O que eu passei: Dia desses, há cerca de duas semanas, peguei ônibus para voltar para casa. Como de costume, esperei pouco menos de dez minutos no ponto até o coletivo aparecer. Não tive dificuldades ao subir, nem ao passar a catraca e nem para sentar. A linha era Tican/Ticen via Mauro Ramos e o veículo era adaptado com elevador para deficientes físicos.

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Era por volta de 18 horas – horário de pico. Ainda na SC-401, uma primeira pessoa em cadeira de rodas entrou. O espaço destinado para ela, no meio do ônibus, naquele momento, já estava ocupado por outros usuários, que estavam em pé. Passinho para cá, passinho para lá, o cadeirante conseguiu um espacinho para ficar.

Quando ele pediu para desembarcar, já na rua Mauro Ramos, no Centro, o ônibus não conseguiu parar de forma que fosse possível para o cadeirante descer do elevador em segurança, no nível da calçada. Foram precisos alguns minutos de manobras.

Em seguida, uma senhora, com mobilidade reduzida, mas que não usava cadeira de rodas, pediu para desembarcar. Ela também precisava usar o elevador, pois, visivelmente, corria o risco de cair nos degraus.

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Na próxima parada, na região do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), mais um cadeirante estava no ponto de ônibus: um rapaz, com sua mãe. O cobrador, responsável pelo manuseio do elevador, só respirou fundo. Encarou a multidão do ônibus e aos berros pediu para as pessoas darem espaço ao menino na cadeira de rodas. Era notável: o rapaz e a mãe estavam constrangidos com a situação.

Com a chegada ao Ticen, todos desceram assim que as portas se abriram. Olhei para trás e o menino na cadeira de rodas e sua mãe ainda estavam no ônibus, sendo os últimos a saírem.

Por mais que fosse um horário que muitos voltavam para suas casas, a situação me deixou reflexiva. Olha quanta gente precisou de um veículo adaptado, em um único trajeto. A cidade está preparada para atender as necessidades do deficiente físico?

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A Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos (Aflodef) diz que ainda há um caminho extenso para garantir o direito de ir e vir, a igualdade de oportunidades e a independência do deficiente físico, a começar no transporte público, tema desta reportagem.

O que ele passou

André Renato Cardoso, de 35 anos, trabalhava como pintor há três anos. Num acidente de trabalho, sofreu uma queda de mais de três metros que mudou sua vida. Ele perfurou pulmão, quebrou vértebras e ficou 37 dias em coma. Quando acordou, não sentia os movimentos da perna e nem dos braços. Precisou colocar uma placa de metal nas costas para poder ficar sentado. Voltou a sentir os braços, mas as pernas não. Ele estava paraplégico.

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A história de André parou nos ouvidos de José Roberto Leal, presidente da Aflodef. Zezinho, que também é cadeirante, falou do basquete ao ex-pintor. Em seguida, André passou para a corrida. As oportunidades o levaram a trabalhar na própria Aflodef, como mecânico de cadeira de rodas. Ninguém na Grande Floripa faz o serviço que ele oferece.

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No próximo dia 20, André completará três anos na cadeira de rodas. Quebrando barreiras, ele tem conseguido ir longe. O questionamento é justamente em relação às barreiras. Por que são tantas?

O mecânico relembra tristemente de quando, há cerca de um ano, não conseguiu subir em um ônibus para o Zanelatto, em Biguaçu. O veículo, segundo ele, não era adaptado.

— Fiquei revoltado que não pude entrar. Resolvi ir na frente do ônibus e impedir a passagem dele. Chamaram a polícia. Os homens estavam armados, e eu, numa cadeira de rodas e com meu filho de oito anos — relembra.

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Esta não foi primeira e nem a segunda vez que André não pôde usar um serviço de transporte do jeito que gostaria. Por conta de seu acidente, o mecânico não pode ser carregado, caso alguma boa alma queira ajudá-lo a subir num veículo que não seja adaptado. Para André conseguir andar de ônibus, é imprescindível o elevador, ou num carro, uma rampa de acesso.

— Gostaria de ir mais rápido para o trabalho ou chegar no horário numa consulta médica, e pegar um ônibus executivo em Florianópolis para isso. Mas não dá. Não tem elevador e não aceitam a carteirinha de deficiente físico — lamentou o mecânico e paratleta, que diz que gostaria de ter uma alternativa.

¿É o terror¿

Quando André estava no terminal antigo, na tentativa de encontrar um ônibus executivo adaptado, chegou Gilberto da Silva, de 54 anos. Cadeirante há 17, disse que sofre muito para pegar um ônibus em Florianópolis. E neste sentido, morre de saudades de sua terra Natal, Curitiba, que segundo ele, é exemplo em acessibilidade no transporte público.

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— Aqui é o terror. Se estou num ponto de ônibus e peço para o amarelinho parar, ou um ônibus que não tenha elevador, eles passam voando por mim — resumiu ele, que cuida de um estacionamento no Centro de Floripa.

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Segundo o Consórcio Fênix, empresa responsável pelo serviço de transporte coletivo em Florianópolis, “não é permitido que os motoristas realizem o transbordo do passageiro no colo. O motorista pode acionar o elevador nos veículos que são adaptados”, ou, no caso das linhas de executivo que não possuem elevador, o motorista pode pedir a vinda de um veículo adaptado para atender o deficiente físico.

— Não há previsão em lei que obrigue o motorista a prestar este serviço — observou o assessor jurídico da Secretaria de Mobilidade Urbana de Florianópolis, Saint’Clair Dias Maia Peixoto.

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Direitos iguais

José Roberto Leal, o Zezinho, que está à frente da Aflodef, briga há anos pela igualdade de direitos dos deficientes físicos em Florianópolis. Viu os primeiros ônibus adaptados aparecerem, mas ainda questiona as linhas e horários, e a possibilidade de o cadeirante usar também o serviço diferenciado do amarelinho.

— Para ter um ônibus adaptado em determinada linha e em determinado horário que atenda um deficiente físico, temos que sempre encaminhar um ofício com o pedido à prefeitura — explicou o presidente da Aflodef.

A acessibilidade nos ônibus também é matéria discutida no Tribunal de Contas do Estado (TCE), em uma ação em que a Aflodef foi aceita como colaboradora no processo. A decisão do conselheiro relator Wilson Rogério Wan-Dall indica que a associação é ¿entidade representativa dos interesses de seus associados e que tais interesses são relevantes (…)¿.

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Segundo a assessoria de imprensa do TCE, ¿a Aflodef, por iniciativa do próprio Tribunal, participou da auditoria in loco nos terminais de passageiros¿. A decisão do relator traz, entre outras demandas, dois pedidos para a Prefeitura de Florianópolis relacionados à acessibilidade: ¿Apresentar cronograma das obras que pretende executar para adequar todos os terminais de integração às normas de acessibilidade; e apresentar cronograma de substituição de veículos antigos por novos, prevendo em que momento toda a frota do sistema convencional e executivo estará em conformidade com os requisitos de acessibilidade¿. A decisão foi enviada à prefeitura em 24 de agosto, informou o TCE. Há um período de 30 dias para a prefeitura apresentar um plano de ação em uma audiência no Tribunal. A Secretaria de Mobilidade Urbana, através da assessoria jurídica, informou, na última sexta-feira, que a prefeitura ainda não tem conhecimento da ação.

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Segundo Zezinho, o decreto presidencial de número 5.296, de 2004, prevê que todos os ônibus sejam acessíveis. O prazo das adaptações era até 2014. Para frotas rodoviárias, houve um terceiro prazo acatado para obrigatoriedade de elevadores nos ônibus até 1º de julho de 2017.

Porta a porta

Zezinho conta que há 12 anos apresentou um projeto à prefeitura chamado por ele de ¿Porta a porta¿. Com a chegada dos amarelinhos – com a licitação do Consórcio Fênix há mais de dois anos – o presidente esperava que o serviço passasse a entrar em funcionamento na cidade.

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— Trouxe a ideia de São Paulo. Joinville já adotou também. Seria um veículo adaptado, disponível pela prefeitura, para buscar deficientes físicos diretamente em casa. Para levar no médico, escola, ou demais atividades sociais. O serviço teria que ser agendado — explicou o presidente da Aflodef.

Hoje, quem realiza este serviço é a própria associação, que conta com nove carros para fazer o deslocamento de deficientes físicos. Há um convênio com a Prefeitura de São José para o transporte escolar de crianças e adolescentes. Um convênio igual existe com a Prefeitura de Florianópolis, mas que atende somente 15 pessoas.

— Há gente na fila de espera — indica Zezinho.

De acordo com o assessor jurídico da Secretaria de Mobilidade Urbana, Saint’Clair, um projeto neste sentido está sendo planejado pela prefeitura. Ele acredita que a iniciativa possa ser enviada para aprovação na Câmara de Vereadores ainda neste ano e que será aberta uma licitação para ofertar o serviço na cidade.

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— Ainda não sabemos quantos veículos adaptados vão ser, qual a demanda hoje em Florianópolis, e quais serão as delimitações para usar o serviço. Ele ainda está em fase de planejamento — informou o assessor jurídico.

¿São todos acessíveis¿

Atualmente, segundo o Consórcio Fênix, são 190 linhas disponíveis à população: 164 convencionais e 26 executivas. Dos ônibus que operam nas linhas convencionais, 65% deles são adaptados, ou seja, que possuem elevador. Já os amarelinhos, afirmou o coordenador técnico no Consórcio, Rodolfo Guidi, são seis adaptados às novas regras.

No entanto, segundo Guidi, todos os veículos hoje são acessíveis (diferente de adaptado), conforme indica a legislação, com cadeiras anteriores às catracas para pessoas com deficiências reduzidas, idosos e grávidas; botões de parada de fácil acesso para cadeirantes; largura do corredor suficiente para passagem de cadeiras de rodas, e comunicação visual diferenciada.

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De acordo com a licitação entre prefeitura e empresa, há um prazo até 2020 para implantação dos ônibus adaptados, mas espera-se que a mudança seja concluída antes. A expectativa, informou o assessor jurídico da Secretaria de Mobilidade, Saint’Clair Dias, é que até 2017, 80% da frota convencional seja adaptada.

Mas não há previsão ou obrigatoriedade, segundo licitação, para a mudança de veículos executivos – diferente do que pede a ação do TCE e do que deseja a Aflodef.

— Desde 2009 há uma lei nacional que obriga os ônibus a saírem das fábricas adaptados. Será uma mudança natural. Assim que os ônibus forem trocados por novos, eles virão com o elevador — esclareceu Guidi.

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Liga e chama

Segundo a prefeitura e o consórcio, ¿a pedido do passageiro com deficiência, qualquer linha convencional pode ser atendida com ônibus adaptado no horário solicitado – caso já não esteja fixado no quadro de horários a alocação de ônibus adaptado com elevador¿. Se precisar, o cadeirante precisa ligar e pedir. O número do Consórcio é o (48) 3025-6868 e da Secretaria de Mobilidade é o (48) 3251-6931.