Santa Catarina manteve dois campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Num período ainda obscuro da história catarinense, entre 1942 e 1945, pelo menos 200 pessoas foram confinadas sob a acusação de “invasores infiltrados”, “espiões” ou “agentes de Hitler” em campos montados em Florianópolis e Joinville.

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Ironicamente, aqui não eram os judeus, mas os nazistas que foram retidos em campos de concentração. Enquanto Hitler exterminava milhões de judeus, os alemães – simples imigrantes ou simpatizantes do nazismo – que moravam no Brasil foram perseguidos pelo governo Getúlio Vargas, que contava com um eficiente aparelho nacionalista.

Além dos dois campos, delegacias serviram para que milhares de estrangeiros e descendentes fossem detidos em todo o Estado, interrogados, e não raras vezes torturados por agentes da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops), simplesmente porque falavam alemão ou italiano.

Em todo o País, o governo de Getúlio Vargas perseguiu, prendeu e confinou mais de 3 mil alemães, italianos e japoneses em campos de concentração criados em oito Estados brasileiros (além de Santa Catarina, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul).

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Como na época a colônia japonesa praticamente inexistia no Estado, a polícia catarinense caçou italianos e, especialmente, alemães. Quando a guerra acabou, os arquivos oficiais foram lacrados e esquecidos. A legislação sobre o acesso aos documentos, que proibia consultas ou pesquisas por 50 anos, foi abrandada em 1988, e o prazo caiu para 30 anos. Mesmo assim, só em 1996 os historiadores tiveram acesso ao acervo.

O número correto das áreas de prisões criadas pelo Brasil ainda é impreciso. De acordo com os documentos, os campos de concentração brasileiros foram criados a partir de agosto de 1942, quando o País deixou a neutralidade e passou a lutar ao lado dos Aliados (França, Inglaterra e Estados Unidos) contra os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão).Pelo menos 13 áreas de confinamento já foram mapeadas por um grupo de historiadores que mergulhou nos documentos oficiais da Divisão de Polícia Política e Social (Deops) e em prontuários e relatórios da polícia política, o Dops.

Não há registros de que tenha havido qualquer execução, extermínio ou morte em câmaras de gás, como na Alemanha, mas os documentos mostram que houve trabalho forçado, tortura e, como em todos os episódios históricos em que o poder é prevalece pela força, prisões ilegais.

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Em Santa Catarina, o interventor Nereu Ramos manteve uma linha dura e um regime considerado pelas autoridades militares do governo Vargas como exemplar. O Estado também teve um brutal sistema de captura. Sob o comando do chefe do Dops, Antônio Lara Ribas, policiais em todo o Estado produziram verdadeiras caçadas a nazistas e fascistas, com tortura em praça pública, invasão de casas, apreensão de objetos e vingança pessoal.

Na época, nas colônias e cidades mais vigiadas, ninguém saía de casa ao anoitecer e todos os que falam português com sotaque europeu silenciaram, com a certeza de que as próprias palavras seriam utilizadas como prova do subjetivo crime contra a segurança nacional.

Ruínas em cemitério de Joinville e três prédios centenários reformados na UFSC é o que restou das unidades

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Três prédios centenários reformados em Florianópolis e ruínas quase imperceptíveis entre túmulos do Cemitério Municipal de Joinville é tudo o que restou dos prédios onde funcionaram os campos de concentração em Santa Catarina durante a Segunda Guerra Mundial.

A ala masculina do campo da Trindade, onde ficaram internados quase todos os alemães presos durante a guerra, abriga hoje a Prefeitura do campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Antes de ser local para o exílio dos “súditos do Eixo” era apenas uma seção agrícola da penitenciária estadual.

No primeiro andar do edifício funcionava o refeitório, e quase 100 presos dormiam no segundo andar. O terceiro prédio funcionava a administração da prisão e eram realizados todos os longos interrogatórios. A sala mais escura do prédio possivelmente serviu como local de tortura.

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Tanto em Florianópolis quanto em Joinville, quase todos os presos eram imigrantes alemães radicados no Estado desde o período de colonização ou casados com brasileiras.

Em Joinville, o campo de concentração foi descoberto por pesquisadores da Universidade da Região de Joinville (Univille) e do Arquivo Histórico de Joinville em 1999.

Estudiosa da saúde, a historiadora Arselle de Andrade Foutura descobriu um relatório confidencial do Ministério do Exterior em Bohn (Alemanha), que relatava como funcionava o campo de concentração de Joinville.

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O prédio que serviu para a instalação do campus era utilizado, até 1942, como hospício. O Hospital Oscar Schneider foi construído na década de 20 para servir como local de isolamento para doentes mentais, e desativado em 1942, exatamente no ano em que o governo de Getúlio Vargas decidiu declarar guerra contra a Alemanha, o Japão e a Itália (Eixo).

O prédio foi requisitado pelo governo e nele foram confinadas as pessoas presas em Joinville. Segundo o relatório do Ministério do Exterior, em 1944 as condições do Oscar Schneider eram melhores do que as de outras prisões brasileiras, especialmente porque havia mais higiene nos quartos.

O campo tinha capacidade para 200 presos, mas o relatório diz que, em 1944, havia apenas 28 detentos e a maioria deles era descendente. Só quatro eram alemães. O prédio ficava numa das planícies do terreno onde hoje está o Cemitério Municipal de Joinville, no bairro Atiradores.

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– Hoje, existem apenas ruínas no chão, que dão uma vaga idéia de que ali havia um hospital -, explica a historiadora.

Os campos de concentração no brasil

Campo de Concentração de Tomé-Açu/PA

Campo de Concentração de Chã Estevam/PE

Campo de concentração de Ribeirão Preto/SP

Campo de Concentração de Bauru/SP

Campo de Concentração de Pouso Alegre/MG

Presídio de Niterói/RJ

Campo de concentração de Garatinguetá/SP

Campo de concentração de pindamonhangaba/SP

Presídio Daltro Filho/RS

Hospício Oscar Schneider/Joinville, SC

Presídio da Trindade/Florianópolis, SC

* A reportagem completa foi escrita pelo jornalista em edição de AN de 2003 e republicada para o atual AN.com.br, a fim de relembrar parte da história da cidade.