Encontrada morta na sexta-feira em uma construção no bairro Ingleses, no Norte da Ilha de Santa Catarina, a vendedora Jennifer Celia Henrique, 37 anos, havia registrado dois boletins de ocorrência (BOs) em delegacias de polícia de Florianópolis relatando ter sido vítima de injúria, homofobia e agressão. A transexual é a 43a vítima de homicídio na Capital neste ano.

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O primeiro caso ocorreu em março de 2013. Ela comunicou à 8ª DP que foi vítima de homofobia ao ser agredida e xingada quando caminhava em frente a um hotel em Ingleses. No relato, Jenni, como era conhecida, conta que chegou a desmaiar com as agressões.

O outro boletim ocorreu em 2016, por crime de injúria, e foi registrado na Delegacia da Mulher, no bairro Agronômica. Nesse caso, relatou ter sido agredida por um homem que morava nas proximidades de sua casa, no Santinho. “O autor costuma frequentar os mesmos lugares que ela, e sempre tenta impedir a entrada da comunicante, xingando-a e expulsando-a, sendo que já chegou a agredi-la fisicamente”, narra o BO registrado por ela em 2016.

A advogada Margareth Hernandes, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB/SC, conhecia a vítima. Ambas faziam trabalho voluntário na Serte, entidade social com sede no Norte da Ilha. Conforme ela, cerca de dois meses atrás Jenni a procurou relatando que havia sido vítima de homofobia, ameaças e agressão. Na época, a orientação foi registrar um boletim de ocorrência. Após a morte da transexual, Margareth afirma que soube por outra colega que Jenni havia relatado ter sido abusada e agredida recentemente – não há registros na polícia sobre esse caso. A representante da OAB/SC afirma que, pela experiência na área, há chances de o crime ter relação com a transfobia.

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Delegado descarta crime de gênero

O delegado Ênio Mattos, titular da delegacia de Homicídios de Florianópolis, afirmou poucas horas após o corpo ter sido encontrado que a motivação do assassinato da transexual “foi uma transa mal acertada”. Segundo a Polícia Civil, Jennifer teria sido morta a pauladas. Questionado se o assassinato pode ter relação com a orientação de gênero da vítima, ele refuta a hipótese:

– Não tem nada a ver. Se tivesse a ver, não teriam levado para um canto escuro para matar. Mataram dentro de uma construção, com pauladas na cabeça. Foi uma transa mal acertada.

O delegado afirmou ainda que não tem suspeitos do crime e não sabe dizer se havia uma ou mais pessoas no local do homicídio. No momento em que falou com a reportagem, ele seguia para Itajaí tratar de outro caso.

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Questionado sobre a identidade da vítima, Ênio se apressou em dizer que “Jennifer é o nome de guerra”. Depois, completou: “É um homem, não é mulher. É um homem”. A vítima se autodeclarava transexual, era tratada pela família e amigos como Jennifer e engajada em movimentos que defendem os direitos de homossexuais e transexuais.

O delegado-geral de Polícia Civil de SC, Artur Nitz, foi procurado para comentar as declarações de Ênio e a rapidez do investigador ao chegar a uma conclusão, mas não quis se manifestar sobre o assunto.

De acordo com a advogada Margareth Hernandes, há dificuldade para a polícia caracterizar o crime de homofobia:

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– Infelizmente, o crime de homofobia ou transfobia é muito difícil de provar, por isso a maioria dos policiais opta por não acreditar que esse crime existe – avalia.

Margareth colocará a comissão à disposição da família de Jennifer para acompanhar as investigações. A comunidade do Norte da Ilha fará uma manifestação neste sábado pedindo justiça pela morte.

Necropsia do IGP vai determinar causa da morte de Jenni

Marcos Aurélio Lima, gerente de medicina legal do Instituto Geral de Perícias (IGP), explica que foram feitos exames traumatológico e uma dosagem de exame toxicológico em Jenni. Ambos vão compor o exame de necropsia, que vai determinar a causa mecânica da morte da vítima. O exame já foi realizado e o resultado sairá na semana que vem para ser juntado ao inquérito presidido pelo delegado Ênio Matos.

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– A gente faz o exame traumatológico e solicita ao laboratório um exame toxicológico, com a retirada do sangue e da urina, se ela estiver presente.

Quem era Jenni

Nas redes sociais, onde a morte de Jenni tem enorme repercussão, amigos e familiares da vítima afirmam que o assassinato teve motivações preconceituosas, intolerantes e de transfobia.

Ela tinha forte atuação em movimentos de causas de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), além de ser muito conhecida em Ingleses e Santinho, onde morava com seus pais. Jenni trabalhava como revendedora de uma marca de cosméticos.

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Seu corpo foi velado na sexta-feira, na Capela Mortuária do bairro. O enterro está previsto para acontecer neste sábado às 9h. Um dos principais nomes do movimento LGBT e trans do país, a cartunista Laerte Coutinho publicou em seu Facebook sobre a morte de Jenni: “Assassinam. Nos assassinam”.

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