Os incômodos nos dedos foram os primeiros sinais de que algo não ia bem com a saúde de Nelson Kumai, 63 anos. Porém, as dicas que o corpo dava foram ignoradas durante cerca de um ano. Foi só depois de fraturar um dos pulsos que o aposentado descobriu ter artrite reumatoide. O diagnóstico, há 11 anos, veio acompanhado por um termo assustador: incurável. Palavra que hoje Kumai prefere substituir por controlável.
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A demora no diagnóstico, segundo especialistas, é o principal vilão no tratamento de doenças reumáticas.
– A imensa maioria protela (a ida ao médico). Como no começo não é uma dor muito forte, o paciente acaba se automedicando com paliativos. Vai mascarando a doença – avalia Kumai, que atualmente integra a diretoria do Grupo de Apoio aos Pacientes Artríticos de São Paulo (Grupasp).
Conforme o Ministério da Saúde, há mais de uma centena de doenças reumáticas – cada uma com diferentes subtipos. As mais comuns são as bursites, tendinites, problemas de coluna, além de doenças como a artrose, a osteoartrite, a artrite reumatoide, a osteoporose e a fibromialgia. E, ao contrário do que muitos pensam, atingem gente de todas as idades – de crianças a idosos -, em ambos os sexos.
– Pensar que reumatismo é “coisa de velho” não é sabedoria popular, mas uma crença que deve ser esclarecida, desmistificada. Os reumatismos podem aparecer na infância ou em pessoas bem idosas – explica o ex-presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia, Fernando Neubarth.
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O susto do diagnóstico
Moradora de Pelotas, no sul do Estado, Ângela Marina Macalossi descobriu o problema aos 21 anos. Ela tem espondilite anquilosante, conhecida como a “doença do bambu” por agredir a coluna e, em casos extremos, deixá-la curvada. Mais comum em homens, costuma aparecer em jovens com idades entre 15 e 30 anos. Para ela, foi um susto:
– Eu não conseguia levantar da cama. Aos 21 anos, ouvi de um médico que teria de me acostumar com a dor. Tu vês pessoas em estado terminal e não quer isso para tua vida – conta.
Aos 31 anos, a estudante de restauro e especialista em patrimônio cultural vive com mais qualidade de vida. Faz tratamento com medicação biológica (feita a partir de moléculas humanas) e pratica pilates. Admite que aprendeu a conviver com os limites:
– A minha profissão de restauro exige um pouco da minha postura. Também tem a repetição de movimentos. Tenho de ser disciplinada. Não posso esquecer da medicação nem deixar a atividade física e os alongamentos.
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Como a espondilite é uma doença autoimune (é como se o corpo agredisse o próprio corpo), ela redobra os cuidados durante o inverno.
– A imunidade pode baixar, então um simples resfriado precisa de atenção – atenta a restauradora.
Só lesões e envenenamentos afastam mais do trabalho
Conforme dados do Ministério da Previdência Social, as doenças reumáticas são as que mais afastam funcionários do trabalho no Brasil. Dados de janeiro a março deste ano mostram que, de 511.564 auxílios-doença concedidos pelo governo (com mais de 15 dias de afastamento), 93.703 foram por doenças reumáticas – o correspondente a 18,31%. Só as lesões (como traumatismos) e envenenamentos tiram mais trabalhadores do serviço.
A artrite reumatoide afastou do trabalho Silvana Spinatto Schereshewsky, 54 anos. Ela descobriu a doença depois do parto do filho, há 19 anos. Na época, era professora em escola de educação infantil. As dores, a vermelhidão e o inchaço nos pés, tornozelos e joelhos dificultavam a locomoção. A doença também a fez ser barrada em dois concursos públicos.
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– Mudei meu ritmo. O que eu levava 15 minutos para fazer, hoje levo duas horas. Mas sempre penso que amanhã vou estar melhor – afirma Silvana.
Diagnosticada logo depois da primeira crise, ela preferiu adiar o começo do uso dos anti-inflamatórios para poder amamentar. Desde então, passou por diferentes tratamentos e, há cerca de três meses, usa o Humira, um dos remédios biológicos disponibilizados pelo SUS, aplicado a cada 15 dias.
A estimativa é de que as doenças dos ossos e das juntas, como a artrite, causem a incapacidade de 4% a 5% da população adulta. A importância do diagnóstico e do tratamento precoces foram abordados durante o Congresso Anual da Liga Europeia Contra o Reumatismo (Eular), neste ano, em Berlim. Quanto mais cedo o diagnóstico, mais chances de retardar a progressão da doença. O reumatologista Fernando Neubarth destaca que há reumatismos que, quando tratados, podem entrar em remissão (não progredir mais):
– O problema é que, muitas vezes, deixam sequelas ou deformidades que podem comprometer o bem estar do paciente por toda a vida.
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O valor de compartilhar experiências
Grupos de apoio são apontados por reumatologistas e pacientes como componentes importantes no tratamento de quem sofre com doenças reumáticas. Costumam ser um porto seguro para quem busca informações sobre reabilitação ou para quem se vê obrigado a conviver com uma doença crônica – que, em muitos casos, causa depressão.
Criado há 28 anos, o Grupo de Pacientes Artríticos de Porto Alegre (Grupal) é um dos pioneiros na América Latina. Com 678 associados, ajuda não apenas em questões médicas, mas também burocráticas. A ONG sobrevive com doações de empresas e contribuições de pessoas físicas. Sócios que têm condições financeiras contribuem de forma espontânea.
– Começou no consultório de um reumatologista, na sala de espera – diz a gerente-administrativa Roberta Reis.
Atendimento psicológico e de uma nutricionista, pilates, ioga, dança, atividade física direcionada a pacientes de espondilites e de artrites reumatoides estão entre os serviços oferecidos – todos gratuitos. Além disso, o Grupal conta com uma assessoria jurídica que orienta associados sobre a documentação necessária para se conseguir, junto ao governo, medicamentos ofertados pela rede pública.
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Foi por sugestão da reumatologista que a acompanha que Ângela Marina Macalossi procurou o grupo. Os anti-inflamatórios não faziam os sintomas cessarem, e a recomendação era mudar a medicação – que custa cerca de R$ 7 mil por mês. No Grupal, ela recebeu orientação sobre como buscar, na Justiça, o direito de receber gratuitamente, pelo SUS, o remédio que necessitava.
– Atualmente, não tenho as dores horríveis. Há desconforto e, muitas vezes, cansaço – relata.
O Grupal fica na Rua dos Andradas, 1.332, 6º andar, centro de Porto Alegre. Informações pelo telefone (51) 3028-5646, e-mail contato@grupal.org.br ou no site www.grupal.org.br.
Problema atinge mais mulheres
O impacto de uma artrite reumatoide (AR) pode ir além das articulações. Dor, depressão e risco de doenças cardiovasculares, em muitos casos, acompanham a doença, conforme destaca Klaus Krüger, do departamento de Reumatologia da Universidade de Munique, na Alemanha. Segundo ele, 1% da população mundial tem AR, e a maioria dos pacientes é diagnosticada entre os 40 e 60 anos. Do total, 70% são mulheres.
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Somente uma das doenças reumáticas, a osteoartrite (que causa dor nas articulações), atinge 16,5% da população maior de 45 anos e até 65% das pessoas acima de 60 anos.
Para lidar melhor com o reumatismo
– Aceitar a doença.
– Procurar informações sobre a doença e orientações, se possível, de uma associação ou de um grupo de apoio.
– Entender que, embora incurável, a doença é controlável.
– Aderir aos tratamentos e segui-los à risca.
– Sob orientação médica, usar tratamentos medicamentos que retardem a aceleração da doença.
*A editora acompanhou o Congresso Anual da Liga Europeia Contra o Reumatismo (Eular), a convite do Abbott, em Berlim (Alemanha)