O americano Jesse Owens é um daqueles deuses do esporte que povoam nosso imaginário quando uma Olimpíada se aproxima. Se Carl Lewys e Usain Bolt conquistaram ouros e quebraram recordes no atletismo, Jesse fez mais.

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Jesse Owens enfrentou Hitler em pleno Estádio Olímpico de Berlim nos jogos de 1936, pulverizando a tese acéfala da supremacia ariana defendida com ódio pelo nazismo.

Mas, ao voltar pra casa, Jesse seguiu sendo vítima da intolerância. Não foi sequer recebido na Casa Branca como um herói nacional. Tampouco teve no ouro conquistado uma carta de alforria que lhe permitisse transitar por onde bem entendesse. A pele negra continuou lhe impondo a sina da segregação.

Os tempos não eram de patrocínios milionários aos campeões olímpicos, e Jesse precisou fazer exibições dantescas para sobreviver. Evitou a miséria correndo contra cavalos em hipódromos interioranos dos Estados Unidos, para delírio de branquelos abonados que lhe pagavam bons cachês.

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Ronaldinho é fruto de outra era. Já nasceu na época em que os gênios do esporte têm a fortuna como destino inevitável. A cada piscar de olhos, quantias polpudas de dólares, euros, libras e reais jorram em suas contas bancárias. Colheita justa que o seu talento semeou.

Mas quando se submete a jogar amistoso no Peru, no Equador, na Guatemala ou um torneio de futsal na Índia por mais um punhado de dinheiro, Ronaldinho corre contra cavalos como um dia Jesse correu. Com a imensa diferença de que não faz para ter o que comer, mas sim para fermentar ainda mais o que já é gigante e inesgotável.

R10 deveria proteger mais a mística que construiu durante a carreira que nem sequer teve o fim oficialmente anunciado. Antes de sair por aí feito um mambembe, que faça uma grande despedida, como um dia Pelé, Zico, Romário, Ronaldo e outros gigantes fizeram. É esse o tamanho do filho da Dona Miguelina.

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Não poderá ser no clube do berço, pois a avareza de outrora impregnou uma mágoa invencível na alma da torcida que um dia ele chamou de sua. Mas há um mundo de possibilidades para que o seu fim seja consagrador. O planeta lhe deve tal gratidão.

Ronaldinho ainda é um ser totêmico, mas quando topa tudo por dinheiro corre o risco de se transformar em um personagem banal. Que aplique um chapéu ou um elástico na ganância, para que o mito sorridente não vire uma simpática foca amestrada que corre contra cavalos.

*ZHESPORTES

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