A Ponta do Leal está dividida entre os que comemoram terem sido contemplados com um apartamento novo, subsidiado pelo governo, e os indignados, que ficaram de fora da lista da prefeitura. Nesta quinta-feira (20), haverá o sorteio das chaves e no dia 26 está prometida a entrega dos apês para 88 famílias cadastradas, no prédio que fica colado na comunidade do balneário Estreito, região continental de Florianópolis.

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O local onde hoje essas famílias moram é formado por casebres e palafitas de madeira apodrecida pela maresia, à beira da Baía Norte, sem qualquer saneamento ou serviço público. Nos corredores estreitos, crianças e cachorros brincam enquanto os moradores discutem o próprio futuro. Depois que o edifício estiver ocupado, a prefeitura promete demolir todos os barracos e construir uma praça ali.

O pescador Davi Jeanpiere Carvalho, de 21 anos, é neto do seu Alonso Carvalho, fundador da comunidade, há mais de meio século, hoje já falecido. Tanto o jovem quanto o pai dele ficaram de fora da lista. Eles garantem que não vão deixar suas casas sobre o mar.

— Eu sou pescador, ganho menos de 800 pila. Por que eu estou fora? Eu moro aqui desde que nasci, tenho um filho de 3 anos, uma de um ano e meio e a minha esposa. E tem o meu pai também, que também não vai lá para dentro.

Vizinho do Davi, Daniel Vieira, de 31 anos, mora com a mulher e a filha pequena num quarto apertado, onde mal dá para ficar em pé, no andar de baixo de uma palafita. Divide a cozinha e o banheiro com o morador de cima. Quando a maré sobe, invade e molha o casebre. Ele trabalha como pintor, pescador e eletricista. Mesmo assim, na segunda-feira soube que foram retirados da lista.

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— Eu vou morar onde? Estou aqui há mais de 30 anos! Vou continuar aqui! Ou então vou pra alguma casa que ficar abandonada.

— Nossa casa está podre e deixamos de reformar e fazer o banheiro novo por causa do apartamento, para agora saber que ficamos de fora. É muito injusto — protesta a mulher do Daniel, Ana Paula Soares Rosa, de 25 anos, que está desempregada.

O prédio em questão começou a ser construído em 2014, fruto de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal. O MPF exigiu que a prefeitura retirasse as casas da beira do mar e incluísse os moradores num programa habitacional. O empreendimento deveria ter sido entregue em fevereiro de 2016. Porém, com atrasos no repasse de verbas e paralisação por causa da falência da construtora, as obras foram retomadas somente no final de dezembro de 2017.

São 88 apartamentos financiados com recursos do governo federal, que somam R$ 5,7 milhões. O residencial fica numa área de 4.135 metros quadrados, na Rua Quinze de Novembro, em um terreno que pertencia à União e ao Município e foi doada ao Fundo de Arrendamento Residencial. Os apartamentos têm sala, cozinha, área de serviço, sacada e banheiro. O condomínio tem também playground, estacionamento para carros e motos.

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Cada proprietário irá pagar 10% do valor total do imóvel, que custa R$ 64 mil, em parcelas que não ultrapassem 5% da renda total familiar. O teto da renda familiar para ser contemplado fora fixado em R$ 3,6 mil. São 74 famílias que hoje vivem na ponta do Leal e o restante, morava em outros locais com benefício do aluguel social. Esses 14 de fora que são motivo de discórdia entre os não contemplados.

O secretário de Infraestrutura e Habitação de Florianópolis, Valter Gallina, afirma que foram apenas seis famílias da Ponta do Leal que ficaram de fora. E o motivo, segundo ele, é que a renda familiar ultrapassou o teto.

— Todos eles estão cientes disso. É uma regra da Caixa Econômica Federal. Legalmente a gente não pode. Isso que o teto era de R$ 1.800 e a gente conseguiu na Justiça aumentar esse valor.

O secretário informou que está analisando uma proposta de aluguel social para essas famílias, mas disse que ainda não pode dar mais informações sobre o assunto.

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Entre os contemplados, estão o jovem casal Rafael Fernandes e Dienifer Conrado, de 25 e 19 anos. Os dois são pais do Eduardo, de 5, mas estão desempregados. Por isso, precisarão arrumar um emprego para pagar as prestações. O que não impede a alegria da família.

— Graças a Deus agora não vamos mais ter ratos, baratas e goteiras em casa — comemora Rafael.

— Mas eu só vou entregar aqui quando estiver com as minhas chaves na mão — se previne Dienifer.

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