Arno Augustin se tornou em junho o mais longevo secretário do Tesouro Nacional, cargo que ocupa desde 2007.

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Com a fama de priorizar o trabalho no lugar do diálogo, já viveu altos e baixos no governo do PT. Atualmente, é um dos principais interlocutores e um dos mais influentes formuladores da política econômica da presidente Dilma Rousseff, com quem despacha frequentemente. Sua jornada não termina antes das 22h.

Gaúcho de Carazinho, Arno confessa que não consegue ir ao Estado com a periodicidade que gostaria. Aproveitou o jogo do Grêmio contra o Flamengo, no Mané Garrincha, para matar a saudade do time do coração. Foi visto no estádio sentado, com um radinho grudado no ouvido.

Em Brasília, o guardião do cofre federal leva uma vida discreta. Recentemente, aderiu às corridas, já atingiu a marca de 10 quilômetros. Além de responder pelo caixa do governo, assumiu com o aval de Dilma as negociações junto a empresários e investidores para projetos de infraestrutura, como a recuperação do setor energético, e tomou para si as rédeas da modelagem das concessões de ferrovia, portos, estradas e aeroportos.

Secretário da Fazenda no governo Olívio Dutra (1999-2002), Arno conhece com profundidade a situação financeira gaúcha e demonstra otimismo.

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Em entrevista a Zero Hora, disse apostar na mudança do indexador da dívida dos Estados, que tramita no Congresso e deve ser votada até o final do ano, como caminho para novos financiamentos.

– A curva da dívida do Rio Grande do Sul está caindo e vai cair ainda mais – projeta.

Confira a entrevista:

Zero Hora – Como o senhor, que foi secretário da Fazenda no Estado, avalia o acordo, dos anos 1990, em que a União assumiu a dívida do Rio Grande do Sul?

Arno Augustin – Fizemos mudanças, ainda na época, importantes. A situação de hoje mudou muito. Todos os Estados diminuíram seu endividamento em relação à receita. O RS, por exemplo, está sem pagar resíduo (quando o valor da parcela supera o teto de 13% da receita, o resíduo é acumulado e pago no fim do contrato). Ainda podemos avançar. Estamos com um projeto estratégico no Congresso, que é a mudança do indexador da dívida. O mercado hoje tem taxa de juros menores do que o IGP mais 6% (atual indexador, que o governo quer trocar pela Selic).

ZH – Se o projeto é tão importante, por que o governo não mobiliza a base para votá-lo?

Arno – Envolve questões regionais. Há governadores de oposição que apoiam o projeto e há governadores da base que não têm pressa. O projeto trata de dois assuntos: dívida e convalidação dos benefícios fiscais, um assunto polêmico. Do nosso ponto de vista, podemos votar só a dívida. Esse é um posicionamento do governo e estamos trabalhando para votar até o final do ano. Sendo só a dívida, as chances de aprovar são, em tese, maiores.

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ZH – Como a mudança do indexador vai ajudar o RS?

Arno – O Rio Grande do Sul é um dos poucos Estados que paga acima de 2% na relação dívida/receita. Com esse projeto, o Estado terá uma relação melhor e poderá continuar no processo recente de buscar capacidade para obter novos endividamentos para investir. Se tivermos uma dívida vinculada à Selic, a evolução é muito tranquila.

ZH – Essa projeção resolve o problema do limite para investimento?

Arno – O problema de endividamento estará bem equacionado. Com a dívida em queda, o Estado terá acesso a crédito. Considero o novo indexador o projeto mais importante de médio e longo prazo do RS.

ZH – Além do indexador, Tarso Genro gostaria de reduzir o pagamento da parcela da dívida de 13% para 8% da receita. É possível?

Arno – Achamos mais importante aumentar a capacidade de financiamento. Achamos que a melhor estratégia é não diminuir o pagamento corrente, mas dar espaço para investimentos.

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ZH – O senhor conhece a situação fiscal gaúcha. Que outras medidas são importantes?

Arno – Na medida em que você tem capacidade de obter financiamento, pode, inclusive, reestruturar o resíduo. Na medida em que a dívida crescer menos, o Estado pagará menos do que o limite (de 13% da receita).

ZH – O Rio Grande do Sul é ingovernável por causa da dívida?

Arno – Nunca achei o Rio Grande do Sul ingovernável. É necessário fazer mudanças estratégicas. A União dá atenção na área fiscal e na reestruturação do indexador da dívida. O processo é um pouco mais demorado para quem deve mais, mas o caminho está posto.

ZH – Haveria alguma outra possibilidade de reduzir a dívida gaúcha, que passa dos R$ 47 bilhões?

Arno – O nosso entendimento é que o esforço que a União precisa fazer e está fazendo em relação a esse tema é o de criar as condições boas de médio e longo prazo e, portanto, diminuir o juro. Quando o Brasil conseguiu diminuir os juros da sua dívida, melhorou muito sua situação fiscal. Hoje, a dívida líquida do Brasil é a metade do que era 10, 12 anos atrás.

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ZH – É possível que o Estado reduza sua dívida pela metade em uma década?

Arno – Não gosto de fazer previsão numérica, mas é possível. Alguns Estados conseguiram em 10, 15 anos. É preciso redefinir o indexador e, principalmente, crescer. Continuar investindo e diminuir juros é um caminho que, às vezes, demora um pouquinho, mas dá resultado.

ZH – A redução da tarifa de energia elétrica ampliou a competitividade do país?

Arno – Essa foi uma medida importante, veio para ficar. Tínhamos um problema, do ponto de vista internacional, com um câmbio que não era favorável. Fizemos um conjunto de reposicionamentos de preços, um deles foram as desonerações.

ZH – Falando em competitividade, por que a demora no plano de concessões na área de transportes?

Arno – É normal que demore um pouco, diante de um conjunto de relações de investimento com a iniciativa privada. Tenho discutido muito com setor empresarial as concessões.

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ZH – Mas o setor reclama da taxa de retorno dos investimentos.

Arno – Fizemos alguns ajustes, a taxa de retorno dos projetos de concessão é positiva, mas só é verificada na hora de abrir o envelope. Nos aeroportos, os lances foram três vezes superiores ao mínimo. Vamos ter na quarta-feira as primeiras de rodovias. Quando isso ocorrer, vamos saber o que o mercado está achando.

ZH – Como está a relação com o empresariado? É dali que vem a fama de que o senhor é difícil.

Arno – É difícil falar de uma coisa que, às vezes, é uma versão da imprensa, enfim, ou de um setor. Nas conversas que tenho, a relação é muito boa. Também acho que é normal haver alguns contenciosos no momento em que estamos reposicionando questões como taxas de juros, taxas de retorno.

ZH – O senhor tem exemplos de contenciosos?

Arno – Quando reposicionamos a energia, houve gente que achou que não era bom, porque estava perdendo. Agora, é uma coisa que o Brasil precisava fazer. Os portos foram uma das coisas mais difíceis. Nunca vi um técnico, um economista dizer que o nosso sistema portuário era bom, mas na hora que fomos mexer nisso, o mundo quase caiu. Então, você tem uma rentabilidade distorcida, o governo tenta corrigir e alguém não gosta. É normal.

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