Em setembro de 2013, Beck estava prestes a desembarcar em Porto Alegre para o que seria um dos grandes shows internacionais da cidade naquele ano. À época, o californiano não lançava discos havia cinco anos – seu último era o aclamado Modern Guilt, lançado em 2008, e ele produzia Morning Phase, que seria lançado dali a cinco meses e quase dois anos depois venceria o Grammy. O show na Capital acabou sendo cancelado, e a entrevista nunca foi publicada.
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Solícito e extremamente simpático, Beck se mostrou disposto a conversar com profundidade sobre assuntos que talvez nem coubessem em uma entrevista que deveria durar 15 minutos – acabou durando mais. Falou sobre a vulgarização da descoberta musical numa época de mp3 e internet 4G, sobre a concepção de seus álbuns preferidos (Sea Change e Midnite Vultures são os mais citados por ele na entrevista) e sobre Morning Phase, que estava para sair. O que o influenciava durante a gravação do disco eram “os filhos, os amigos, o clima”. Falou também que não conseguia trabalhar sem experimentar novas possibilidades e que a música tem o poder de gravar em sons o espírito de uma época.
Leia abaixo a entrevista com Beck feita em setembro de 2013:
Sua música é muito influenciada pela sua vivência – as cidades em que você viveu, a escola em que estudou. O que está influenciando você agora, em seu novo trabalho?
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Tudo. Música é algo estranho. Eu sinto que, de uma maneira que os músicos entendem ou não, eles são como antenas. E não é como se você estivesse captando música que está sendo transmitida de uma estação de rádio. Está lá fora. Está na cultura, no tempo, no ar, sabe? Eu sei que isso soa pretensiosamente místico, mas realmente não é. A questão é que você poderia pegar uma banda, fazê-los gravar o Sgt. Pepper’s, botá-los nos mesmos lugares, dar os mesmos instrumentos, gravar meticulosamente igual ao original, e não vai sair igual. É um pequeno fator que existe na música e em algumas outras formas de arte, acho. Há alguma característica do tempo que aparece na arte. É uma característica indefinível. Você pode estar ouvindo Neil Young ou Frank Sinatra ou uma gravação de Louis Armstrong nos anos 1930 e você vai conseguir ouvir aquela época na música. Então, agora, para mim, o que influencia são minhas crianças, meus amigos, o clima, tudo.
E você considera o silêncio muito importante para sua arte, não?
Sim, quando você está gravando uma música, você está trabalhando muito duro para tentar transmitir algo. Quando eu comecei, muito da minha música era só fazer barulho. Porque eu sabia que era muito difícil ter algo na sua mente que você quer expressar e atingir isso numa gravação. É muito difícil fazer com que as pessoas pensem “ah, é isso que ele queria dizer”. Muito difícil.
Eu estava lendo sua entrevista com Caetano Veloso, e vocês falavam sobre como o rock americano é a verdadeira “world music”, porque é tocada no mundo inteiro. E que a música realmente original é aquela que experimenta algo diferente. Eu sei que você gosta bastante da música brasileira, e quero saber se você continua pesquisando música enquanto faz turnês – como no Brasil, agora.
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Eu costumava, sim. Quando eu comecei, eu ia em todas as lojas de disco no Japão, em Buenos Aires, em Paris. Eu estava sempre procurando por algo. Mas agora, com a internet, está tudo lá. É engraçado. Agora que está tudo disponível, não tem a mesma importância que tinha antes, entende? Encontrar uma gravação antiga que eu ouvia falar há cinco anos, mas nunca havia escutado, era uma sensação muito especial.
Você acha que a facilidade esvazia a experiência?
Sim. É bastante inconveniente, mas há algo inegável: quando eu penso em um disco que encontrei, me lembro do dia em que o encontrei, lembro de vagar por Osaka, estar sob um sol de 100 graus, ter que ir ao aeroporto e estar perdido quando encontrei um lugar estranho e eles tinham uma cópia em CD que eu nunca tinha visto antes. Eu não tinha acesso às coisas, então me sentia como um caçador de tesouros.
Você está produzindo dois novos álbuns (além de Morning Phase, Beck estava produzindo outro disco, ainda não lançado). Já estão sendo gravados?
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Eu tenho trabalhado em materiais há anos. Tenho muita música gravada (risos). Nem tudo está acabado, mas tem muita… Quando começo a trabalhar num disco, às vezes começo com dez anos de antecedência. Quando Sea Change saiu, as pessoas disseram “o que é isso? De onde vem?”. Eu tenho discos de 1994, 1996 que soam como Sea Change, mas eu ainda não os entendi direito. É como um laboratório, eu volto para lá quando acho que está pronto.
E durante esses 10 anos, você fica tentando fazer com que as 10 músicas do disco façam um sentido como um todo ou não?
Sim. Eu acho que um disco tem que ter uma identidade. Ainda penso assim.
Porque isso é bastante presente na sua carreira, cada disco é um disco.
Eu gosto que as coisas que você põe em um disco sejam partes musicais, porque você lança o disco inteiro. Eu tinha músicas que eu poderia ter posto em Sea Change quando eu estava fazendo o Midnite Vultures, mas elas não encaixariam. Então, quando eu estava fazendo o Midnite Vultures, tinha muitas músicas que não encaixavam no outro disco, porque eram mais quietas, emotivas, então eu esperei para que eu pudesse pô-las juntas.
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Em Volcano, a última música de Modern Guilt, você fala muito da passagem do tempo e da incerteza. Isso tem a ver com a sua trajetória?
Sim, ela soava como a música do disco. Discos são diferentes de performances ao vivo – essa música jamais seria posta como a última do show. Eu tenho discos que eu fiz pensando só nos shows. Midnite Vultures não foi feito para ser um grande disco, mas pensando no que seria legal para tocar ao vivo. Já em Sea Change foi totalmente ao contrário.
Numa entrevista para a Pitchfork, você diz que recebeu muitas vezes críticas de que não estava fazendo música. Isso já mudou?
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Isso mudou completamente. A atitude é completamente diferente. Provavelmente tem a ver com o que as pessoas sentiam nos anos 1960: os músicos deviam ser vistos como alienígenas. Não estou me comparando com os músicos dos anos 1960, mas eu consigo me relacionar a eles, no sentido de que eu estava tocando hip hop num violão, e as pessoas riam. Eles achavam ridículo. Eu fazia uma batida que parecia com Beatles, com saxofones, guitarra e sintetizadores fazendo barulho. Eu acho que rock é isso. Muitos músicos, quando estão surgindo, parecem ridículos. Eu queria ter tido confiança na época, para perceber que era ok, mas acho que na época eu me sentia como uma novidade, e as pessoas não pensavam que era realmente música. Mas agora eu vejo que esses sons nas músicas são completamente normais, estão nas rádios pop. Obviamente, é outro tipo de música, é diferente, mas algumas convenções, como hip hop misturado com rock, e pop, tudo junto, agora é normal.
Quando você começou, era intencional essa mistura de rock, hip hop e pop? Ou era simplesmente o que você ouvia, que acabou migrando para suas composições?
Eu queria escrever boas canções. Mas, ao mesmo tempo, eu sentia que… Quer dizer, quando eu comecei, as grandes bandas eram Nirvana, Pearl Jam, britpop estava começando. Eu decidi fazer uma coisa própria. Eu fazia parte de uma banda – quando eu era mais jovem, eu não conseguia convencer ninguém a fazer uma banda comigo, as pessoas tinham outros trabalhos, não queriam ser músicos. Eu acabei sozinho, mas acho que o parte positiva disso é que não tinha nenhuma regra, não tinha ninguém na banda dizendo o que podia ou não fazer. Eu podia fazer coisas praticamente destrutivas musicalmente, coisas que eram estranhas e experimentais. Às vezes, não era ótimo, mas de vez em quando, alguma coisa nova e fresca acontecia, e fico feliz que tenha acontecido. Mas depois eu pude gravar discos como Sea Change, que sou só eu, sem artimanhas, sem truques, só uma coisa bem clássica. Mas não tem regras, de um jeito ou de outro. Não importa o approach. Mas experimentar é uma parte importante para mim, é o que faz a música ficar viva. Eu tenho que criar algo experimental.
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