Técnico do Operário de Mafra, Edmar Heiler recebeu uma ligação incomum há quase dois meses. Do outro lado da linha, estava um suposto diretor do XV de Piracicaba, clube do interior de São Paulo. Não sabia sequer a competição que estava em curso, mas tinha a oferta de atletas. Depois disso, alguém com um número de telefone com o DDD da Bahia passou a abordar atletas se fazendo passar por Edmar. O golpe foi noticiado pelo jornalista Chico Vargas, da rádio CBN Diário (ouça a reportagem no fim da matéria).

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Golpista se faz passar por treinador de SC para enganar atletas

— Ele é tão carudo que me ligou antes de isso acontecer, alguém passou o número para ele. Respondi que não pegávamos jogadores de fora, porque o clube pega jogadores conhecidos, daqui, por empréstimo, e de Santa Catarina. Que não fazia transferência, que o clube nem tem condição de pagar transferência no registro. Não falou mais nada e depois estava usando a minha foto — relembra Edmar ao narrar como alguém passou a utilizar a sua identidade.

Poucos dias depois, na casa do técnico de 51 anos bateram dois jogadores, que ainda nutriam a esperança de que haviam sido contratados pelo time de Mafra que joga em Itaiópolis, 30km distante, no Norte de Santa Catarina. Assustada, a esposa de Edmar atendeu os jovens que haviam depositado o dinheiro da suposta transferência para vestirem a camisa do Operário.

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— Eles saíram do Rio de Janeiro e vieram para cá. Chegaram ao ponto de táxi em Mafra e perguntaram sobre o clube. Disseram que o time está em Itaiópolis, os meninos falavam que haviam sido contratados para jogar. Aí o taxista falou que a mulher do treinador morava próximo. Foram na minha casa e minha mulher levou um susto e me ligou, contou a história deles. Não vi os guris, mandei que fossem à polícia — completa.

Em 31 de julho, o Operário de Mafra publicou em sua página no Facebook um comunicado em que informava ter sido utilizado para golpes. Inclusive, o clube passou o número de telefone ainda utilizado para o golpe. O homem que se passava por Edmar no início da semana assumiu o nome de Agnaldo e outro clube em novo golpe, nos últimos dias.

Depois de fazer vítimas ao utilizar o Camboriú e o Guarani de Palhoça, o telefone do interior da Bahia ¿virou¿ o do técnico Agnaldo Liz, técnico do Hercílio Luz. Na tarde da última terça-feira, um atleta de 20 anos estava prestes a depositar R$ 900 para tal taxa de inscrição, quando ligou para a secretaria no estádio Anibal Torres Costa, em Tubarão.

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— Em um grupo do Facebook havia um pedido de clube por um lateral-direito. Entraram em contato comigo avisando que iriam passar meu contato para o técnico. Depois, ele me procurou. Falou que poderia me profissionalizar por R$ 900. Pediu para que eu depositasse o dinheiro. Disse que faria depois de falar com o clube, para saber se era verdade mesmo — conta Antônio Francisco Araújo.

Quem atendeu o jovem de São José dos Campos (SP) foi a secretária do Hercílio Luz. Foi o primeiro momento que o Leão do Sul soube que havia um falso treinador utilizando o clube para arrancar dinheiro de jogadores de futebol em busca de emprego e chance.

— Quem estava em contato com ele era um pessoa que dizia se chamar Agnaldo. Cobrava R$ 900 para inscrever o atleta na federação. Viria com a promessa de disputar a Série B, que não tem mais possibilidade de inscrição de jogadores, e para Copa SC, que nem há definição se vai haver a entrada do clube campeão da segunda divisão. Resta ao Hercílio Luz tomar as providências cabíveis: o registro de boletim de ocorrência, entrega de material à polícia e um comunicado oficial – descreve o diretor jurídico do Hercílio Luz, Fernando Lúcio Rodrigues de Souza.

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Durante a quarta-feira, o suposto treinador já informava que estava no Operário de Mafra. Enquanto isso, os clubes da segunda divisão de Santa Catarina se surpreendem com contatos de atletas enganados e lançam comunicados em seus sites e redes sociais. O golpe dura mais de um mês e ilude jogadores de futebol desempregados em diferentes regiões, esperançosos em encontrar time no período de mais raras oportunidades na bola no Brasil. O times catarinense são apenas o chamarizes.

— As vítimas não são os clubes, mas os atletas. Este é mais um caso da ânsia de entrar no futebol. Acontece no Brasil a fora casos como esse, de cobrar de atleta vaga no time. É repugnante tirar dinheiro de quem nem tem de onde tirar, brincar com sonhos — diz Luiz Henrique Ribeiro, presidente da Associação dos Clubes de futebol de Santa Catarina.

Como é feito o golpe

O golpista se faz passar por treinador de futebol e está em captação de jogadores para o clube que supostamente trabalha. Com perfil falso, ele publica anúncios em redes sociais à caça de atletas desempregados. É simples: diz que há oportunidade de disputar a segunda divisão do Campeonato Catarinense e pede para deixar o número de telefone nos comentários. Ou procura por atletas desempregados – como ocorreu com Felipe Linhares, depois que o suposto técnico esteve em contato com um tipo. A partir do contato por meio do aplicativo Whatsapp, pede material como imagens e currículo.

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Com o andamento da conversa, vem o pedido do depósito do que seria o valor da inscrição, alegando que o prazo está próximo do fim na Série B do Catarinense – encerrou no dia 18. O valor de R$ 900 ainda é bem inferior ao custo do registro para vínculo com clube. No caso dos atletas do Rio de Janeiro, um clube da Segundona de Santa Catarina teria de arcar com cerca de R$ 3,5 mil por atleta pela inclusão no Boletim Informativo Diário (BID). O homem que se apresenta como treinador se contenta com menos de um terço.

Depois do dinheiro depositado, passa a ser vago e evasivo. O suposto técnico informa que estão por ser enviadas as passagens por e-mail, sem precisar dia e hora. É o último contato antes de deixar de responder as mensagens e sumir, em busca de outras vítimas.

Depois de se passar como treinador do Camboriú, Edmar passou a usar o nome do Guarani de Palhoça, dizendo que estava no comando técnico, como relata o atual treinador do time, Sérgio Ramirez.

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— Se os jogadores estivessem me contatado por telefone, veriam que não era eu quem estava falando, pois estou há 40 anos no Brasil e ainda mantenho um sotaque espanhol. Mas como era tudo escrito, ele acabou enganando os jovens. Eu tentei contatá-lo pelo telefone, mas me bloqueou — comenta o uruguaio.

Tudo isso começou há mais de um mês em Mafra, no norte de Santa Catarina. O técnico Edmar Heiler, do Operário de Mafra, clube que também disputa a segundona catarinense, teve seu nome usado pelo falso empresário.

— Na verdade ele usou a minha foto no Whatsapp dele, e ficava dizendo que era empresário e seduzia os jogadores e cobrava uma taxa de transferência, um absurdo — declarou Edmar.

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Presidente da Associação dos Clubes de Santa Catarina, Luiz Henrique Ribeiro, informou que ações serão tomadas contra os golpes do falso treinador. O dirigente alerta que clubes e jogadores devem ter cuidado redobrado.

— Nós repudiamos e chamamos atenção aos gestores de futebol por fatos lastimáveis como esse, que infelizmente não acontecem só no futebol. Vamos acompanhar as investigações para apurar os autores do estelionato.

Todos os envolvidos fizeram boletim de ocorrência em suas localidades. O falso técnico foi procurado pela reportagem, mas não respondeu nem por mensagens de texto e nem por ligação telefônica.

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