ tinha um show marcado em São Paulo neste mês; e em junho começaria uma turnê pela Europa.
– O coronavírus veio e deu uma varrida nas expectativas – ela fala. – Tive que refazer muitos planos. Vou fazer um show dentro de casa para substituir esse que eu faria em São Paulo, por exemplo. Toda minha renda vinha de apresentações. Estou sem renda desde março, e sem previsão de voltar a ter essa renda.
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Mesmo com as mudanças de planos e o adiamento de muita coisa, Blancah se mostra feliz: em um momento de satisfação em sua carreira, como uma artista que se encontrou, e que agora lança um trabalho do qual tem verdadeiro orgulho. Arias of Sky sai pela gravadora inglesa Renaissance Recordings, uma das mais representativas da música eletrônica conceitual mundial; e vai ganhar uma edição especial, desmembrado em três vinis de quatro músicas cada – dos quais Blancah planejou cada detalhe, tendo inclusive assinado as fotografias e artes de capa.
– Eu sou apaixonada por álbuns, por compor álbuns, porque no álbum você consegue contar uma história do início ao fim, criar todo um roteiro para as músicas – ela explica. – E também é onde você consegue mostrar diferentes habilidades como produtor, como artista.
Blancah está em pleno voo.