A expressão usada pelo prefeito de Florianópolis na terça-feira, ao anunciar a redução de 30% no próprio salário e outras medidas de contenção de gastos, resume a situação que a maioria dos municípios catarinenses tem vivido em 2015: é hora de cortar na própria carne.

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Com as quedas do PIB, da arrecadação de tributos, da produtividade industrial e dos repasses federais, prefeituras têm tomado medidas em caráter emergencial para manter o orçamento em dia, como diminuir o número de funcionários comissionados e estagiários ou cortar celulares corporativos, horas extras, diárias de viagem e veículos oficiais.

“Podemos aprofundar os cortes”, diz prefeito de Florianópolis

Municípios que são polos regionais em SC, além de cidades como Laguna, Itajaí, Itapema, Pomerode e Caçador, vêm tomando ações para diminuir despesas desde junho. Outras prefeituras foram consultados pelo DC e também informaram estar tomando ações semelhantes ao longo do ano.

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Cortes no salário de prefeitos, vice-prefeitos e secretários municipais são as iniciativas mais frequentes, embora muitas vezes tenham mais valor simbólico do que representar uma economia significativa, como afirmam especialistas ouvidos pela reportagem.

Com um buraco crescente nas contas, as prefeituras têm duas opções: diminuem os gastos ou aumentam a arrecadação. O problema é que a crise na produtividade derruba recolhimentos como o Imposto Sobre Serviços (ISS) e o sobre a Propriedade Predial e Territorial (IPTU), ambos de competência municipal.

Para não reduzir o orçamento de áreas básicas, a solução na maioria dos casos tem sido diminuir a estrutura pública em si.

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– Cortes devem ser avaliados em cada caso, mas a administração pública deve aperfeiçoar os seus métodos. Isso inclui, principalmente, a qualificação permanente dos recursos humanos e a substituição do pessoal por novos agentes públicos, com cargos e funções mais técnicos – afirma Darcí Reali, diretor do Instituto de Estudos Municipais LTDA.

Fundos não acompanham despesas

Segundo o presidente da Federação Catarinense dos Municípios (Fecam) e prefeito de Chapecó, José Caramori (PSD), o problema atinge a todos: enquanto cidades pequenas sofrem principalmente com a queda nos repasses federais, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), os maiores enfrentam uma redução no recolhimento de impostos decorrentes da indústria e do comércio em queda acentuada.

Além disso, muitos municípios estão recebendo valores do FPM iguais aos de 2014, sendo afetados por aumentos nas contas de luz, de telefone e até medicamentos – muitas vezes, cotados em dólar, que está em alta em 2015.

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Caramori ainda ressalta que as prefeituras são especialmente prejudicadas na repartição das receitas federais (só gerenciam 17% do total arrecadado), embora arquem com grande parte das responsabilidades ligadas à educação ou saúde.

– Cada prefeitura enfrenta uma situação diferente, algumas mais desesperadas e outras fazendo pequenos ajustes. Mas, invariavelmente, todas estão apertando o cinto.

Encolhendo a máquina pública

Em julho, levantamento do Diário Catarinense mostrou como desde 2008 (ano em que estourou a crise financeira global) as despesas correntes – gastos com pessoal, bens de consumo, luz, água, telefone e combustível – têm crescido a índices maiores do que o dinheiro arrecadado pelos municípios.

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Isso significa um histórico inchaço da máquina pública em desequilíbrio com a entrada de recursos, o que compromete os investimentos reais do município.

Com a queda nas receitas, mais uma questão ganha destaque: a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita os gastos com pessoal dos municípios em 60% das receitas correntes líquidas. Caso este valor seja ultrapassado, o poder público fica proibido de contratar ou nomear funcionários, conceder aumentos, vantagens ou pagar hora extra.

– O estado pode, sim, fazer mais com menos. Se estão fazendo os cortes agora, o que deve ser questionado é por que não fizeram antes, no primeiro ano de mandato? – analisa o professor do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag) da Udesc e especialista em administração pública e reformas administrativas, Leonardo Secchi.

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Entrevista

“É um movimento de sobrevivência”

José Caramori – Presidente da Federação Catarinense dos Municípios (Fecam) e prefeito de Chapecó

DC – O que levou à crise enfrentada pelas prefeituras?

Caramori – São duas causas principais. Primeiro: a partilha do bolo tributário nacional não contempla todas as necessidades dos municípios, pois ficamos com apenas 17% do recolhido, o que é insuficiente.

O segundo problema é que o governo federal cria programas sociais para os municípios, mas passa somente parte dos recursos. São programas na saúde, na educação e outras áreas que acabam “sobrando” para os cofres da cidade – mas que se não forem aplicados, geram insatisfação na população. Em Chapecó temos exemplo de programas federais 100% mantidos pelo município. Isso já acontece há tempo, mas vem se agravando.

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Além de tudo, a crise nacional gera um movimento menor, o que derruba a arrecadação de impostos como o ISS e o IPTU.

DC – Esses cortes têm sido um movimento de prevenção ou de reparo?

Caramori – É um movimento de sobrevivência. Se o seu salário cai, por exemplo, você corta em um ponto; e se não foi suficiente, corta em outro, e assim por diante. Em um nível macro, é isso que a prefeitura faz: não sabemos qual vai ser a receita do mês seguinte, então se faz a redução aos poucos.

Por isso tem cortado cargos comissionados: você tira agora, e se a situação se estabilizar em alguns meses, você recontrata. É um exercício diário de administração financeira.

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DC – A população vai ser prejudicada?

Caramori – Esse é exercício que cada gestor tem que fazer: apertar o que der para não permitir isso. Mas em algum lugar vai faltar, pois a prioridade será sempre a educação e a saúde.

DC – Os municípios menores (mais dependentes de tributos federais) estão sofrendo mais?

Caramori – É muito relativo. As cidades pequenas dependem mais do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), mas também têm estruturas de atendimento menores. Já um município grande recebe mais ISS e IPTU, mas também tem uma série de serviços que, eventualmente, não são prestados pelos menores.

Os polos regionais têm sofrido muito com isso, pois arcam com a manutenção do atendimento da saúde, de educação e etc. de toda a rede regional. Todos os municípios estão fazendo contenções, sendo que alguns estão mais desesperados, mesmo, enquanto outros têm feito pequenos ajustes.

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Cada um faz seu esforço para não deixar nada descoberto. Invariavelmente, todas estão apertando o cinto.

DC – Até quando a situação permanece assim?

Caramori – Tomara que não dure muito, mas a gente sabe que a perspectiva para os próximos meses é ruim. Se estabilizar, já é alguma coisa: porque aí o gestor que cortou custeio, diminuiu salários e dispensou funcionários pelo menos vai saber exatamente em que situação está.

O raciocínio é este: “consigo manter os serviços, mas não posso expandir nada”. Mantém-se o que tem pronto sem construir novas escolas, abrir novas estradas. Agora, se piorar, aí estaremos no fundo do poço.

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Entrevista

“É a primeira vez que se vê uma onda de cortes como esta”

Leonardo Secchi – Professor do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag) da Udesc e especialista em administração pública e reformas administrativas

DC – Por que tantas prefeituras tem resolvido enxugar a estrutura agora?

Secchi – Existe uma demanda da população que criou um clima muito propício para a moralidade pública e para a contenção de gastos neste momento em que os municípios estão com a corda no pescoço.

Ao contrário do Paraná, onde diversas movimentações populares conseguiram baixar salários dos vereadores, não é isso que ocorre em SC. Mas as prefeituras têm feito isso de forma antecipada para ter um ganho simbólico, pensando inclusive no processo eleitoral de 2016. Muitos políticos perceberam que é melhor adiantar uma política de contenção para fazer um agrado público, ou uma demonstração de “corte na própria carne”.

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Mas se poderiam ter cortado há três anos, fazendo disso uma política estruturante do seu mandato, por quê não o fizeram? Preferem realizar os cortes quando se aproximam das eleições.

DC – Então qual é o momento ideal para reduzir a estrutura pública?

Secchi – Historicamente, as políticas de prudência fiscal são executadas no primeiro ano de mandato, quando se faz uma revisão dos contratos, dos cargos comissionados e tudo o mais. Nos demais anos, geralmente são políticas de entrega, como inauguração de obras.

O que há de diferente em 2015 é que a baixíssima credibilidade da classe política tem influenciado diretamente nestas ações. Os próprios políticos têm percebido que, se não derem respostas à população com ações, serão substituídos: a rejeição se paga depois, na urna.

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DC – Esse é um movimento de reduzir em épocas ruins e gastar mais nas boas é comum no cenário político nacional?

Secchi – Desde a época democrática é a primeira vez que a gente vê uma onda de redução de gastos como essa. Isso também se explica por um movimento de mimetismo: é o caso do prefeito que vê esta ou aquela cidade fazendo uma reestruturação se sente pressionado para aplicar o mesmo. O político percebe que a população está questionando o porquê da sua cidade não reduzir os gastos públicos, quando todas as vizinhas estão.

DC – O poder público está inchado demais?

Secchi – Por princípio, todos os governos poderiam fazer mais com menos. A solução – otimização da estrutura – sempre esteve à disposição, mas o problema não era tão evidente assim. Agora que a crise esquentou na agenda pública, criou-se um momento propício para botar em prática essa nova política de contenção.

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