A maior parte das ideias que temos sobre vikings, mitologia nórdica e paganismo escandinavo não vem do período em que eles viveram, mas de textos medievais posteriores e de releituras feitas ao longo de séculos. Agora, estudiosos mostram como essa herança reconstruída moldou identidades culturais, políticas e até religiosas.

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Filmes, séries, livros e movimentos neopagãos ajudaram a fixar uma versão romantizada desses povos, enquanto novas pesquisas revelam que o passado é muito mais complexo, e menos heroico, do que imaginamos.

O que realmente sabemos sobre os vikings

As crenças populares sobre os vikings são, em grande parte, fruto de interpretações tardias. Pesquisadores lembram que quase nenhum texto original foi preservado, apenas inscrições rúnicas breves, e que a maior parte do que conhecemos vem de autores cristãos que escreveram séculos depois. Isso significa que muitos relatos não refletem diretamente a vida e as crenças do período.

Com o tempo, essa lacuna histórica abriu espaço para narrativas influenciadas por visões religiosas, políticas e culturais. Obras da Idade Média, ao reinterpretar tradições pagãs, criaram bases que influenciariam gerações futuras. Assim, boa parte do “mundo viking” que consumimos hoje nasce de uma memória reconstruída, não de documentos contemporâneos.

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A cultura pop intensificou esse processo. Séries, videogames e museus consolidaram figuras como o guerreiro destemido, o explorador audacioso e o pagão livre de amarras religiosas, uma síntese que conversa mais com a imaginação moderna do que com o registro histórico real.

Como os vikings viraram heróis modernos

A imagem atual dos vikings costuma ser extremamente positiva: guerreiros honrados, navegadores excepcionais e membros de sociedades supostamente igualitárias. Pesquisadores explicam que essa visão se tornou especialmente atraente em um mundo em busca de raízes identitárias e valores “autênticos”.

Movimentos neopagãos reforçaram essa percepção, adotando o paganismo escandinavo como prática espiritual e cultural. Para muitos grupos, os vikings representam liberdade, força e uma ligação direta com tradições pré-cristãs. Porém, essa leitura tende a ignorar aspectos fundamentais do período, incluindo a violência dos ataques e a complexidade das estruturas sociais.

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A idealização também aparece em iniciativas políticas e culturais. A Rota Cultural Viking, por exemplo, promovida pelo Conselho da Europa, transformou a herança viking em um elemento identitário unificador,reforçando novamente uma narrativa positiva e, muitas vezes, simplificada.

A viagem das Valquírias: do mito às óperas e games

A mitologia nórdica foi moldada por reinterpretadores influentes ao longo dos séculos. Obras como a Edda, escrita no século XIII, ajudaram a registrar narrativas de deuses e heróis, mas já refletiam uma visão medieval. 

Nos séculos seguintes, autores como Jacob Grimm e figuras políticas como Bismarck reinterpretaram essas histórias conforme seus próprios contextos.

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Um exemplo emblemático é a Valquíria de Richard Wagner. A ópera O Anel do Nibelungo transformou essas figuras em guerreiras imponentes, uma imagem que domina até hoje capas de álbuns, cartas de jogos e produções de fantasia. 

No entanto, pesquisas mostram que nas fontes originais as Valquírias tinham papéis variados: podiam intervir em batalhas, servir hidromel no além ou ser amantes de heróis humanos.

A versão guerreira e hipersexualizada que prevalece hoje é apenas uma das muitas camadas que a personagem assumiu ao longo dos séculos, resultado direto de interpretações artísticas e culturais muito posteriores ao período viking.

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Quando o mito vira política: usos e abusos do “Norte pagão”

A mitologia nórdica também foi instrumentalizada politicamente. No século XIX e XX, movimentos nacionalistas e, mais tarde, ideologias extremistas reinterpretaram textos antigos para reforçar discursos raciais e identitários. O exemplo mais marcante é o uso distorcido desses mitos pelo regime nazista, uma apropriação que ainda deixa rastros em grupos extremistas atuais.

Hoje, porém, a recepção desses mitos é muito mais diversa. Pesquisadores destacam que o interesse contemporâneo engloba desde estudos acadêmicos até manifestações culturais, grupos religiosos variados e fãs de cultura pop, mostrando que o “Norte pagão” se tornou um símbolo multifacetado.

Projetos acadêmicos recentes analisam como essas memórias culturais ajudaram a moldar identidades europeias. Conferências e pesquisas internacionais investigam gênero, território, recepção histórica e o papel da mitologia na formação de narrativas sobre quem somos, e quem imaginamos ter sido.

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