Escancarada nacionalmente com a decapitação de um adolescente, a violência em Joinville vai muito além do ato bárbaro em que criminosos exibem a cabeça de um rival morto para intimidar os inimigos que ousarem tentar dominar seu território.
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Dentro dela, há famílias amedrontadas reféns de facções criminosas em bairros onde a criminalidade avança, como Jardim Paraíso, Paranaguamirim e Fátima. Nesses lugares, reinam a dor da perda e o silêncio do medo de virar a próxima vítima.
Jovem é decapitado em Joinville
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A situação chegou a um ponto em que os homicídios praticamente se tornaram uma cena banal. Na terça-feira de Carnaval foram mais dois assassinatos.
Polícia investiga vídeo de jovem sendo decapitado em Joinville
Vídeo demonstra nível preocupante de criminalidade, dizem autoridades
Durante a madrugada, houve a 18ª morte do ano na cidade: Julio Cesar Gonçalves Ferreira, 28 anos, tombou a tiros na rua Angelo Sotopietra, bairro Boehmerwald.
De dia, às 18h40min, a 19ª morte: Jeison Inácio Padilha, o Baiano, 24 anos, foi alvejado na rua Jequié, bairro Aventureiro.
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Para piorar, há um conjunto de fatores que agrava o cenário: a crônica falta de efetivo nas polícias, a ausência de integração entre órgãos ligados à segurança, a impunidade de crimes, as fugas e o crime organizado dentro e fora de presídios.
O futuro desalentador que se desenha – e muito mais nas regiões distantes da área central e das classes média e alta – faz vítimas também diante do descaso da ausência de políticas públicas, transformando essas áreas longínquas em bolsões conflagrados de domínio de criminosos. Essa é uma situação não exclusiva de Joinville e que se repete em outras cidades, como Florianópolis, Criciúma, Chapecó, São José, Palhoça e Camboriú.
Na terça-feira, a Polícia Civil prendeu no Jardim Paraíso Claudinei Rengel, 38 anos, tido por delegados como a principal liderança da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) e que vinha ordenando crimes em Joinville. A mulher dele também foi presa. Rengel portava um revólver calibre 38, estava foragido da Justiça catarinense e tem antecedentes em São Paulo.
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Nas mãos de suspeitos de liderar o crime organizado estão homens e mulheres foragidos nas ruas, adolescentes sem perspectivas aliciados para o crime, envolvidos em homicídios e assaltos, cumprindo ordens a qualquer preço.
Some-se a isso a facilidade no acesso a armas, a banalização da vida, a Polícia Militar sem efetivo capaz de marcar presença ostensiva nas ruas, a Polícia Civil com investigação notadamente enfraquecida, empilhando impunidade em inquéritos nos últimos anos, o sistema prisional abarrotado com comandos de crimes graves dentro das celas.
Tudo isso não poderia ter resultado diferente: Joinville começando 2016 com uma média de uma pessoa morta a cada dois dias. São 19 assassinatos desde janeiro, sendo cinco de adolescentes, entre eles Israel Melo Júnior, 16 anos, o garoto decapitado no crime filmado e espalhado nas redes sociais.
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A sensação é de que os assassinatos estão banalizados, acontecem a qualquer momento e horário. No ano passado, 127 pessoas foram mortas na cidade. O mais grave ainda é que há, a todo instante, tentativas de homicídios. Foram 19 em janeiro – se consideradas nesta conta, agravam ainda mais as estatísticas e evidenciam a perda de controle das polícias.
Os crimes acontecem, geralmente, em bairros menos favorecidos economicamente. Entre eles estão o Jardim Paraíso, na zona Norte, historicamente reduto de criminosos que mandam e desmandam na população migrante de classe baixa, e agora também áreas da zona Sul, como Paranaguamirim e Fátima.
Moradores desses bairros assistem a um banho de sangue motivado por um confronto de duas facções criminosas: o Primeiro Grupo Catarinense (PGC), dono de maior espaço no controle do tráfico no Estado, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, a mais temida facção do país, que deseja expandir território em Santa Catarina.
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Avenida Júpiter, no Jardim Paraíso: espécie de linha divisória de áreas de facções.
Por que em Joinville? A resposta, segundo as polícias, consiste no fato da proximidade geográfica com o Paraná, onde, nos últimos anos, o PCC se consolidou ao tomar presídios e passou a dominar o tráfico de drogas. Outra razão seriam as baixas de líderes do PGC, cada vez mais golpeado com prisões e transferências a cadeias federais.
– Joinville nunca teve facção criminosa. Agora tem PCC, PGC, coisa que a gente estranha por aqui – diz o funcionário de um posto de combustíveis da Zona Sul.
PM: mais mortes em futuro desanimador
Em um relatório com 33 páginas de 19 de janeiro deste ano, a Agência de Inteligência da Polícia Militar faz uma análise aprofundada sobre os assassinatos e a guerra entre facções em Joinville, apontando um futuro desanimador diante do atual quadro de ação de criminosos e a realidade das polícias.
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No documento, a PM reconhece que se nada de efetivo for feito no enfrentamento aos crimes, principalmente de tráfico de drogas e posse de armas, a disputa por território no comércio enriquecedor e as mortes continuarão.
Mesmo sendo sabida e admitida pelo governo do Estado, a falta de efetivo é ressaltada como dificuldade local para o trabalho preventivo, além das condições materiais das polícias. A corporação fez queixas sobre viaturas paradas e outras rodando com pneus carecas, assim como seguidos alertas à cúpula da segurança pública pelo comando anterior do 8º Batalhão da PM sobre a escalada dos homicídios. Não houve, até agora, nenhum plano estadual forte de ação.
O relatório cita, ainda, o baixo índice de resolubilidade dos homicídios (em 2015 foi de apenas 24%), um dos motivos que levaram à troca na Delegacia Regional da Polícia Civil, em dezembro. Consta também crítica à soltura de envolvidos com o crime pelo sistema jurídico-prisional local.
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Ao mesmo tempo, reforça a condição de população carcerária abarrotada e que não oferece ressocialização: “Com um quadro destes e aliando-se interpretações legais excessivamente garantistas, o sistema jurisdicional, especialmente nas primeiras instâncias, acaba mantendo soltos indivíduos com histórico de crimes graves e cuja personalidade e vida social desaconselhariam a soltura caso houvesse um sistema propício de segregação provisória ou definitiva”.
Mencionado como palco dos homicídios, refúgio de assaltantes e foragidos, o bairro Jardim Paraíso ganhou um capítulo à parte na observação da PM sobre a ação do crime organizado.
Embora mapeie quem são os integrantes que agem no local, a PM faz duras críticas à carência de infraestrutura oferecida pelo poder público, com poucas ruas pavimentadas, ausência de tratamento de esgoto, imóveis de invasão em áreas de preservação permanente e inexistência suficiente de espaços de lazer aos jovens:
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“Esses dados mostram que há um ambiente propício ao desenvolvimento de atividades delituosas, uma vez que onde o Estado é ausente, ganham espaço grupos paralelos que pretendem fazer valer suas próprias leis, intimidando pessoas de bem e cometendo delitos”, ressalta o documento.