O cenário era o mesmo: o rancho, defronte à Ilha do Campeche, na areia da praia do sul da Ilha. Só faltou o seu Getúlio. Mas uma ausência física, porque na memória e no coração de pescadores e comunidade, Getúlio Manoel Inácio, referência na luta pela cultura açoriana e da pesca artesanal, que morreu em 31 de janeiro, estava presente. Nas camisetas de muitas pessoas, também. O evento na manhã desta terça-feira, na praia do Campeche, foi o primeiro após a morte de seu fundador e idealizador. Foi assim, com um misto de tradição e emoção, que aconteceu a 13ª edição da Missa de Abertura da Safra da Tainha, que marca o início da captura ao peixe no litoral catarinense.
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Início de temporada cheio de incertezas, já que o Ministério da Pesca e Aquicultura ainda não publicou a portaria que disciplina a pesca da tainha. Nesta terça-feira, dia do Trabalhador, começa a safra para os pescadores que utilizam o método tradicional de cercos de praias, com canoas a remo e redes de arrasto de praia. Eles podem entrar no mar atrás dos cardumes de tainha respeitando o limite de uma milha da beira da praia, cerca de 1,6 quilômetro da costa.
Esta é a modalidade de pesca do seu Hélio Hermínio, de 74 anos, que trabalhava com o seu Getúlio, e era um dos pescadores da “velha guarda” do Campeche presentes na missa em homenagem à safra e ao antigo patrão. Já nos preparativos para ir ao mar, torcia por dias melhores (leia-se com vento e frio) para que os próximos meses sejam de fartura nas redes de pesca e nas mesas do litoral catarinense.
— Ano passado, aqui no Campeche, fomos pegar mais (tainhas) no final da safra, mesmo assim foi bom. Agora, vamos torcer para que o tempo mude, porque esses dias parece verão, e precisamos que venha o frio e o vento sul para os cardumes chegarem — dizia seu Hélio, pescador “desde tempo”, como ele mesmo se definiu.
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A partir de 15 de maio, será a vez dos pescadores que usam rede de emalhe costeira de superfície, com embarcação para até dez toneladas de carga, sem convés, fora de limite de uma milha da costa. A frota industrial, conhecidas como traineiras, só podem ir ao mar a partir de 1º de junho. Já a pesca artesanal desembarcada ou não motorizada se estenderá de 1° de maio até 31 de dezembro.
Embora as dúvidas quanto às licenças cause apreensão, o presidente da Federação dos Pescadores do Estado de Santa Catarina (Fepesc), Ivo Silva, está otimista para a safra deste ano. Apesar de ressaltar a dificuldade em superar a safra do ano passado, quando foram capturadas 3,5 mil toneladas das “cabeçudas” no litoral catarinense, um recorde nos últimos 20 anos de safra, Silva acredita que a temporada da tainha “possa ser muito boa”. Do total de tainhas capturadas em 2017, de acordo com Silva, cerca de 45% saíram dos mares que circundam a Ilha de Santa Catarina, em Florianópolis.
— Estamos otimistas, mas por enquanto o tempo está muito quente, então precisamos deixar esfriar para poder ter uma estimativa melhor para esta safra. Esperar o peixe chegar. As informações são de que será uma boa safra. Vamos aguardar a entrada do vento sul e que as temperaturas baixem — afirmou Ivo Silva.
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“Ele está aqui, de alguma maneira, está”, dizia uma das irmãs de seu Getúlio
Emocionada, como boa parte dos presentes à missa de abertura da safra 2018, Katiany Inácio Faustino, uma das filhas de seu Getúlio, carregava nas mãos flores distribuídas aos participantes e acompanhava os momentos finais da cerimônia, em que até um poema foi dirigido ao entusiasta das tradições pesqueiras e açorianas, como o boi de mamão e a corrida de canoa. Lembrou a saudade de esta safra ser a primeira sem o pai. Destacou que a família, bem como a comunidade, vai tentar sempre preservar a memória e o legado cultural que Getúlio deixou ao Campeche e a cidade.
— O pai faz muita falta, ele era muito apegado a isso tudo. Mesmo assim, de alguma maneira, ele está vendo as homenagens e vai abençoar mais essa safra. Ele está aqui, de alguma maneira, está — falou Katiany.
Cota de captura para as “cabeçudas”
A safra da tainha terá pela primeira vez cotas de captura para limitar a pesca. A medida, que vinha sendo discutida há dois anos, será implantada na frota industrial e na frota artesanal de emalhe anilhado, que usa barcos de menor porte. A alternativa permitirá o aumento no número de barcos autorizados a trabalhar durante a safra – um alento para o setor produtivo, que tinha licenças reduzidas a cada ano.
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Na última safra, apenas 17 embarcações industriais receberam licença do governo para a pesca da tainha. Com a instituição das cotas, a quantidade de traineiras (barcos industriais especializados) sobe para 50. Na pesca anilhada, serão 130 embarcações. O limite de capturas deve ficar em 3,8 mil toneladas para as duas frotas. Outras modalidades de pesca, como o arrasto de praia, não estarão sujeitas à cota.