Não é exagero dizer que há duas São Pedro de Alcântara: a do encanto de seus moradores nativos, de paz, na pacata cidadezinha de colonização alemã, dominó, flores, fé, trabalho e amizade, e a das manchetes policiais, tensão, crimes, denúncias e agonia de familiares em torno da penitenciária.
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O carro de som passa na frente da casa de Guido Stahelin, 76 anos, e, pelo alto-falante, o locutor anuncia lojas locais, avisos e, ao final, deseja feliz Natal. As faixas na região convidam para bailões e jantares dançantes aos fins de semana.
No meio da tarde, Guido está sentado num banco de madeira com um pincel na mão. Ao lado, uma lata de tinta branca. A cada retoque na grade, um aceno para quem passa.
– Aqui, se for cumprimentar todo mundo que a gente conhece, fica o dia inteiro de mão para cima – brinca o aposentado em frente de casa.
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Motorista aposentado com 55 anos de experiência na estrada pelo Estado e Brasil afora, Guido faz parte de família tradicional de São Pedro de Alcântara. Hoje, aproveita na cidade o tempo que ficou fora trabalhando.
Por ele, ainda dormiria de janela aberta, na tranquilidade que o município esbanja, mas tem a atenção chamada pela mulher. Diariamente, vai de bicicleta ou a pé ao Centro, a dois quilômetros.
Sem filas nem engarrafamentos
O caminho é praticamente um passeio. Não há filas nem engarrafamentos. Som de buzina só se ouve quando passa um conhecido.
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Ao redor da Praça Leopoldo Francisco Kretzer fica o comércio. Numa das esquinas, dentro do tradicional Bar do Zezo, amigos jogam dominó e sinuca, tomam cerveja e dão risada. Ali, podem se deliciar com pastel, almôndega e galinha frita.
– Estou no balcão desde sete anos, quando ajudava meu pai. Trabalhei muito, deu para viver bem – diz o dono, Rogério Deschamps, 57 anos.
Na rua ao lado, duas senhoras esperam o ônibus que leva aos distritos de Santa Filomena e Rio Forquilha. Levam sacolas com mantimentos e remédios. São agricultoras que, uma vez por semana, vão ao Centro fazer as compras básicas. Alegres, contam que passam horas conversando à espera do transporte.
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– Aqui é assim mesmo, tem só dois ônibus por dia. O jeito é esperar – afirma uma delas, desconfiada com a presença da reportagem na cidade.
Nas ruas de paralelepípedos do Centro, o silêncio é tanto que é possível ouvir os pássaros. Vez ou outra, passa algum ônibus. Um espírito de sossego e liberdade. Como disse o Zé Virgilio, lendário morador da cidade cujo testemunho foi emoldurado para sempre em uma placa na praça:
“Quando morrer, quero ser sepultado no primeiro terreno no canto direito do cemitério. Dali posso ver as figueiras e os amigos do bar tomando uma cachacinha.”
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Num curto passeio, a natureza chama a atenção. Até o Centro, é possível avistar riachos, relevos com Mata Atlântica, casas com placas das famílias, flores, comércio de pães caseiros e a conservação da tradição alemã.
Os postes têm as cores da Alemanha. No Centro, um pub alemão vende cervejas típicas. Nas comunidades rurais, há alambique, cascatas, igrejas, produtos coloniais, casarões antigos, trilha dos tropeiros. Na São Pedro de sempre, o interior que todos desejam conhecer e visitar está acima de ameaças ou maldades humanas.
Aqui a paz acabou
As viaturas passam frequentemente. Na estrada de terra, há pouquíssimas casas. O caminho leva à maior prisão do Estado, a Penitenciária de São Pedro de Alcântara, onde há cerca de 1,3 mil homens trancafiados entre as muralhas. São assassinos, estupradores, assaltantes e sequestradores.
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Nas últimas semanas, a prisão foi o epicentro de uma violência nunca vista antes em Santa Catarina: a onda de atentados a ônibus, unidades policiais e agentes de segurança.
Detentos estariam por trás das ações nas ruas. Bandidos da facção criminosa Primeiro Grupo Catarinense (PGC) teriam ordenado os ataques em vingança a suposta tortura que teriam sofrido na cadeia por agentes penitenciários.
Aflitos por notícias, familiares fizeram vigília na cidade. No auge da mobilização, terça-feira, mais de 30 mulheres reuniram-se num quiosque com o ouvidor nacional de Direitos Humanos, Bruno Renato Teixeira, que vistoriou a cadeia.
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A vinculação dos crimes registrados com os presos em São Pedro, admitida por autoridades policiais, inquietou os moradores. Principalmente os do Distrito de Santa Tereza, na região que leva ao complexo.
O clima de apreensão era visto em bares, mercearias e restaurantes. Todos queriam notícias sobre os presos e os atentados, mostrando outra São Pedro: a que nunca quis a instalação da penitenciária na cidade, que sofre com o estigma da cadeia e teme o pior da barbárie humana tão perto.
A preocupação faz sentido. Nos últimos anos, as autoridades não conseguiram explicar as circunstâncias de pelo menos 11 assassinatos de presos dentro da cadeia. A suspeita é de que foram cometidos a mando da facção PGC, por vingança, desentendimentos ou mesmo recados à administração da unidade.
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Para agravar a situação, há falta de efetivo para a segurança do cárcere. Na semana passada, os presos eram vigiados por apenas oito agentes. Alguns estão ameaçados de morte.
– Se eles se rebelassem e rendessem um agente, seria uma tragédia. É uma panela de pressão trabalhar lá, só tem bandido sem piedade – desabafa um servidor.
Contraste no índice de criminalidade
Na cidade, ao contrário, os dados da criminalidade são tão baixos que nem aparecem nas estatísticas diárias da Secretaria de Segurança Pública. Se não há crime, não há números. Nem delegado de polícia há. O efetivo é de quatro policiais civis e 10 militares.
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Os boletins de ocorrência mais comuns envolvem desentendimentos entre vizinhos. Um dos mais frequentes é quando animais, principalmente vacas, invadem terrenos vizinhos e danificam a plantação.
Entrevista – Jucelio Kremer – Prefeito eleito de São Pedro de Alcântara
“O pior é a insegurança que ela gera”
Eleito com 1.889 votos, o empresário Jucelio Kremer, o Palica, 45 anos, diz que os moradores estão apreensivos e reclama da falta de investimentos prometidos antes da construção. Por telefone, ele conversou com o Diário Catarinense na tarde de sexta-feira.
Diário Catarinense – Há duas São Pedro: a da prisão e a pacata. O que isso significa para o município?
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Palica – O que está acontecendo agora a gente já falava desde a implantação, que já era a nossa preocupação. O problema é o entorno da penitenciária. Agora se viu muita manifestação e movimentação de pessoas estranhas na cidade e deixa a população apreensiva.
DC – Desde a implantação, há 10 anos, o que a prisão trouxe à cidade?
Palica – Em termos de investimentos, muito pouco. Deram alguns cargos na penitenciária, mas são terceirizados. O pior é a insegurança que ela gera. Temos problema em relação a futuros investidores. Na saúde também nos deixa numa situação ruim, por causa dos índices de Aids e tuberculose (os dados da prisão são computados como sendo do município). Então arcamos com esse ônus.
DC – O que o senhor diria aos moradores de Imaruí, onde o governo de SC quer construir uma penitenciária?
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Palica – Que pensem muito bem, consultem a população. Os moradores devem ser ouvidos. Agora, também é preciso entender que o governo está com um problema bem sério (falta de vagas).
DC – É seguro morar em municípios onde há penitenciária?
Palica – Agora se provou que não. Em Santa Tereza, os moradores ficaram apreensivos.