Após anos de audiências públicas e judiciais, reuniões e julgamentos, diferentes cronogramas e prazos, a obra do Contorno Viário da Grande Florianópolis virou um impasse cuja única alternativa para milhares de pessoas é esperar. Embora alguns trechos do traçado de 50 quilômetros estejam avançados, em outros os trabalhos nem sequer têm data para começar.

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Esse contraste nas obras de responsabilidade da Arteris – Autopista Litoral Sul torna a conclusão da estrada, prevista para desafogar o trânsito na BR-101, um problema sem solução para os próximos anos.

Apesar de ainda estipular prazos para a entrega da rodovia, como dezembro de 2021 para os trechos já em andamento, a Arteris tem um canteiro de obras em que uma ponta não se liga a outra. Enquanto em 13,6 quilômetros os trabalhos em Palhoça não têm data para começar, no trecho mais adiantado, em São José, um morro no meio do caminho impede o avanço de um lado da estrada com outro.

Ali, será construído um dos quatro túneis duplos do projeto. Atualmente, a obra leva nada a lugar algum e não há opções paliativas temporárias para usar os trechos que terminarão primeiro.

— A obra está bem no trecho norte e no intermediário. Nosso nó é no sul. Não posso tomar nenhuma ação em Palhoça sem a aprovação dos projetos. Esse hoje é o grande nó da obra, nem as desapropriações podemos fazer, por isso ali não tem como dar um prazo — argumenta Antonio Cesar Ribas Sass, diretor superintendente da Arteris.

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Análise de projeto será feita pela UFSC

Mesmo que o executivo da concessionária considere o trecho sul como principal entrave, a situação no meio do traçado, onde a obra está 75,5% concluída, também é crítica. Isso porque o projeto do quarto túnel duplo, que em São José terá 820 metros de extensão, é analisado pelo Lab Trans, laboratório de transportes e logística da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) a pedido da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Depois que o Lab Trans concluir o trabalho, avaliando positiva ou negativamente o projeto, a ANTT ainda terá que aprová-lo. Sass não tinha conhecimento que o quarto túnel está em análise no Lab Trans:

— Isso é novidade para mim — disse, ao ser informado pela reportagem.

Sem a aprovação dos projetos técnicos e de orçamentos dos túneis, a Arteris não pode começar o trabalho no lote sul nem iniciar desapropriações, que somam o maior número de casos pendentes (113) no trecho mais atrasado.

Além disso, será necessário executar os túneis para trabalhar em outros pontos, pois o material retirado dos morros – terra e rochas – será usado na construção da via em outros pontos. Já no trecho mais avançado, a empresa não consegue terminar a obra enquanto não finalizar o túnel.

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Abertura parcial é inviável porque obra está desconectada

Uma opção trazida pela Arteris, que tem a concessão da rodovia até 2033, a de abertura parcial ao tráfego pelo trecho norte não seria viável porque três túneis no lote mais atrasado, em Palhoça, levarão o mesmo tempo que outro em São José, onde as pistas estão quase prontas. Assim, o trecho norte, que poderia ser inaugurado em 2021, começaria e terminaria em Biguaçu, sem reflexo nos pontos maior tráfego na BR-101.

Em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) na segunda-feira, o diretor superintendente da Autopista, Cesar Sass, disse que a empresa trabalha com a possibilidade de abrir o contorno parcialmente ao tráfego de veículos em dezembro de 2021, entregando à população o traçado concluído até lá. Segundo ele, o trecho de pouco mais de 20 quilômetros iria do km 176 da BR-101, em Biguaçu, até a SC-407, na mesma cidade.

Basta olhar o mapa da obra (confira ao lado) fornecido pela própria Autopista, porém, para perceber que essa solução não serve. Com ela, haveria metade do contorno, a mais importante do contrato de concessão assinado com a União há 11 anos, e que deveria estar pronta em 2012.

O problema é que o trecho que poderia ser liberado desaguaria no ponto da BR-101, onde o trânsito não é tão intenso e não são registrados congestionamentos como na região de São José, Florianópolis e Palhoça.

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Responsável pela comunicação social da Polícia Rodoviária Federal (PRF), o inspetor Luiz Graziano, considera que essa alternativa da Autopista "não resolveria praticamente nada". Segundo o policial, o trecho mais crítico da BR-101 e para o qual o Contorno Viário seria fundamental, é o que vai de Palhoça até a região do Shopping Itaguaçu, nas proximidades da Via Expressa e acesso à Ilha de Santa Catarina. Por ali, estima, passam 200 mil veículos por dia.

— A região do shopping Itaguaçu é o lugar mais movimentado, concentra tudo, o pessoal que está vindo de Palhoça, quem faz a viagem de Porto Alegre a São Paulo, que usam a rodovia como avenida. Já na BR-101 em Biguaçu transita uma média de 120 mil veículos por dia. A previsão para o Contorno Viário é de que 35 mil, 40 mil veículos façam o caminho pelo contorno. Então, essa ideia de abrir parcialmente não resolve praticamente nada, porque o problema é de Biguaçu em diante — avalia Graziano.

Trecho de início do lote norte, em Biguaçu, onde ligação com a BR-101 ainda não foi feita
Trecho de início do lote norte, em Biguaçu, onde ligação com a BR-101 ainda não foi feita (Foto: Dioregenes Pandini / NSC Total)

Fiscalizadora não respondeu os questionamentos enviados

A reportagem encaminhou, desde segunda-feira (22), uma série de questionamentos à ANTT, fiscal do contrato de concessão, para saber o cronograma atualizado, as inexecuções contratuais e as responsabilidades da empresa Arteris no atraso da obra.

Sobre a demora em concluir as obras previstas em contrato e os sucessivos aumentos da tarifa de pedágio, mesmo sem fazer a principal obra estabelecida no documento, não houve resposta. Em relação ao cronograma atrasado e o descumprimento de várias obrigações contratuais por parte da Autopista, a ANTT também não se manifestou.

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Labirinto de prazos

Por fatores externos ou falta de ritmo de execução, construção do complexo viário teve uma série de protelações, até chegar num horizonte sem perspectiva, como atualmente.

Primeiro prazo para concluir a obra, conforme o contrato de concessão da BR-101:

2012

Mas, na realidade, a obra nem chegou a começar, por alterações no projeto (um dos casos porque a prefeitura de Palhoça autorizou a construção de um condomínio bem onde passaria o traçado). Ela só começou em maio de…

2014

…quando as máquinas abriram o primeiro trecho, em São José. Na época, a previsão era concluir o complexo em março de…

2017

…o que não ocorreu, por desapropriações e licenças. A Arteris começou a falar em…

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2019

…o que também não se concretizou. O ano começou e até fevereiro a concessionária falava em dezembro de…

2021

…que ainda pode ser viável, principalmente para o trecho norte e, talvez, para o intermediário, que terá a construção de um túnel. Mas é exatamente a implantação de outras três estruturas como essa que, para o trecho sul, o prazo até agora é:

Indeterminado

Na futura intersecção com a BR-282, em Palhoça, não há sinal de obras ainda e o projeto executivo nem sequer foi aprovado
Na futura intersecção com a BR-282, em Palhoça, não há sinal de obras ainda e o projeto executivo nem sequer foi aprovado (Foto: Dioregenes Pandini / NSC Total)

Projeto dos túneis ainda está em análise

Estão em uma sala do prédio de Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) os projetos que podem, ao final deste ano, adiantar ou atrasar de vez a obra do Contorno Viário. Antes de decidir se eles estão dentro das normas e aptos para serem aprovados, a ANTT firmou um termo de execução descentralizada com o Lab Trans para análise dos projetos da Autopista.

Os especialistas avaliam os documentos – sob sigilo contratual – em questões técnicas e de orçamento. Eles se debruçam sobre todos os estudos e projetos relacionados a oito quilômetros do trecho sul A, que envolve três túneis, e mais um túnel duplo de 820 metros no trecho mais adiantado da obra – onde os trabalhos pararam em frente ao morro que será aberto para a estrutura.

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O prazo de entrega dos estudos termina em outubro. Uma entrega parcial, porém, deve ocorrer em 21 de junho. Os meses seguintes serão de acompanhamento, explica o engenheiro civil André Ricardo Hadlich, coordenador do termo de execução descentralizada.

— Tem uma equipe da ANTT acompanhando o trabalho. Quando concluirmos, a agência vai notificar a concessionária de possíveis alterações ou não dos projetos que foram entregues. Existe um período de discussão do levantado nos estudos sobre os projetos. Depois que entregarmos para a agência, não sabemos o cronograma deles — explica Hadlich.

O Lab Trans avalia todos os itens dos projetos, desde pavimentação e terraplanagem até gastos previstos com o trabalho, para avaliar se estão compatíveis com as soluções de engenharia propostas. Hadlich lembra que os três túneis duplos estão situados em um trecho curto e destaca que no lote norte da BR-101, por exemplo, só há um túnel, “e simples”, no Morro do Boi, em Balneário Camboriú:

— Não são projetos excepcionais do ponto de vista de engenharia. Mas, para um trecho tão curto, inspiram mais de cuidado.

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De 138 multas, 92% foram suspensas

Desde o início da concessão do trecho norte da BR-101, em fevereiro de 2008, a fiscal do contrato, ANTT, já aplicou 138 multas à Autopista por questões relacionadas à inexecução de obras e serviços da concessão.

Em outubro de 2013, no entanto, a ANTT e a Autopista celebraram um termo de ajustamento de conduta. No documento, as partes, a contratante (que também é fiscal) e a contratada acordaram em suspender 128 processos de autuações.

Das 10 multas que sobraram, três foram anuladas ou arquivadas após a análise de recursos da empresa. Outras cinco estão aguardando avaliação da primeira instância da própria ANTT, responsável por autuar os descumprimentos de contrato.

Por fim, apenas duas autuações viraram multas, que somadas chegaram a R$ 2.673.000. As autuações, em primeira instância, ainda podem ser recorridas até a terceira. Nesse caso, a Autopista já recorreu à segunda.

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Expectativa por resultado de audiência

Na próxima terça-feira (30) ocorrerá na sede da Justiça Federal, em Florianópolis, uma audiência de conciliação entre a Arteris, a ANTT e a prefeitura de Palhoça – que ingressou com ação contra a concessionária pelo atraso nas obras. Um dos participantes é o procurador da República Alisson Nelicio Cirilo Campos, que em fevereiro instaurou procedimento investigatório sobre o assunto.

A expectativa dele é que tanto a Arteris quanto a ANTT se comprometam com um prazo para conclusão da obra. Segundo a concessionária, uma nova data será definida antes da audiência.

Em 21 de março, o MPF reconheceu o pedido liminar proposto pela prefeitura palhocense para que a Arteris cumpra até o final de 2021 o contrato de concessão e o atual cronograma das obras do contorno.

Além disso, o MPF aprovou o requerimento que propõe a condenação da ré ao pagamento de indenização no montante de R$ 10 milhões, bem como a pena de multa no valor de R$ 50 milhões, caso não finalize integralmente a obra até o prazo estabelecido.

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O procurador da República Alisson Nelicio Cirilo Campos requereu ainda a decretação da quebra do sigilo fiscal da empresa desde 2008. Com isso, o MPF conseguirá todas as declarações fiscais da Arteris sobre impostos e contribuições sociais devidas.

Realidade distinta em Palhoça

O projeto da trombeta, que será a ligação entre a BR-101 e o início do contorno em Palhoça, no bairro Pacheco, ainda não teve o projeto funcional aprovado na ANTT. No ano passado, a agência anunciou que a obra ali começaria em fevereiro de 2019.

Para outro trecho, na ligação do contorno com a BR-282, que terá um "trevo de quatro folhas", o projeto funcional foi aprovado pela ANTT em fevereiro.

— Estamos agora finalizando o projeto executivo. Mas na trombeta, não podemos fazer nem as desapropriações ainda — diz o superintendente da Arteris, Antonio Cesar Ribas Sass.

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Na intersecção da BR-282, onde há imóveis para desapropriar, os moradores aguardam a concessionária para negociar as áreas e reclamam da indefinição.

— É ruim porque não começamos a procurar outro lugar sem saber se a obra vai mesmo acontecer aqui — diz José Albino, de 69 anos, dono de um dos lotes.

Os impasses da obra

– Desapropriações: das 1.146 áreas necessárias, 972 já estão liberadas. Outras 174 estão pendentes – 113 no trecho mais crítico da obra, que fica em Palhoça e onde as obras não tem sequer data para começar. No trecho norte, de Biguaçu a São José, há 51 imóveis para desapropriar. No intermediário, em São José, são 10 áreas.

A partir de 2015, todas as negociações passaram a ser ajuizadas na Justiça Federal. Por lá, já foram concluídos 546 processos. O restante aconteceu antes das judicializações, com acordos. De julho de 2015 a abril de 2019, foram realizadas 729 audiências, 546 com acordo. Foram liberados mais de R$ 360 milhões em indenizações. A concessionária já gastou no total R$ 456 milhões nesses processos.

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Custo da obra: em 2007, quando foi incluída no edital de concessão, o investimento estimado era de cerca de R$ 300 milhões. Foi com base nesse orçamento que a concessionária fixou o preço do pedágio, pago pelos usuários da rodovia desde 2009.

Doze anos depois, foram investidos R$ 1,052 bilhão, sendo R$ 596 milhões em obras. A concessionária diz não poder estimar o custo total da obra por causa dos quatro túneis que ainda serão feitos.

– Mudança de projeto: o traçado da obra sofreu várias alterações em relação à proposta original. A mais significativa foi em Palhoça, porque a prefeitura permitiu, em 2012, a construção de um condomínio residencial no traçado por onde passaria o contorno.

– Licenciamento ambiental: de acordo com o Ibama, o Contorno da Grande Florianópolis recebeu licença prévia em 2014 e licença de instalação, válida até maio de 2020. No momento, não há bloqueio por questões ambientais para execução das obras.

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O Ibama informa que foram avaliadas as condicionantes da licença de instalação e emitida renovação dela em janeiro deste ano. Ainda não houve requerimento para a licença de operação, o que está previsto após finalização das obras.

– Preço do pedágio: a concessionária afirma deixar de cobrar R$ 0,20 por veículo na tarifa de pedágio devido às obras não executadas, como o Contorno Viário. Sobre o equilíbrio econômico do contrato, a empresa prevê que precisará aumentar os preços, por conta do custo dos túneis, por exemplo, que entraram no projeto após alteração do plano original com o condomínio aprovado pela prefeitura de Palhoça em 2012.

A Autopista diz que a diferença do gasto no projeto com mudanças alheias à concessionária será incorporada à tarifa de pedágio, que será calculado após a conclusão dos projetos dos túneis.

Contorno Viário da Grande Florianópolis
(Foto: Artes NSC)