A garotada do bairro Ingleses viu a perspectiva de suas vidas mudar a partir de 2017. O que começou como uma atividade esportiva para entreter os alunos da Escola Básica Professora Herondina Medeiros Zeferino se transformou em um projeto social que pode revelar futuros campeões da vida.
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Estamos falando do projeto Herondina Vôlei. A proposta começou em 2016 no contraturno das aulas. Na época, não havia treino, apenas um jogo como aqueles que ocorrem nas aulas de educação física. Um professor auxiliava os alunos, mas não havia exigência.
Mas em 2017 entrou Rafael Luis Maciel, 39 anos, o treinador. Mesmo de forma voluntária, Rafael colocou a galera para treinar de verdade e os 40 alunos no início do projeto passaram para 155 no fim de 2018. Para este ano, a previsão é que 300 jovens participem dos treinos. As aulas ocorrem de segunda a sexta-feira. Pela manhã para alunos da unidade, e à noite para a comunidade.
Um deles é Valdemar Leandro de Aguiar Neto. O jovem começou a jogar vôlei quando ainda cursava o ensino fundamental na Herondina, em 2016. No ano seguinte, após se formar, ele foi convidado pelo treinador a continuar e hoje treina três vezes por semana.
O garoto, que acabou de completar 18 anos, não imagina o que estaria fazendo da vida se não tivesse descoberto o esporte. Mais que conquistar medalhas, ele sonha com um futuro melhor, como cursar educação física e se tornar um atleta profissional.
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– Para mim foi uma coisa muito importante, porque eu não tinha mais o que fazer além da escola, eu ficava vadiando por aí. Agora eu quero continuar, quero tentar me tornar um atleta. Eu me apaixonei pelo vôlei e o projeto foi algo que me trouxe muita experiência, aprendizado, amigos, vivências, todo o resto de coisas boas que o ambiente traz – diz.
Bom desempenho
Os resultados do projeto em tão pouco tempo de existência surpreenderam o treinador Rafael. Segundo ele, os atletas já participaram de diversos campeonatos. Um deles foram os Jogos Escolares de Florianópolis, quando os meninos de 11 a 13 anos conquistaram a medalha de ouro e vão representar a Capital no Estadual. Além disso, 12 atletas passaram nos testes para fazer parte da Elase.
– Em função do desenvolvimento conseguimos despertar vários talentos – destaca Rafael.
Por traz dos saques e toques de bola ainda há outro propósito: ocupar o tempo ocioso da garotada e, assim, diminuir as chances deles tomarem o rumo da criminalidade.
– Temos meninos que se não tivessem aqui estariam no tráfico. A gente tenta fazer um trabalho para que eles não se envolvam com a criminalidade. E aqui, em função da amizade, eles se reúnem nos fins de semana para jogar. Se deixar eles passam o dia inteiro jogando – relata.
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Superação e recomeço
Não tem como falar do projeto sem contar a história do treinador. Rafael cresceu em uma comunidade carente de Porto Alegre (RS). Foi criado pela mãe após o pai abandonar a família quando ele tinha seis anos. Com 10 começou a participar de um projeto social que envolvia aulas de vôlei. Foi o seu primeiro contato com o esporte e isso mudou a vida dele.
Em pouco tempo, Rafael passou em testes para clubes de Porto Alegre e, mesmo durante os dois anos que serviu ao Exército, não abandonou o esporte. Acumulou medalhas e títulos. Mas em 1999 tudo mudou. Naquele ano, um acidente doméstico fraturou a perna e o joelho direitos. Foram seis meses de fisioterapia para recuperar os movimentos, mas nada voltaria a ser como antes.
– Eu me decepcionei muito e abandonei o esporte. Casei, acabei engordando demais, comecei a ter uma vida sedentária, cheguei aos 115 quilos – conta.
Em 2016, após passar muitas dificuldades financeiras, Rafael e a família decidiram ir embora do Rio Grande do Sul e escolheram como nova morada a Capital catarinense. A data da mudança foi 9 de fevereiro, uma terça-feira de Carnaval. Nesta época, Rafael trabalhava com construção civil e até 2016 nunca tinha falado sobre vôlei com as filhas Sara e Lais, de 15 e oito anos.
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– No meio de toda essa turbulência, a Sara começou a estudar na Herondina. Aí ela disse: “Pai, o diretor da escola tá falando que vai ter projeto de vôlei na escola, eu posso participar?”. Meus olhos brilharam, eu disse que podia, mas só se eu pudesse assistir ao treino – explica.
Foi então que ele voltou a pisar numa quadra e, aos poucos, a história do ex-atleta se espalhou pela escola. No final de 2016 o diretor convidou Rafael para tocar as aulas de vôlei e passar para a garotada todo o conhecimento adquirido em 10 anos. Foi aí que o amor pelo esporte falou mais alto e o treinador voltou a fazer o que mais gosta.
– Quando assumi o vôlei eu pensei: vou investir no meu futuro. Comecei a fazer faculdade de educação física para trabalhar na área, esse é o meu objetivo, vou até o fim.
Como o projeto não recebe recursos financeiros, Rafael precisa fazer bicos na construção civil e vigilância. Porém, este ano ele recebeu o convite para ser auxiliar técnico da Elase. Com isso, poderá se dedicar 100% ao esporte.
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Incentivo e reconhecimento dos pais
Além da iniciativa da escola e do trabalho do treinador, o incentivo dos pais faz toda a diferença para que o Herondina Vôlei dê certo. Simone Jaeger, 38, mãe da aluna Mirella de Oliveira Jaeger, 12, acompanha de perto o desempenho da filha e une forças para ajudar o projeto.
– É muito bacana porque você vê que eles se desenvolvem, acreditam mais neles, criam uma autoestima muito grande, estão aprendendo a base, a técnica, o respeito, a confiança, sabem que têm que treinar para conquistar algo, que têm que ser persistente, isso vale para a vida também – diz Simone.
Mirella concorda com a mãe e hoje já sonha alto com o esporte.
– Eu comecei o projeto porque queria fazer algum esporte, gostei bastante, fui evoluindo, prestei atenção nas aulas, me esforcei, me dediquei e agora fui chamada para o Clube Elase. Fiquei bem surpresa porque não imaginava passar na peneira. Meu sonho é ser da seleção brasileira – revela Mirella.
Como é um projeto social e não tem apoio financeiro, os pais começaram a se envolver para conseguir comprar material e dar uma ajuda de custos aos professores – hoje são dois treinadores. Além de doações dos próprios pais, eles fazem eventos e rifas para arrecadar dinheiro.
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