Repórter em Brasília, Caue passa seu primeiro veraneio a centenas de quilômetros da praia
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Tento lembrar de algo relevante dos tempos de Litoral Norte na década de 90. Namoradas, surfe, bronzeados, camping… nada disso. O que me vem à mente é o cheiro de calções de banho molhados, a neblina de fumaça e um amontoado de piás que passavam o maior número de horas possível feito zumbis, assistindo a avatares trocando socos diante de geladeiras piscantes.
O nome da epidemia era fliperama.
Não sei o quanto os pais da gurizada levavam a sério aquele vício, mas certamente não o suficiente. Foi dentro de um fliperama de praia que fui tanto furtado quanto roubado pela primeira vez, com um estilete encostado à barriga. Nos surreais cinzeiros acoplados à máquina estranhei os cigarrinhos fedorentos que os grandalhões insistiam em fumar não importasse o quão pequena fosse a bituca.
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Também foi apertando botões que me vi respeitado pela primeira vez por algo que fazia bem. Na praia eu não tinha nome, respondia por Aquele de Oclinhos Que Joga Com a Chun Li, a chinesa coxuda que foi minha única peguete de veraneio. E ali aprendi que, quanto maior o adversário na vida real, menos ele levava na esportiva uma surra virtual.
Pelo menos havia uma função social na coisa toda. Antes de migrarem para os shoppings (como tudo) e, por fim, desaparecerem, os fliperamas eram a diversão de inúmeros pivetes de rua. Não consigo imaginar outro lugar misturando de forma tão democrática franguinhos de apartamento, como eu, e aqueles moleques que cheiravam a tudo, menos a protetor solar. Eles não só queriam te vencer no jogo, mas te exigiam fichas para isso.
É curioso reparar que o fliperama tenha desaparecido quando o jogo foi “domesticado”. À medida em que os videogames particulares conseguiram emular o fliper em realismo, a gurizada começou a duelar no sofá, sob as regras das suas famílias, e a coisa toda perdeu boa parte da graça.
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Talvez seja uma dica para lidar com qualquer tipo de droga. Talvez não. Questão é que hoje, sem o escuro inebriante do jogo, não sei como os pré-adolescentes lidam com tanto ócio à beira-mar. Também não sei quem, senão os pivetes do fliper, ensina a eles que a vida não é um moranguinho.
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