O dia ainda não havia clareado quando Avelina*, 36 anos, foi acordada por homens encapuzados. Com mandados judiciais, o grupo prendeu ela e o marido. “Mãe, liga para a polícia”, teria sugerido a filha do casal, de apenas cinco anos, sem se dar conta que eram policiais diante dela.

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Desde agosto do ano passado, a mulher está presa preventivamente no Presídio Feminino de Florianópolis aguardando sentença pelo crime de tráfico de drogas. Durante esse período, viu a filha em duas oportunidades. O choque de entrar numa unidade prisional deixou a menina doente e com insônia. Hoje, a criança recebe acompanhamento psicológico e está sob a guarda de uma das avós.

– Prejudicamos muito a nossa filha, tenho certeza que ela sofre mais do que nós e dói muito ver o sofrimento dela. Refleti sobre o erro e percebi que o dinheiro não compra a liberdade ou mata a saudade dos filhos – lamenta Avelina, que é uma das 278 detentas que aguardam sentença em unidades do Estado.

Considerando as mulheres que já foram condenadas, Santa Catarina têm 437 presas que são mães de crianças de até 12 anos – até esta idade, os pequenos têm de ficar aos cuidados de parentes ou em abrigos – segundo dados da Defensoria Pública. Além disso, o sistema prisional catarinense abriga pelo menos seis grávidas e três mães com bebês dentro da cela. A semelhança entre elas é que todas cumprem pena em prisões provisórias e sem condições adequadas para o público feminino.

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Todas as unidades do Estado que abrigam mulheres eram originalmente para homens. Em Florianópolis, por exemplo, o prédio já foi cadeia de político preso, serviu de ala psiquiátrica e abrigou o Presídio Masculino de Biguaçu. De modo geral, os pavilhões que foram desocupados pelos homens acabaram sendo adaptados.

Uma grávida presa em Florianópolis revelou informalmente que não recebe atendimento médico há alguns meses e que esse trabalho tem sido desempenhado por um enfermeiro. No entanto, o departamento prisional garante que elas são levadas ao posto de saúde quando precisam de consultas.

Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que a consciência sobre o atendimento especializado ao público feminino dentro dos complexos penitenciários, principalmente de gestantes e mulheres com bebês, ainda é recente no Brasil.

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– A cadeia não foi feita pensando em mulher. A situação ainda é complicada. A maior parte das unidades é antiga. A de Tubarão, por exemplo, nem deveria funcionar mais. Precisamos fazer como Minas Gerais, que tem espaços específicos para grávidas e mulheres que acabaram de ganhar o bebê – sugere a desembargadora Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, coordenadora do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Tribunal de Justiça de SC.

Relatório revela situação de complexo em Tubarão

O Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura, orgão ligado ao Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, inspecionou o Presídio Feminino de Tubarão em 2015. O relatório indicou uma série de precariedades estruturais e de atendimento. Na época, a rede elétrica e hidráulica estava comprometida, havia chuveiro instalado em cima do vaso sanitário, pouca circulação de ar e luz nas celas, além do forte cheiro do necrotério próximo ao complexo. “Foi possível constatar a condição de tratamento cruel, desumana e degradante”, descreve o relatório.

O prazo para adequação dos espaços era de oito meses. Segundo o gerente de apoio psiquiátrico do Departamento de Administração Prisional (Deap) de SC, Diorgenes Mello, hoje a unidade oferece atendimento interno com médico. O departamento pretende desativar a prisão assim que o novo presídio feminino ficar pronto.

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Em nota, a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (SJC) afirma que todos os ajustes solicitados no relatório foram feitos e a unidade de Tubarão está passando por constantes reformas. Sobre a nova unidade do presídio feminino, a ordem de serviço para a obra será lançada em outubro “para dar início a construção do novo espaço”.

Constatação de falta de creches e acompanhamento ginecológico 

Das 13 unidades que abrigam mulheres no Estado, apenas duas contam com berçário (Florianópolis e Itajaí). No entanto, nenhuma delas dispõe de creche, e as áreas de atendimento à saúde dificilmente possuem acompanhamento ginecológico. 

De acordo com o Deap, todas as prisões têm pelo menos um enfermeiro e uma sala de atendimento ainda que pequena. Quando as detentas precisam de atendimento ginecológico ou de outra especialidade, os agentes as escoltam até o posto do município. O gerente de apoio psiquiátrico do departamento, Diorgenes Mello, garante que consegue dar atendimento mensal a 80% das mulheres.

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O secretário-adjunto da Secretaria de Justiça e Cidadania, Leandro Lima, alega que a saúde dos presos também é responsabilidade do governo municipal e toma como argumento a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (Pnaisp). A política não obriga, mas orienta os municípios a visualizarem as cadeias como pontos da rede de saúde. Em cidades onde as prefeituras aceitaram cumprir esse papel, equipes médicas estão recebendo verba federal para prestar atendimento dentro das unidades. 

– A atenção básica é obrigação do município, assim as soluções vão se encontrando. Onde temos convênios, as equipes funcionam bem – defende.

Porém, a defensora pública responsável pela inspeção no presídio de Florianópolis, Caroline Kohler Teixeira, considera inadequada toda prisão que não tem uma sala equipada e profissionais de saúde especializados.

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– Na Capital, por exemplo, a estrutura é velha e não tem um lugar adequado para assistência. Hoje, elas estão entulhadas lá dentro. A unidade de saúde que existe no complexo penitenciário não é voltada ao público feminino – rebate.

Um mutirão feito pela Defensoria no primeiro semestre reavaliou os processos das presas e ajudou a desafogar o sistema reduzindo de mil para 964 o número de detentas no Estado. A ação ocorreu por meio de pedidos de progressões de regime, substituições de pena e conversões de prisões preventivas. 

Relatório aponta superlotação no Presídio Feminino da Capital Foto: Defensoria Pública / Reprodução

Inspeção detecta problemas na Capital

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 Em sua última inspeção ao Presídio Feminino da Capital, em junho deste ano, a Defensoria Pública e o Conselho da Comunidade constataram falta de higiene nos alimentos fornecidos durante as refeições, insuficiência de banheiros, superlotação e falta de cuidados com presas grávidas e com filhos. No dia da visita, uma detenta estava com o bebê dentro da cela comum, porque as mulheres que ocupavam o berçário seriam integrantes de facção.

– Mesmo o berçário não é adequado. Precisa ser mais equipado e com mais espaço – recomenda a defensora Caroline.

Os colchões se amontoavam nos corredores, por falta de vaga. A solitária era ocupada por três mulheres. As presas disseram à defensora que na cela do castigo não recebem roupa de cama, kit de higiene e não têm direito a consulta médica e banho de sol.

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Além disso, as grávidas que estão na unidade recebem a mesma alimentação das demais presas, que não conta com avaliação nutricional.

Para espanto da defensora pública, um enfermeiro justificou que as mulheres não recebem preservativos para as visitas íntimas porque “são obrigadas a utilizar anticoncepcional trimestral”, sem levar em consideração a importância da prevenção de doenças. O episódio foi destacado no relatório da vistoria.

A defensora solicitou interdição parcial da unidade ao Poder Judiciário exigindo que o limite de 58 vagas seja respeitado. Na quarta-feira, a unidade feminina estava 127,5% acima da capacidade (132 mulheres). O pedido não havia sido julgado até o fechamento desta edição.

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Sobre os problemas encontrados na vistoria, entre eles a qualidade da alimentação, a Secretaria de Justiça e Cidadania destaca em nota que existe um controle por profissionais de nutrição atendendo as recomendações clínicas nutricionais para garantir a alimentação saudável. Informa ainda que todos os presos têm defensores, que tem o direito de exigir providências do Estado.

Foto: Arte DC

Plano para acabar com prisões mistas

O secretário-adjunto da Secretaria de Justiça e Cidadania, Leandro Lima, garante que o Estado pretende desidratar as prisões femininas precárias e extinguir as mistas assim que as quatro unidades que estão em construção forem entregues. As presas devem ser realocadas na medida em que os novos complexos forem inaugurados.

A expectativa é de que o Presídio Feminino de Chapecó fique pronto até o final deste ano e o de Itajaí, até o primeiro trimestre do ano que vem. O Presídio Feminino de Joinville está previsto para o segundo semestre de 2018. As três unidades estão sendo construídas com recursos federais.

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A Penitenciária Feminina de Criciúma, primeira unidade para mulheres condenadas no Estado e construída com recursos estaduais, deve ser entregue até dezembro deste ano. As obras de uma quinta unidade, o novo Presídio Feminino de Tubarão, devem começar ainda este ano. 

O departamento promete renovar o sistema prisional feminino com mais de 1,3 mil vagas (286 em cada unidade, com exceção de Tubarão que terá 224).

STF aguarda relatório sobre cadeias

Após a Justiça Federal permitir que a mulher do ex-governador do Rio de Janeiro, Adriana Ancelmo, ré da Lava-Jato, cumprisse pena em casa para cuidar dos filhos, a discussão sobre o assunto fez órgãos de defesa aos direitos humanos movimentarem ações para que o mesmo benefício fosse concedido a mulheres de baixa renda, que não têm acesso a advogados particulares. A decisão foi tomada com base no Marco Regulatório da Primeira Infância, sancionado no ano passado, que orienta a substituição da prisão preventiva por domiciliar nos casos de grávidas e mães de crianças.

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O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ao Departamento Nacional Penitenciário (Depen) uma lista com o nome das mulheres grávidas e mães de crianças até 12 anos que estão presas cautelarmente.

A decisão do STF foi tomada após o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos apresentar habeas corpus não só pedindo a identificação das mulheres nessas condições, mas solicitando que as prisões sejam reavaliadas. O mérito deve ser julgado após o Tribunal receber o levantamento. O prazo de 60 dias concedido ao Depen termina no próximo domingo.

A desembargadora do Tribunal de Justiça de SC, Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, defende que os casos devem ser analisados pontualmente.

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– No caso da mulher do ex-governador, era tratado de um crime de corrupção, que não envolve violência. Mas a gente tem que sopesar isso, considerando que a criança não tem culpa pelo crime cometido pela mãe. Imagine uma mulher que cometeu um latrocínio, matou várias pessoas para roubar, e acaba tendo um bebê, está grávida. Como deixá-la ir para casa? É caso a caso – pondera.

A coordenadora de políticas para mulheres e promoção das diversidades do Depen, Susana Inês Almeida, reforça o fato de as unidades terem sido construídas para homens como obstáculo para humanizar espaços.

– A grande parte das unidades é mista, e as mulheres ficam com muito problema de acesso aos direitos e mesmo de convivência naquele ambiente. A gente tem que trabalhar isso – destaca.

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A representante do Depen ainda destaca que tem desenvolvido políticas públicas que permitam aparelhar os estados e promover espaços mais adequados às detentas.

Destaques do NSC Total