Dormindo no chão, sem poder tomar banho, urinando em uma garrafa e dependo da família e da ajuda de policiais para se alimentar. Foi nessas condições precárias que um adolescente de 16 anos ficou apreendido por seis dias na Central de Plantão Policial de Itajaí depois de assaltar a casa da avó e agredir familiares. Sem o Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório (Casep), interditado pela Justiça no início de maio devido a falta de estrutura, a Polícia Civil não tem para onde encaminhar o menor apreendido em flagrante por ato infracional.
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O caso levou o Ministério Público a instaurar inquérito para apurar se está havendo omissão do Estado no encaminhamento dos adolescentes aos Caseps. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) permite que o menor fique até cinco dias apreendido em delegacias, mas, depois ele tem que ser encaminhado a uma unidade socioeducativa.
Conforme o titular da 4ª Promotoria de Justiça de Itajaí, Jackson Goldoni, a partir do momento que o menor é detido, ele está sob a tutela do Estado, que deveria zelar pelas condições dos menores, inclusive, fornecendo alimentação.
– Eu mesmo tenho que tirar dinheiro do meu bolso às vezes para eles se alimentarem, porque o Estado não tem estrutura. A situação é grotesca -critica.
Segundo o promotor, o Departamento de Administração Socioeducativo (Dease), vinculado à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, atribui a falta de vagas a portarias judiciais que impediriam a internação de menores de outras comarcas.
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– Ainda não tive acesso a essas portarias, mas se elas de fato existirem, vou entrar com mandados de segurança porque elas são inconstitucionais – afirma.
O delegado responsável pela Central de Plantão Policial, Angelo Moreno Cintra Fragelli, informa que desde a interdição do Casep, outros quatro menores apreendidos em flagrante foram liberados por falta de vagas. De acordo com o Dease, o adolescente que roubou a casa da avó foi encaminhado ao Casep de Rio do Sul, no Vale do Itajaí, na quarta-feira à noite.
– Deu os cinco dias, se não for encontrada uma vaga esse menor é liberado e volta para a sociedade – explica o delegado.
Nesta sexta-feira, uma reunião em Florianópolis entre a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, Dease, Ministério Público e Tribunal de Justiça discute a falta de vagas no sistema socioeducativo no Estado.
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Estado assume reforma do Casep
O Dease informou, por meio da assessoria de imprensa, que enviou uma notificação à ONG que administra o Casep de Itajaí informando oficialmente sobre a rescisão do contrato. O departamento vai repassar à ONG recursos referentes até 15 de maio, período em que a unidade ficou com adolescentes internados.
O Estado vai assumir a reforma do centro. Para isso, vai enviar uma equipe de engenheiros para avaliar a estrutura, fazer o projeto e licitar a obra, que está sem prazo para ocorrer.
Problema é comum na região
As más condições para receber adolescentes não são exclusividade da Central de Plantão Policial e a interdição do Casep de Itajaí só agravou uma situação que já existia. O diretor de polícia do Litoral, José Celso Correa, afirma que as delegacias da região também sofrem com a falta de estrutura para receber os menores apreendidos. Segundo ele, a demora no encaminhamento para os centros de atendimento socioeducativos gera diversos transtornos:
– É um problema que atinge a todos, não temos carceragem e as celas que existem não são locais para manter adolescentes.
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Em Balneário Camboriú, o delegado interino da Delegacia da Mulher, Eliomar José Beber, afirma que desde que o Casep fechou a situação ficou ainda pior. Na unidade existem apenas duas celas pequenas que poderiam manter os jovens por algumas horas, porém, alguns acabam ficando os cinco dias permitidos por lei.
– A delegacia não tem as mínimas condições de abrigar os adolescentes e essa situação não é de agora. Os policiais têm que fazer papel de carcereiros e ir buscar comida na casa de passagem – conta.
A delegada Luana Backes, de Bombinhas, argumenta que, por causa da falta de vagas nos Caseps de todo o Estado, muitos adolescentes nunca são internados.
– As poucas vagas que existem acabam sendo destinadas para crimes graves. Apreendemos um adolescente nesta semana que tinha mais de 30 boletins de ocorrência e não é internado porque não tem vaga. Ele começou furtando no colégio e foi evoluindo para outros crimes – relata.
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O delegado de Porto Belo, Rodrigo Duarte de Andrade, afirma que não registrou casos de adolescentes apreendidos desde que o Casep de Itajaí fechou. No entanto, ele afirma que nunca viu um adolescente ser encaminhado para internação no mesmo dia da apreensão.
– Cria um transtorno muito grande toda vez que tem a apreensão de um adolescente. Nesse tempo que ele fica na delegacia quem vai alimentá-lo? Onde vai tomar banho? A delegacia não tem essa estrutura, as celas são só para custódia provisória – argumenta.