Marcus Vinicius Freire não disfarça o orgulho por seu trabalho como diretor executivo de esportes do Comitê Olímpico do Brasil (COB). Empolgado, recorre ao tablet para mostrar o sistema de informações da entidade e garante que, hoje, o atleta brasileiro compete em igualdade de condições com adversários de qualquer lugar do mundo.
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Aos 51 anos, o gaúcho de Bento Gonçalves radicado no Rio veio a Porto Alegre para lançar o livro Resolva!, em que apresenta um método para solução de problemas a partir de experiências dos tempos de atleta, chefe de delegação, e do período atual como dirigente.
Sistema do COB registra resultados dos últimos 56 anos
A ciência contra o “feeling” na preparação dos treinadores brasileiros
Das quadras de vôlei ao mercado financeiro, do empresariado à gestão esportiva, o medalhista de prata na Olimpíada de 1984 é inquieto. Nesta entrevista a Zero Hora, fala com as mãos como os italianos que colonizaram a cidade onde nasceu, e sorri ao lembrar de suas múltiplas trajetórias:
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O que mudou na gestão do COB nos últimos anos?
A gente profissionalizou muito. Eu consegui unir essa minha experiência em bancos e seguradoras com a de atleta. Eu tenho sangue de atleta. Os caras me chamam de cartola, eu fico louco. Não tenho cara de cartola, sou contra, contra reeleição… O estágio em que chegou o COB, vou pegar aqui para mostrar…(pega o tablet e abre sistema de gestão do COB). A gente profissionalizou de um jeito que hoje é parecido com o planejamento que eu fazia em um banco. O mesmo sistema de metas. Analisamos o quadriênio e comparamos: como está 2014 em relação a 2010, que foi dois anos antes da Olimpíada? E 2013 em relação a 2009?
É difícil lidar com a questão dos orçamentos, que vêm de diferentes fontes?
Para mim, a grande vitória do COB nos últimos cinco, seis anos, foi conseguir unificar tudo. O que acontecia antes? O ministério fazia um investimento, a Sogipa outro, a federação, a confederação, e o COB. Cinco milhões de reais separados não resolvem nada. Na hora em que você investe seguindo a mesma linha de pensamento, a história muda. Hoje, quando sento com uma Confederação, o cara me diz o que tem de patrocínio, de Lei de Incentivo. O orçamento não passa pelo COB, mas o planejamento é liderado por nós. Você não consegue chegar ao fim de uma conversa como essa sem estar coberto nos gastos principais. Aí estourou o orçamento, e os caras precisam contratar mais um técnico? Ele apresenta o projeto para um fundo que nós temos para questões extraorçamentárias. A partir daí, vemos as prioridades.
Como lidar com a responsabilidade de preparar a delegação que vai disputar uma Olimpíada em casa?
Minha tranquilidade é saber que o atleta brasileiro tem, hoje, a mesma condição do que qualquer outro. O que acontecia antes? Eu dizia que a geração anterior à minha era a geração do “se…”. “Se a gente treinasse oito horas por dia, ia ganhar”. “Se a gente fosse profissional e recebesse salário, ia ganhar”. Sempre tinha uma muleta. Agora não tem mais. Se precisa morar no Japão, vai morar no Japão. Se precisa um técnico estrangeiro, tem. Ao mesmo tempo, a gente sabe que o nosso papel vai até o momento do saque, ou da largada. Dali para frente, ganhar ou perder faz parte do jogo. O que a gente quer é que o atleta brasileiro não tenha razão para desculpa. E antes tinha. Ele dizia “pô, o atleta alemão tem um suplemento alimentar que aqui não entra”. “O americano é profissional e não precisa ficar olhando a conta corrente”. Hoje em dia, ninguém é milionário, mas se sustentam através de um conjunto de agentes. O atleta tem uma bolsa pódio, um dinheiro do comitê ou do patrocinador. Por um lado, é fácil acompanhar tudo isso de fora. Sei que a gente entrega o melhor que a gente pode. E este melhor é igual a qualquer lugar do mundo.
Como vocês estabelecem as metas?
A meta é atingir a décima posição na Olimpíada. Temos o número de finais nos últimos anos, quem são meus adversários. Onde eu deveria estar neste momento. Consigo controlar orçamento. Vejo o mapa do esporte olímpico. Posso comparar qualquer um com qualquer um. E com isso a gente faz análise de resultados. É fácil um presidente de Confederação dizer que um atleta tem chance de medalha. Mas aí eu pego o perfil histórico de um medalhista daquela modalidade. Vejo que oito anos antes foi campeão mundial juvenil, quatro anos antes foi campeão de outra competição…Existe um padrão, uma curva. Às vezes o resultado sai da curva? Sim. Mas eu gosto da matemática. O que sai da curva é muito pouco. Na nossa projeção, pela tendência de idade e de resultados, o Usain Bolt, no Rio, vai ser bronze. São estudos espetaculares que você consegue fazer.
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A estrutura política das entidades esportivas costuma ser alvo de críticas. O próprio COB tem um presidente que comanda a entidade há 19 anos, entre outros dirigentes que ficam muito tempo no poder. Como essa realidade influi na gestão do alto rendimento?
Hoje tem dinheiro, mas falta tempo e plano. Nós somos o único Comitê Olímpico que tem um escritório de projetos. No mundo todo, tem essa tendência do esporte não ser processualizado. O atleta e o treinador têm a mania de dizer que é tudo na sensibilidade, no “feeling”. “Eu descubro o Ronaldinho olhando um bate-bola de futebol de salão”. Até tem, um pouco. Mas tem muito mais ciência hoje do que “feeling”. Nessa questão dos outros agentes, fizemos uma ação: onde achamos que não tem estrutura, tomamos conta. Exemplo: Yane Marques. A confederação de pentatlo não tem estrutura, e vimos isso quatro anos antes de Londres. Aí ela e o treinador ficaram sob nossa responsabilidade, e a confederação ficou com os demais atletas, desenvolvimento etc. Implementamos com a Yane todo o conhecimento de ciência do esporte. Técnicos novos, um estrategista. Levamos ela de 17ª do mundo para 11ª, chegou às vésperas da Olimpíada em quinta, e foi bronze não por acaso. A grande massa não sabia quem era, mas estava dentro do planejamento.
Atletas brasileiros de modalidades em que o país tem pouca tradição, como tiro com arco e luta esportiva, têm conseguido bons resultados em campeonato mundiais. Há uma atenção especial do COB para desenvolver esses esportes?
É a matemática de novo. Para chegar ao top 10, é preciso 27, 28 medalhas. Para ganhar 30 medalhas, a conta é que 80% dos resultados vêm de 20% dos produtos. Isso serve para qualquer negócio: biscoito, evento, esporte ou qualquer coisa. Os nossos 80%, ou seja, 25 medalhas, virão de 15 modalidades. Ninguém ganha nos 41 esportes. A China, em 2008, competindo em casa, foi a que mais ganhou: em 25. Separamos em quatro grupos. Vitais, eu não vivo sem eles: vôlei, vôlei de praia, vela, judô…Nesses, preciso ganhar mais do que ganho normalmente. Potenciais são os que não têm resultados em Olimpíada, mas já vão muito bem em mundiais, como aconteceu com a ginástica em Londres, em que apareceu o Zanetti. O grupo a que você se refere são os contribuintes: não tenho um segundo nome do pentatlo, do tiro com arco, do tênis de mesa, levantamento de peso, luta…Eu dependo de referências individuais. E os outros, de legado, são os que você tem que dizer “sinto muito, mas você não está no meu pacote”. Para estes, a gente já tem um plano forte para os próximos ciclos, comandado pelo Sebastian Pereira, ex-atleta do judô.
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Apesar da evolução nos resultados, há quem reclame de falta de infra-estrutura, de centros de treinamento.
Isso agora vai ser resolvido. O governo fez muito investimento e está construindo centros de treinamento. Em alguns casos, no meu entender, em lugares errados. Mas veio muito investimento e tem muito equipamento chegando. Passados os Jogos, vamos ter instalações. Só que não adianta ter isso se eu não jogar contra o melhor francês, contra o melhor belga…Eu fui à Copa do Mundo com 18 anos. Nos primeiros três dias, não comia, porque sentava no restaurante de frente para a porta e entravam os caras que eram os meus ídolos. Eu pedia autógrafo. Ficava lá, igual a um babaca…Enquanto você não perde esse respeito, não consegue jogar contra os caras. Então a instalação é importante, mas tem que ter o intercâmbio. O que nós não vamos ter, e este é um alerta que tenho feito a todos, são recursos humanos para administrar essas instalações.
* ZH Esportes