Pesquisadora da maior facção criminosa do país, que teve origem em São Paulo e ampliou seus domínios para outros Estados, incluindo Santa Catarina, a professora e doutora em sociologia Camila Caldeira Nunes Dias palestrou nesta manhã para alunos da UFSC em Florianópolis.

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Autora do livro “PCC- Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência”, ela estuda a atuação da organização desde suas origens até a expansão para além do território paulista.

Segundo a professora o PCC surgiu em 1993 em uma unidade prisional específica chamada de Anexo da Casa de Custódia de Taubaté. Supostamente após uma partida de futebol onde detentos da capital e do interior se desentenderam culminando na morte de dois internos, a partir de então um pacto foi firmado entre os detentos que com o decorrer do tempo foi ganhando novos integrantes através do “batismo” realizado dentro dos presídios, que se espalhou com a transferência de detentos para outras unidades.

Em entrevista ao Diário Catarinense, a pesquisadora destaca que a facção paulista tem atuação expressiva em Santa Catarina, especialmente no Norte do Estado. O surgimento de uma facção catarinense com origem no próprio Estado, diz a especialista, ocorreu como resposta ao avanço dos paulistas nas cadeias de SC.

Hoje, conforme a autora, o grupo criminoso catarinense é considerado um dos maiores inimigos da facção paulista. A disputa por territórios, acrescenta Camila, tem resultado no fenômeno do aumento da violência em Santa Catarina e em outros Estados.

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—Quando o PCC passa a se expandir, é claro que em muitos lugares vai haver resistência— aponta.

A autora também é crítica ao chamado Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), uma medida de isolamento máximo do preso, normalmente empregada a partir de transferências para penitenciárias federais -Santa Catarina enviou dezenas de apenados para unidades federais após as ondas de ataques ocorridos nos últimos anos. Além de o regime não se mostrar eficiente, diz Camila, as transferências fazem com que os presos retornem com mais autoridade para seus Estados de origem.

Entrevista

Você pesquisa a consolidação do PCC em SP e a expansão para outros Estados. Qual a percepção da atuação em SC?

Minha pesquisa nunca envolveu, especificamente, Santa Catarina. Mas sei que o PCC tem presença importante em SC, principalmente na região próxima à divisa com o Paraná, como em Joinville. O próprio PGC surge a partir de uma dissidência do PCC. A chegada a Santa Catarina ocorre a partir de conflitos que teriam sido provocados com os presos do próprio Estado. Então, teriam fundado o PGC como uma forma de se contrapor, fazer frente a essa tentativa do PCC de controlar o Estado.

Como ocorreu o crescimento do PCC para além de São Paulo?

No Paraná e no Mato Grosso do Sul, o PCC está presente desde o começo dos anos 2000. Um dos fatores principais foi a transferências das lideranças para o sistema prisional desses dois Estados. Nos outros Estados, a expansão do PCC ocorreu mais tarde. Paraná e Mato Grosso do Sul são Estados de fronteira com o Paraguai, importantes na rota do tráfico de cocaína. Tudo isto fez com que o PCC alcançasse posição privilegiada. A partir daí, a expansão foi uma questão de tempo. A expansão gerou grupos locais, como o PGC, um dos exemplos mais importantes. O PGC, junto da Família do Norte, está entre os principais inimigos do PCC. Em todos os Estados passaram a surgir grupos menores que passaram a se aliar ou se opor ao PCC.

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A polícia atribui o aumento de homicídios em SC ao confronto da facção local com o PCC. Isto se repete em outros Estados?

Quando o PCC passa a se expandir, é claro que em muitos lugares vai haver resistência. Gera disputa pelo mercado de drogas, pelo controle da população carcerária. Há um cenário de instabilidade, que pode provocar mais homicídios. São Paulo não tem essa disputa porque lá o PCC ainda tem uma hegemonia que não parece ameaçada. Percebemos que os homicídios continuam diminuindo, ao mesmo tempo que outros crimes, como roubos, aumentam. Nesse cenário, onde um grupo controla o tráfico e não tem competição, há uma redução de homicídios. Em cenários onde há vários grupos disputando esse mercado, há aumento dos crimes violentos.

Seria, então, benéfico o fortalecimento de uma só facção?

É difícil fazer essa afirmação. Do ponto de vista político do Estado, diria que é mais interessante um cenário de hegemonia do que de competição. Competição vai gerar mais violência. Só que, ao mesmo tempo, em um cenário como o de São Paulo, o PCC cada vez parece mais forte e pode se colocar frente ao Estado como uma possibilidade eminente de fazer ações com uma repercussão maior. Na verdade, nenhum dos dois cenários é bom. O Estado não pode abrir mão da prerrogativa de controlar esses espaços em função de um grupo.

Você critica o regime disciplinar diferenciado, que já foi usado pelo governo de SC para isolar presos faccionados. Por que o modelo não funciona?

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São Paulo foi o primeiro a adotar esse regime. Quando São Paulo criou o regime, o objetivo era desarticular o PCC, que em 2001 promoveu a mega-rebelião. O mecanismo de isolamento falhou drasticamente. De lá para cá, o PCC só cresceu. Outro fato é o desrespeito ao que está previsto na lei, que veda a imposição de penas cruéis e degradantes. O regime diferenciado atenta contra a manutenção da sanidade mental. O preso, depois que vai para o regime diferenciado no sistema federal, ele volta sempre empoderado. Muitas vezes, a unidade prisional quer se livrar do preso que causa problemas e não é uma liderança. Mas, quando volta, retorna empoderado (porque estabelece contato com presos de outros Estados).

Os governos, inclusive o catarinense, reconhecem a atuação das facções. O que falta para enfrentar essas organizações?

As reações dos governos às facções são sempre imediatistas As autoridades vêm a público, falam que vão investir milhões em armamentos, viaturas, concursos para novos policiais. Isto não dá resultado em si. Claro que, em alguns momentos, precisa isolar algumas pessoas, transferir, fazer intervenções de emergência. Mas isto não vai resolver, apenas apagar incêndio. Para resolver é preciso pensar de maneira estrutural, investir fortemente na prevenção do crime. E aí não é com polícia, mas com investimentos em escolas, em creches, numa infraestrutura social, urbana, que reduza a vulnerabilidade de jovens e crianças.

Ouça a reportagem de Cristian Delosantos:

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