O governador Raimundo Colombo sabe guardar segredo. Faz 60 dias que foi informado de que a BMW vai se instalar em Santa Catarina e não contou para ninguém, nem para a netinha. Atendeu um pedido do portador da mensagem, o vice-presidente executivo da empresa alemã, que fez a confidência em uma visita que fez a Colombo em Florianópolis, mas pediu sigilo absoluto.

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O anúncio do local escolhido será feito na segunda-feira, e encerra uma espera que completa 529 dias neste domingo. É o tempo transcorrido desde 12 de maio de 2011, quando o jornal Valor Econômico publicou que a montadora planejava uma unidade no Brasil. A leitura da reportagem foi o marco inicial do projeto BMW. Em viagem à Europa, Colombo enviou o vice-governador, Eduardo Pinho Moreira, e o secretário do Desenvolvimento Econômico Sustentável, Paulo Bornhausen, para conversar com o presidente da empresa no Brasil.

– Viemos aqui porque escolhemos a BMW para ser a montadora que vai se instalar em Santa Catarina – disse, na época, Bornhausen.

Jörg Henning Dornbusch não resistiu e devolveu uma risada. Apesar do nome alemão, o presidente da empresa no país é carioca na certidão de nascimento e na personalidade e respondeu:

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– Vamos fazer um programa de negociação.

A visita foi retribuída em junho por membros da direção mundial da BMW. Colombo repetiu as palavras do secretário e cada lado montou seu time. SC escalou Bornhausen e o secretário de Assuntos Internacionais, Alexandre Fernandes.

O mês nem havia acabado quando eles embarcaram para a Alemanha. Conversaram com os três executivos da montadora que lideraram as negociações. Começava um período alucinante de trabalho. Os alemães queriam decidir até novembro e um projeto de R$ 1 bilhão demanda milhares de providências. Desde então, são mantidos contatos diários por conference calls, telefonemas, reuniões e missões.

Tudo caminhava bem até as montadoras brasileiras se queixarem da invasão dos chineses e Brasília aumentar o IPI para carros importados. A medida saiu em setembro do ano passado e atingiu em cheio os planos da BMW. O Ministério do Desenvolvimento prometeu regras para as empresas que viriam para o Brasil: o regime automotivo. Mas naquele momento o único fato concreto era o aumento de imposto.

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Uma combinação de fatores quase fez o projeto catarinense subir no telhado. O governo federal não abriu espaço para a montadora expor seus argumentos e o México viu oportunidade de atrair a fábrica. Colombo soube do assédio e tratou direto com quem manda, ligando para Dilma Rousseff. Em seguida foi realizada uma reunião no escritório do Ministério da Fazenda em São Paulo, com a participação do ministro Guido Mantega, dos executivos da BMW e do governador de SC. A partir daí os alemães foram incluídos nas negociações do regime automotivo.

Acreditando que Brasília não iria demorar para definir as regras, os secretários de Estado voaram para Munique para discutir detalhes do projeto. Pura perda de tempo. A nova legislação saiu somente em outubro deste ano. Mas ainda assim houve ganhos. O Estado saiu fortalecido porque criou uma linha de comunicação dos executivos da BMW com o governo federal, mostrou empenho e compromisso com os alemães.

Superando contratempos

O governador esteve confiante desde o começo das negociações. A certeza de que o desenrolar seria positivo surgiu quando os executivos alemães estiveram no Estado para visitar os lotes com potencial para receber a fábrica. Colombo foi pessoalmente com a equipe, caminhou entre o matagal e não se queixou da lama formada pela chuva dos últimos dias. A equipe da montadora pediu sondagens para confirmar a viabilidade dos terrenos. Colombo terminou o encontro com os sapatos e a calça embarrados e o sentimento que causara ótima impressão.

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Desde então, foram seis viagens do governo de SC para Munique e recepcionadas 20 comitivas da montadora no Estado. O secretário de Assuntos Internacionais, Alexandre Fernandes, conta que fez até bate-volta para Munique. Dormiu no avião, participou de um dia de reuniões e retornou no final do dia dormindo no avião.

A primeira missão da BMW no Estado foi para reconhecimento. Os catarinenses pegaram os executivos no aeroporto e correram todo o litoral, de Garuva à Imbituba, analisando terrenos. Houve uma intensa movimentação das imobiliárias catarinenses enviando sugestões de terrenos para o governo do Estado e diretamente para a Alemanha. Depois de várias filtragens, apenas dois permanecem na briga, um em Barra Velha, e o outro em Araquari.

– Agora vem decisão que é para o Norte (de Santa Catarina) e bastante provável para Araquari – diz Bornhausen.

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O secretário de Assuntos Internacionais acompanhou os executivos da BMW a três cidades, e o dia seguinte sempre trazia dor de cabeça.

– Cada prefeito saia anunciando que o município receberia a fábrica.

Mas a divulgação de informações sobre a negociação causou problemas para Colombo. Na posse da Associação Empresarial de Joinville, em junho, Colombo se desculpou por sair antes de a cerimônia acabar porque precisava viajar para uma reunião de interesse da região. O colunista do A Notícia, Claudio Loetz, não deixou passar batido. Falou com o governador nos bastidores e ouviu que de um a 10 as chances da vinda da montadora estavam em nove. A nota irritou os executivos alemães.

Nova polêmica surgiu em agosto, quando a colunista do DC, Estela Benetti, teve acesso a uma carta do governador para a BMW. Desta vez foi mais fácil de explicar. O governador argumentou que era um homem público e seus atos devem constar no Portal da Transparência.

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Os contratempos foram superados graças a relação de confiança criada com os executivos alemães. O histórico de SC em honrar os compromissos ajudou. Mesmo assim, alguns secretários de Estado resistem em cravar que a BMW vem. Eles pregam cautela.

Aprendizado para o governo

O caderno de encargos da BMW é gigante. A decisão não se respalda somente em parâmetros técnico-financeiros, fiscais e de logística. A montadora avalia, também, a qualidade de vida que o local escolhido proporciona aos funcionários e executivos. Os alemães verificaram uma infinidade de aspectos, incluindo o número de leitos em hospitais, a expectativa de vida dos moradores, nível educacional da população, segurança e a relação com o meio ambiente.

O secretário do Desenvolvimento Econômico Sustentável, Paulo Bornhausen, conta que SC ganhou muitos pontos quando analisados estes quesitos. A sustentabilidade foi certificada pela The Economist, uma das revistas mais conceituadas de economia do mundo, que colocou o Estado em primeiro lugar no Brasil. Havia ainda preocupação com um sistema de educação bilíngue. Joinville cumpriu o critério com louvor por ter currículos com normas alemãs.

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Alexandre Fernandes, secretário de Assuntos Internacionais, recorda que até chegar neste diagnóstico foram realizadas visitas a várias regiões. Em algumas, o Estado só era comunicado que uma equipe estaria aqui, mas não acompanhava os enviados. O motivo era não influenciar nas respostas e impressões captadas. O grupo esteve em fábricas americanas e alemãs que se instalaram em Santa Catarina para saber se as promessas feitas durante a fase de negociação foram cumpridas.

A qualidade da mão de obra existente na região também foi importante. Paulinho diz que pesou a cultura metal mecânica do Norte do Estado, a existência de fornecedores, a experiência com montagem na Busscar e a linha de produção da General Motors – que atraiu empresas do setores que também são parceiras da BMW. Sobre os momentos na mesa de negociação, o secretário de Desenvolvimento descreve os alemães como duros na argumentação, mas amáveis no trato.

Bornhausen acrescenta que dois executivos passaram bastante tempo em Florianópolis e absorveram aspectos da cultura local. Um deles ficava no Centro e outro no Pântano do Sul, praia remota da Capital.

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As obrigações profissionais faziam o executivo permanecer dias na cidade e, entre os hábitos desenvolvidos por ele, está uma caipirinha e uma boa refeição para relaxar. Com o tempo, a dupla descobriu os restaurantes que mais agradavam o paladar e se tornaram fregueses.

– Começaram a virar meio manezinhos, a falar um pouco de português e entender bem a língua.

Paulinho diz que a a negociação serviu de aprendizado para equipe do governo catarinense. Ele considera que a equipe foi testada em questões jurídicas, tributárias e no relacionamento humano.

Além de um selo internacional de qualidade, criação de um polo de ciência e tecnologia e empregos de qualidade, a possível vinda da BMW vai mostrar que Santa Catarina está em condições de enfrentar qualquer desafio. E pensar que tudo foi feito com uma equipe de seis servidores públicos, já incluída na conta os dois secretários de Estado.

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