Pelo lado de fora, uma casa que parece abandonada. Por dentro, segredos que as paredes não contam. As manchas de sangue que estavam em alguns itens do imóvel, porém, indicavam que um crime havia acontecido. Foi o assassinato de Luna Gonçalves, menina de 11 anos morta em Timbó na última quarta-feira (13). 

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Para os vizinhos, muito mais que o local do homicídio, a residência era um verdadeiro “cativeiro” — como relatam os próprios moradores do entorno. 

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Luna vivia com a mãe, o padrasto, a irmã de seis anos e o irmão de nove meses, segundo apurou a Polícia Civil. O casal estava se relacionando há cerca de um ano, ainda conforme informações do delegado André Beckman, responsável pelo caso. Apesar de morarem durante meses em uma rua residencial do bairro Imigrantes, nem a mãe e muito menos os filhos eram vistos ou ouvidos pelos vizinhos. 

— Isso ali é um cativeiro. Ele [o padrasto] não deixava a mulher sair sozinha. Elas nunca eram vistas. A menina ia da escola para casa, só — conta uma vizinha que, por medo, prefere não se identificar. 

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Medo é a palavra mais ouvida quando a vizinhança é questionada sobre o companheiro da mãe de Luna. Ele, que cresceu na mesma casa em que estava morando até ser preso temporariamente na semana passada, teria um histórico conturbado na região. 

Conhecido na vizinhança pelo perfil explosivo e agressivo, não deixava que ninguém se aproximasse das namoradas que teve ao longo da vida. 

De acordo com a Polícia Militar, o homem de 41 anos tem passagens por crimes como violência doméstica, dano, lesão corporal e estelionato. Trabalha como professor de Jiu-Jitsu em academias da cidade. Por perder os empregos com a repercussão do caso, chorou diante do delegado.

— Chorou ao contar que do dia para noite não tinha mais nada e que era apontado na rua como culpado. A mãe, por outro lado, não demonstrou em momento algum emoção. Ficou o tempo todo olhando para baixo — conta André. 

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A mãe mudou a primeira versão apresentada ao saber que o companheiro seria preso temporariamente. Durante a confissão da mulher na sexta-feira (15), o homem permaneceu em silêncio. Inicialmente eles disseram que Luna havia caído da escada por conta de um gato, machucou-se, jantou, tomou banho e foi dormir. Depois da meia-noite, ao verem que a menina não estava bem, acionaram o socorro. 

Já era tarde. 

A médica que atendeu a vítima no hospital acredita que ela morreu quase quatro horas antes de chegar à unidade de saúde, ainda segundo repassado pelo delegado. 

Na casa, os vizinhos nunca viram felinos, apenas pássaros e três grandes cachorros, que agora recebem ração no portão para não passarem fome enquanto a residência permanece vazia.

A sensação de que não há ninguém no local não é nova para quem mora na redondeza. O mato que invade a calçada que leva ao imóvel, a cerca viva sem poda revestindo o muro e as janelas sempre fechadas dão a impressão de abandono.

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Cachorro de grande porte que pertence à família de Luna
Cachorro de grande porte que pertence à família de Luna (Foto: Patrick Rodrigues)

Controle 

Enquanto os mistérios do feminicídio envolvem a cidade de pouco mais de 45 mil habitantes, quem teve contato com Luna tenta encaixar peças em um quebra-cabeça que só pode ser montado pela Polícia Civil. 

A mãe de uma estudante que dividiu a sala com Luna conta que a vítima era muito quieta, de poucos amigos. Ou melhor, amigas, pois a pequena não podia se aproximar de meninos na escola. Na hora dos trabalhos em grupo ou dupla, pedia à professora para fazer com alguma companheira de classe, jamais do gênero oposto. 

O relato contrapõe a justificativa da mãe pelo suposto ataque de fúria que teve ao matar a filha. Ela teria dito ao delegado que a menina estava namorando no colégio e tendo relações sexuais. Na quarta-feira, ao demorar a voltar da padaria, a mãe afirmou que Luna apanhou após ter revelado que estava com o garoto. Revoltada com o fato, a mulher bateu nela a socos e chutes. 

Depois, deu comida, banho e colocou a criança para dormir. 

A perícia não encontrou vestígios de comida no intestino da menina, ou seja, ela não jantou aquela noite.  

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— Essa história não pode ser verdadeira, essa menina não conversava com ninguém, não saía dessa casa. Tinha medo de olhar para o lado. Ela era a última a chegar e a primeira a sair da escola, como se tivesse horário para estar de volta — avalia a mãe da aluna do 6º ano, que estudava com Luna.

Mesmo em dias quentes, Luna ia de calça e casaco para as aulas, como se precisasse esconder marcas na pele, cita a mãe da colega de classe da garota. A perícia pode indicar que havia hematomas antigos, algo que ainda não foi informado. 

As colegas de Luna também repararam que a estudante e a irmã passaram a faltar constantemente às aulas desde o começo de abril. A situação foi notada pela direção da escola, que questionou os responsáveis. Sem respostas satisfatórias, acionou o Conselho Tutelar no dia 12, conforme registros do próprio órgão. 

O Conselho também informou que nunca recebeu denúncia de maus-tratos e que a notificação para que os responsáveis comparecessem à escola chegou ao casal no dia em que Luna foi morta, 13 de abril. 

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Antes disso, o padrasto já havia ido à unidade de ensino para pegar o histórico escolar das crianças, pois planejava mudar de cidade. Como não teria apresentado o atestado de vaga do novo colégio, não recebeu o documento da instituição de Timbó. 

Luna tampouco via o pai biológico há meses. Ele teria dito que era impedido de visitar a filha. Já a ex-mulher garantiu que Luna não via o homem por falta de interesse dele. 

Cemitério em que o corpo de Luna foi sepultado.
Cemitério em que o corpo de Luna foi sepultado. (Foto: Patrick Rodrigues)

Violência sexual

O que os peritos já adiantaram é que a vítima tinha uma laceração na vagina, o que indica violência sexual. O autor do crime ainda é desconhecido, mas o nome do padrasto não é descartado. Neste momento do inquérito, várias possibilidades estão sendo analisadas. 

O delegado não revela algumas delas para não atrapalhar as investigações, mas está confiante de que as respostas serão dadas dentro do prazo legal de 30 dias. Os moradores de Timbó esperam por elas. E desejam justiça.  

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 — Alguma coisa precisa ser feita, não quero que mais nenhuma criança seja morta — pede uma das vizinhas. 

Relembre o caso

A menina foi encontrada morta na madrugada de quinta. 

O casal foi levado à delegacia e negou o crime. Eles disseram que a menina havia caído de uma escada ao tentar pegar um gato e que seguiu realizando as atividades normalmente após o acidente, até a hora de dormir. 

Mais tarde, Luna teria passado mal e então mãe e padrasto chamaram os bombeiros.

Ambos foram liberados pela polícia, mas no dia seguinte acabaram intimados novamente e a mulher confessou o assassinato. Os dois foram presos.

A perícia feita na casa onde o crime ocorreu encontrou marcas de sangue nas proximidades do quarto da criança, no sofá, em uma toalha, fronha e em uma calça masculina.

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