Um viajante distraído pode subir a rua Quinze de Novembro, em Joinville, e não se dar conta de que em meio a condomínios residenciais, estacionamentos e casarões antigos transformados em pontos comerciais, existe um bosque sobre uma colina onde repousam aqueles que um dia construíram o centro da cidade. É um lugar que o reverendo James Fletcher descreveu, ao visitá-lo em 1885, como "triste, embora lindo".

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A definição do pastor americano que cruzou o Brasil no século 19 ainda faz sentido. Ao perceber os portões de ferro que delimitam esta necrópole da calçada do Centro da cidade e cruzá-los é possível encontrar um lugar onde a passagem do tempo é percebida apenas pelo crescimento da vegetação ao redor das sepulturas. As árvores frondosas do bosque onde ele foi construído ainda formam uma espécie de muro que bloqueia parte dos sons que chegam das ruas do Centro.

foto mostra lápides
(Foto: Carlos Júnior, Especial)

O Cemitério do Imigrante é a mais antiga edificação construída em Joinville. Ele foi necessário em um momento cheio de dificuldades: ao chegarem no Brasil, os imigrantes europeus sofreram epidemias como tifo e disenteria bacilar. Aqueles que sobreviveram aos primeiros anos, lideraram a transformação da colônia em vila e depois em cidade. Caminhar pelos corredores ao redor das sepulturas é como folhear livros com a história destes imigrantes: sobrenomes conhecidos como Döerffel, Richlin, Colin e Ravache, que hoje dão nome a ruas e instituições, foram gravados também nas lápides com epitáfios escritos em alemão que estão na colina da rua Quinze.

As sepulturas formam núcleos familiares e mostram também a hierarquia daquele tempo: as famílias de maior poder aquisitivo estão no topo da colina, enquanto a maioria dos 2 mil sepultados no local não ganharam nem mesmo uma placa com seu nome — seus sepultamentos foram cobertos depois pelo gramado dos "corredores" do cemitério.

Segundo o historiador Dilney Cunha, o primeiro cemitério da cidade foi construído em um ponto mais perto do centro da Colônia Dona Francisca, em um local onde hoje está a esquina das ruas João Colin e Nove de Março (os primeiros barracões foram construídos no que hoje é o terreno da Biblioteca Pública).

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— O que se conta é que o local ficava alagado. Por isso, buscaram um ponto mais alto para o cemitério — conta.

foto mostra cruz em meio à vegetação
(Foto: Carlos Júnior, Especial)

Com frequência, o Cemitério do Imigrante recebe visitantes que buscam lá as sepulturas de seus antepassados ou que o visitam para conhecer um local que remete às necrópoles da Europa, onde os cemitérios-parque são comuns.

— Ele tem um grande potencial turístico. No Brasil, esse tipo de turismo ainda é tímido, mas na Europa e até mesmo na Argentina, aqui perto, é muito forte. Por exemplo, um dos pontos

mais visitados na França é o Cemitério do Père-Lachaise. Ele representa um pedaço da história do local e também tem o aspecto artístico, por causa de suas lápides e seus diferente estilos — avalia Dilney , que por quatro anos coordenou a Casa da Memória, a antiga residência do coveiro que tornou-se ponto cultural em Joinville.

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Além do aspecto geográfico, o Cemitério de Joinville guarda um detalhe que também o distingue da maioria dos museus antigos do Brasil. Quando os imigrantes chegaram, havia poucos católicos no grupo — e uma população pequena na região de Joinville formada por descendentes de portugueses, também católicos, e de africanos, entre pessoas escravizadas e libertas. Todos eram sepultados no mesmo cemitério, sem divisão pela etnia ou pela religião feita por muros ou grades, como ocorria em outros lugares.

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