Sintoma da fragilidade do sistema político brasileiro, o troca-troca de partidos ganha força a partir desta quinta-feira, com a abertura de uma janela de 30 dias para transferências. Somente na Câmara, estimativas apontam para migração de 50 parlamentares, cerca de 10% da Casa.

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A emenda constitucional que permite a dança das cadeiras foi aprovada com os votos de 61 senadores, no ano passado, e será promulgada às 11h de quinta-feira, em sessão conjunta do Congresso. Com mudança, os parlamentares terão até 18 de março para trocar de partido, sem o risco de perder o mandato. Até então, isso só era possível nos casos de perseguição pessoal ao filiado, mudança substancial no programa partidário ou diante da criação, fusão ou incorporação de agremiações. Dispensada a exigência de pretexto, abriu-se caminho para intensa articulação nos corredores do Congresso.

– Isso aqui está uma feira de negócios. Como no futebol, certamente terá um partido que vai ser a China, levando a maioria dos jogadores, digo, dos parlamentares – compara Chico Alencar (PSOL-RJ), cuja bancada deve permanecer com cinco integrantes.

A princípio, as mudanças não deverão alterar substancialmente a correlação de forças entre governo e oposição no Congresso. Na maioria dos casos, as transferências atendem a interesses eleitorais. São deputados que, sem espaço em seus partidos, pretendem mudar de sigla para concorrer a prefeito em outubro.

Mesmo assim, o PT deve ser um dos mais afetados, perdendo em torno de 10 cadeiras. As prováveis defecções não são o principal problema do governo, mas sim a desarticulação de sua base, que deve continuar dispersa e rebelde.

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– A melhor mudança é aquela que te mantém na zona de conforto. Isto é, o deputado troca o PT por um partido da base. Assim, continua usufruindo das benesses do governo, cargos e emendas, e negocia o voto a cada assunto em pauta – comenta o cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa.

A rigor, 2016 terá duas janelas migratórias. A confusão se dá porque, durante as discussões da reforma política, foi proposto período para transferências partidárias nos anos eleitorais. Dessa forma, de dois em dois anos, seis meses antes das eleições, os parlamentares em fim de mandato sempre terão 30 dias para trocar de partido.

Quando o tema estava prestes a ser votado, os congressistas receberam sinalização de que a presidente Dilma Rousseff vetaria a medida. Para se prevenir, criaram novo prazo, também de 30 dias, que será aberto nesta quinta-feira com a promulgação da emenda constitucional. No final, não houve veto presidencial, e a janela de um semestre antes do pleito também irá valer, esse ano, apenas para vereadores.

– Tudo aconteceu porque o Congresso achou que não haveria nenhuma janela. Agora teremos duas, o que é deformidade do nosso sistema – diz o analista político Antônio Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

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Partidos apostam em janela para crescer

A janela que se abre hoje deve envolver principalmente políticos do chamado baixo clero. O maior motivo para ausência de nomes de projeção é que muitos deles já trocaram de partido em 2015, com a fundação da Rede, para onde migraram deputados como Alessandro Molon e Miro Teixeira, ambos do Rio. Mas a escassez de estrelas não diminui a volúpia dos dirigentes das legendas.

A maioria dos estrategistas evita comentar as conversas em andamento, mas algumas agremiações apostam na janela para retomar o fôlego perdido nos últimos anos. O DEM, que em 2010 elegeu 43 deputados, conquistou apenas 21 cadeiras na eleição passada. Agora pretende chegar a 30 deputados, atraindo parlamentares de sete Estados.

– O DEM está na oposição desde 2002, então, é natural que encolhêssemos. Afinal, não transigimos e nos mantemos coerentes. Mas agora virou o vento – avalia Onyx Lorenzoni (DEM-RS).

Outro partido ansioso para aumentar a bancada é o PSD. Dois deputados gaúchos foram assediados pela sigla: Ronaldo Nogueira (PTB) e Jerônimo Goergen (PP). Pastor evangélico, Nogueira é desejado por conta da fidelidade de sua base eleitoral. Goergen estaria incomodado no PP, em razão das denúncias envolvendo a sigla na Lava-Jato. Ambos, porém, sinalizaram que não pretendem assinar nova ficha partidária.

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O PSD é um dos partidos – junto do PDT – para os quais o governo vem incentivando uma onda migratória. Como um encolhimento do PT será inevitável, o Planalto tenta direcionar descontentes para legendas aliadas. É a mesma tática usada por Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Enfraquecido pelas denúncias de corrupção e pela derrota na eleição do líder peemedebista, o presidente da Casa tenta reagrupar sua base, espalhada em mais de 10 partidos. Para tanto, Cunha trabalha para inchar o PMN, atualmente reduzido a um único deputado.

Do outro lado da balança, um dos mais prejudicados deve ser o PMB. Criado no ano passado, o Partido da Mulher Brasileira logo formou uma bancada de 20 integrantes, atraindo quem queria trocar de agremiação sem o risco de perder o mandato. Agora que não haverá essa ameaça, deve sofrer debandada geral. Na Câmara, o PMB é chamado de partido-ônibus, por ter sido usado apenas para a transição entre legendas.

“É casuística e infeliz essa opção”

O juiz Márlon Reis, cofundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), vê na abertura de nova janela de infidelidade partidária uma medida “casuística”, capaz de enfraquecer ainda mais os partidores brasileiros. Um dos idealizadores e redatores da Lei da Ficha Limpa, Reis afirma que o troca-troca ocorre para preservação de interesses individuais de políticos, em detrimento dos programas partidários, deixando o eleitor confuso quanto a quem, de fato, apoia.

Se a minirreforma eleitoral já previu uma janela de infidelidade em março, qual é o sentido de abrir outra agora?

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É de se questionar a constitucionalidade disso. Esse é um debate que, com certeza, deve ser considerado.

Como o senhor classifica essa mudança na legislação?

Totalmente casuística. Trata-se de uma subversão da ideia da fidelidade partidária. Abre-se, na última hora, a possibilidade de troca. É ruim, porque ajuda a manter uma cultura de fraqueza dos partidos e mostra que o mais importante é a preservação de carreiras individuais.

O troca-troca fragiliza o sistema partidário brasileiro?

Com certeza. Nós deveríamos estar marchando no sentido de fortalecer os partidos enquanto instâncias coletivas de atuação, mas prevalece no Brasil uma cultura absurda e atrasada de privilégio das carreiras individuais. Os partidos, em regra, são escolhidos não pelos programas e bandeiras que defendem mas por aspectos pragmáticos, como o quociente eleitoral. Muitos trocam de partido só por causa disso. Tudo isso mostra como é casuística e infeliz essa opção.

Essa abertura de janela desmoraliza a lei da fidelidade partidária?

A lei da fidelidade é algo que tem um sentido muito forte para admitir janelas. Não deixa de ter havido um avanço, porque, ao longo dos mandatos, costumavam haver diversas trocas, mas é uma pena que tenha sido aberta essa exceção.

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De que forma essas mudanças afetam o eleitor? Ele não fica mais confuso?

Exato. O eleitor terá sempre a noção de que o principal é o indivíduo, a pessoa do candidato, e não ideias que ele deveria estar abraçando.

Como fortalecer os partidos diante de tantas mudanças?

É preciso mudar bastante essa lógica e criar mecanismos em uma reforma política que deem para o eleitor a clareza do voto que ele está dando a partidos. Hoje, o eleitor vê apenas um nome e não sabe que bancadas ele compõe, que ideias, que programas está ajudando a fazer com que predominem. Isso precisa mudar.

As duas janelas

O Senado aprovou, em 9 de dezembro de 2015, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 113, que autoriza os detentores de cargos eletivos a trocarem de legenda sem perder o mandato por infidelidade partidária.

Essa janela para a troca de legendas é válida nos 30 dias seguintes à promulgação da emenda pelo Congresso, o que deve ocorrer hoje, em sessão conjunta do Senado e da Câmara.

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Pela PEC, a desfiliação não vai alterar a distribuição do dinheiro do Fundo Partidário nem do tempo de rádio e televisão de cada partido.

Os senadores não dependem do aval da nova lei, pois seus cargos, assim como os dos chefes de poderes Executivos, são considerados majoritários.

Depois disso, antes das eleições deste ano, haverá outra janela de troca, aprovada na minirreforma eleitoral de 2015, que permite desfiliação sem perda de mandato. Essa janela ficará válida ao longo do mês de março. Será aberta todos os anos eleitorais, sempre por 30 dias, seis meses antes da eleição e apenas para quem estiver concluindo o mandato. Assim, em 2016, valerá para os vereadores. Em 2018, para deputados federais e estaduais.

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