Quase nove meses depois de ser referendado por aclamação pelo conselho universitário como reitor temporário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Ubaldo César Balthazar, 65, assinou na sexta-feira o termo de posse como autoridade máxima eleita pela comunidade acadêmica da instituição. Balthazar quer virar uma página classificada por ele “como a pior” dos 58 anos da maior universidade catarinense. Com 40 anos de UFSC, a encontrará dividida após dois turnos de uma acirrada eleição e com resquícios de duas operações policiais no coração da instituição. Para mudar de vez a página 2017, Balthazar apresentou um plano de gestão com 467 ações a serem implantadas na universidade até 2022. As mais urgentes, destacou, são essenciais para os mais de 46 mil alunos matriculados na instituição: Hospital Universitário, Restaurante Universitário e Moradia Estudantil.

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Quando o senhor assumiu, na sexta-feira, fez quase nove meses da aclamação de seu nome como reitor pro tempore (temporário). Como foi tanta mudança nesse período?

Foi uma revolução na minha cabeça, na minha vida pessoal, profissional, uma mudança e tanto. Outro dia me perguntaram como eu me sentia coroando minha vida profissional na UFSC como reitor. Eu não vou negar que é uma satisfação, depois de 40 anos, chegar ao cargo máximo da instituição. Mas de vez em quando eu caio na real e sinto o problema de ter chegado a essa posição em face das circunstâncias, de como todo processo se deu. Porque o que eu queria mesmo é que o Cancellier concluísse o mandato dele em maio de 2020. E se fosse o caso, e naquele momento as circunstâncias permitissem, eu poderia me candidatar. A gente não consegue prever o futuro. Agora é evidente que existe um grau de satisfação de assumir como reitor da UFSC. O desafio é enorme. Nós vamos administrar uma cidade de quase 50 mil habitantes, e isso não é fácil, tem que ter uma equipe muito boa e competente, e isso nós temos.

Quando assumiu o cargo temporariamente, em novembro de 2017, falou que não pretendia se candidatar ao cargo.

Eu disse, não serei candidato. Quero entregar o cargo para o reitor eleito. Quero apenas conduzir todo o processo de transição. Muitos me criticaram por ter mudado de opinião.

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Por que o senhor mudou de opinião?

Porque quem não muda, não avança. E eu percebi que tinha condições de trabalhar com a equipe montada pelo Cancellier. Eu fiquei novembro e dezembro, até começo de janeiro, dizendo não vou me candidatar. Iria tirar férias em 17 de janeiro e o pessoal me pediu para dar uma resposta definitiva antes das férias. Após muita conversa, no âmbito familiar também, eu decidi me candidatar. Fiz um relato em minha página no Facebook na época e citei Focault (Michel Focault, filósofo francês), que dizia ‘só não muda quem não é inteligente’. E se as circunstâncias mudaram, não tem porque a pessoa não mudar também. E aí eu aceitei participar do processo, mas sem muita convicção. Eu era o azarão. Mas mesmo como azarão, eu disse ‘vamos ver’.

Quais os maiores desafios para esses próximos quatro anos?

São tantos os desafios. Eu diria que nós temos os três imediatos: HU, RU e a Moradia Estudantil. Meu sobrinho me disse, na brincadeira, que se eu resolver o problema da moradia estudantil vou virar nome de rua. E por quê? Porque é um problema crônico. A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) tem moradia estudantil para 900 vagas, e mesmo assim eles fazem reclamações permanentes lá por falta de moradia estudantil. Nós temos 167 vagas para 14 mil alunos no campus da Trindade. Cinco mil isentos do RU não tem condição de pagar o preço da refeição, que é de R$ 1,50, porque vem de famílias de baixíssima renda. Então, nós vamos ter uma batalha grande pela frente, mas eu estou numa idade que não posso me dar ao luxo de ter medo desses desafios.

Em relação ao HU, o que é tão urgente assim? Em 2016, a unidade aderiu à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Dois anos depois dessa adesão, a situação está como o senhor esperava ou ainda tem que melhorar?

Por enquanto ainda tem a melhorar, porque havia um comprometimento de abertura de novas vagas, novos leitos, e isso está muito devagar. Nós estamos fiscalizando, estamos cobrando. Os concursos estão acontecendo, aproximadamente 200 novos servidores foram contratados, mas o problema é que temos muitas reposições de aposentados e pessoas que pediram transferência para outros locais, então na prática esses 200 postos não significam novos servidores. Precisamos de mais servidores e temos que exigir mais da Ebserh.

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E o regime dos servidores do HU, que mudaria com a Ebserh para celetista, como ficou?

Os novos contratados estão sendo admitidos pelo regime celetista, porque a Ebserh é empresa jurídica de direito privado, de interesse público, mas de direito privado, e assim contrata pelo regime celetista. Mas os remanescentes estão no regime antigo, e isso aí é problemático porque dá o conflito de tratamento diferenciado. Essa é uma questão que precisa dar tempo ao tempo. Quando a Ebserh estiver com a totalidade dos contratados celetistas aí vai mudar completamente o tratamento dispensado a todos, que vai ser celetista. Mas sempre dentro dessa perspectiva de manter o HU 100% público e com o SUS administrado de acordo com as funções do serviço público de saúde, assim como a manutenção do HU como essencialmente hospital escola dos alunos da UFSC.

Como está a autoestima da comunidade acadêmica após as operações policiais de 2017 e tudo que aconteceu depois, como o suicídio do então reitor Cancellier?

A universidade passou por um momento crítico, uma tragédia, com o suicídio do nosso reitor. E isso mexe com a autoestima de qualquer um, até quem não é da UFSC sentiu isso. Então é natural que a nossa autoestima tenha ido lá para baixo. Mas é uma universidade que tem que continuar e que, queiramos ou não, em todos os rankings está entre as primeiras do Brasil e da América Latina.

A jornada de trabalho dos técnicos-administrativos da UFSC, que passaram a trabalhar 30 horas ao invés de 40. A medida, em outras universidades, já foi questionada pelos órgãos de controle. A UFSC pretende dar sequência à emissão de novas portarias em outros setores da universidade?

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A reitora da Universidade Federal do Espírito Santo, há uns três anos, flexibilizou tudo, todos os serviços técnico-administrativos no âmbito da universidade. Um ano atrás o Ministério Público foi ao judiciário e eles tiveram que revogar as flexibilizações. E voltou tudo ao que era antes, tiveram que reestabelecer o horário normal de oito horas. Por quê? Porque a reitoria naquela época tornou flexíveis setores que não poderiam ser flexibilizados, porque o espírito da flexibilização envolve a noção de atendimento ao público. Então, um setor que não atenda ao público, seja externo ou interno, não tem porque flexibilizar. O que se flexibiliza não é o servidor, é a função. Para que aja mais tempo de atendimento à comunidade. Em uma biblioteca central de uma universidade que as aulas começam às 7h30min, e tem aulas até as 22h, os alunos precisam da biblioteca durante todo esse período. Mas quem vai trabalhar das 7h30min às 22h? Ninguém. Não existe esse expediente no serviço público. Por isso flexibilizamos para dividir em turnos de trabalho. E para dar certo serão seis horas cada turno, para que a coisa funcione. Então, onde der, nós estamos fazendo. Eu diria que muitos setores já foram flexibilizados, e outros não serão na minha gestão, porque não tem atendimento ao público.

E a situação no Ensino à Distância (EaD), que até o final de abril tinha cerca de 900 alunos (de 2.600) sem aulas, já foi normalizada?

Eu não diria que está 100% normalizado, mas 98%. Tínhamos mais problemas no curso de administração, que é o maior, especificamente nos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), mas conseguimos regularizar. Temos uma série de formaturas agora em agosto e setembro. Na semana entre os dias de 7 a 14, foram defendidos trinta e poucos TCCs de administração, e estamos conseguindo trabalhar apesar de ter mudado o regime financeiro do EaD, pois estamos utilizando recursos da universidade. Os recursos da Capes também estão normalizados. Não trabalhamos mais com fundações no EaD.

Em setembro, vai completar um ano da deflagração da Operação Ouvidos Moucos, que culminou no afastamento de seis professores que se mantém até hoje. A universidade costuma se manifestar sobre essa situação vez que outra no Conselho Universitário, mas como o senhor avalia essa situação?

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Algumas coisas a gente pôde fazer, mas nem tudo conseguimos. Nós já conversamos com as famílias, mas o processo está em andamento. Houve uma solicitação da defesa para que eles (professores) voltassem, mas o Ministério Público Federal deu em juízo um parecer contrário por causa de outra operação, chamada de ‘Torre de Marfim’. Ele (MPF) achou que pode haver relação da Torre de Marfim com a Ouvidos Moucos. Então, em princípio, não saberia te responder quando isso aí vai acabar. Eu particularmente estou convencido que eles não oferecem perigo nenhum à comunidade acadêmica e a sociedade caso voltem a dar aulas na UFSC. Mas o nosso judiciário entende que podem interferir nas investigações da Torre de Marfim e, por tabela, atrapalhar a investigação da Ouvidos Moucos.

A UFSC pode contratar professores para substituir esses que estão afastados?

Não podemos.

Como está atualmente a composição da corregedoria da UFSC (depois da saída de Rodolfo Hickel do Prado, que era corregedor quando da deflagração da Ouvidos Moucos?

Nós designamos um corregedor-geral, que é o servidor Ronaldo Barbosa. E também um servidor nosso, que é o Fabrício, formado em Direito e que trabalhava com a gente na secretária de apoio institucional, mas isso tudo é provisório. Eles estão trabalhando, estão dando conta do recado, e estamos aguardando a confirmação da designação do terceiro integrante da corregedoria pela Controladoria-Geral da União (CGU). Mas até quero adiantar que estamos trabalhando numa proposta, para ser trazida para debate no Conselho Universitário, de alteração na resolução normativa que criou a corregedoria na universidade. Para evitar alguns problemas que nos detectamos naquela portaria anterior. De qualquer forma, no quadro atual, qualquer indicação que a gente faça para o cargo passa pelo crivo da CGU, aqui no Estado e em Brasília.

Essas mudanças que o senhor falou já estão definidas?

Não, nós estamos discutindo. Tem uma comissão interna que está trabalhando nisso, bem como o próprio Conselho Universitário, para no momento oportuno definir bem essa questão. Tanto o Ronaldo como o Fabrício, que são os corregedores, tem mandato a cumprir como corregedor até a eleição da nova corregedoria, que vai acontecer tão logo a nova resolução seja aprovada. Porque não podemos constituir uma nova corregedoria com base em uma resolução que nós estamos trabalhando para mudar. Espero que essa nova resolução seja feita até o final do ano. Vai haver uma certa discussão no conselho, mas eu acredito que a nova proposta de resolução, em um mês ou dois, consigamos aprovar novas regras para a corregedoria.

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