Basta uma caminhada pelas ruas do Centro Histórico de Florianópolis para perceber o tratamento diferente que alguns dos principais prédios públicos da história do município recebem dos órgãos que devem mantê-los. Pelo entorno da Praça XV de Novembro, nas ruas onde nasceu a Capital de Santa Catarina, as edificações que ajudam a contar essa história se dividem entre bem conservadas, em obras e quase abandonadas.

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Por mais que exista a vontade de reformar e revitalizar muitos dos bens, muitas vezes isso esbarra em falta de dinheiro e outros imbróglios burocráticos que transformam obras de restauração em verdadeiras novelas. A Hora deu um passeio pela região central de Florianópolis para saber como andam os cuidados do poder público com o patrimônio material da cidade. Herança cultural e arquitetônica que, segundo especialistas, precisa ser preservada, sob pena de sonegar de gerações futuras um pouco da identidade açoriana que deu origem ao povo florianopolitano.

O professor Francisco do Vale Pereira, historiador membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC), avalia que falta nos governantes responsáveis por manter o patrimônio público a “consciência em fazer um trabalho preventivo nas edificações”. Muitos, entende, empurram projetos com a barriga durante anos, acabam por perder recursos disponíveis em outras esferas e não recuperam imóveis históricos que acabam perecendo com o passar dos anos. Uma cidade sem história, pontua Pereira, acaba por se tornar “esquecida”.

— Além de revitalizar esses prédios, de preservá-los, é também preciso ocupá-los, trazer manifestações culturais para o entorno deles, estabelecer locais de ação e desenvolvimento cultural, para assim dar mobilidade e dinâmica para a ocupação desses espaços pela população — observa o professor.

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Mesma visão tem o inglês Philipe Delacy White, 56 anos, que passa o verão em Garopaba e na última semana foi conhecer o centro histórico de Florianópolis. Na companhia de um brasileiro, gostou do que viu no Palácio Cruz e Sousa, por exemplo. Na Catedral Metropolitana de Florianópolis, por onde a cidade se espalhou pelo entorno, contudo, reclamou da falta de informações no prédio referentes às datas de construção, reformas e outras informações sobre a história de um dos mais conhecidos e belos bens públicos de Florianópolis.

— Em geral, no Brasil, cidades históricas e bens dessas cidades não têm a devida atenção que deveria dos governantes. E isso é muito ruim, porque a gente quer conhecer os detalhes dessa história e, muitas vezes, sai sabendo menos do que quando chegou — afirma Philipe.

Diferenças

No Largo da Alfândega, dois prédios representam o paradoxo com que é tratado o patrimônio histórico de Florianópolis: de um lado, o Mercado Público Municipal, cuja restauração foi concluída em 5 de agosto de 2015, com uma grande festa que devolveu à população manezinha um dos símbolos da cidade. A poucos metros dali, o Casarão da Alfândega, com 141 anos de história, destoa na paisagem da região. Com as paredes pichadas e descascadas, o prédio aguarda o Instituto de Planejamento Histórico e Artístico Nacional (Iphan) concluir o projeto global de restauração, que visa recuperar a estrutura e devolver algumas de suas feições originais.

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Chefe da Divisão Técnica do Iphan em Santa Catarina, Regina Helena Meirelles Santiago afirma que o projeto de restauração está em andamento com recursos do Iphan através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das cidades históricas.

— Após a finalização do projeto é que teremos estimativa de valor e possível previsão de execução da obra — explica.

Em obras

Na Rua Rafael Bandeira, onde outros bens de grande valor estão, se encontra ainda o Museu Victor Meirelles, tombado como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Foi no sobrado, com características tipicamente luso-brasileiras, que nasceu o pintor e desenhista Victor Meirelles. O casarão do século 18 está em obras de restauração e ampliação desde abril de 2016. Os recursos também vêm do PAC Cidades Históricas e a expectativa é de que as obras sejam concluídas até dezembro de 2017. O prédio principal vai se integrar ao prédio vizinho, que é da década de 50, e ampliar assim o espaço do museu.

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A Casa de Câmara e Cadeia, de propriedade do município, também está em obras. A restauração já deveria estar pronta desde o ano passado, mas questões técnicas, como as escavações arqueológicas que não estavam previstas, e a questão orçamentária, pois a prefeitura de Florianópolis tem dificuldades em cumprir com sua parte na contrapartida do investimento, de cerca de R$ 2,9 milhões (o restante dos recursos, R$ 6,4 milhões, veio do Iphan através do Fundo Nacional de Cultura).

O Iphan afirma que a obra tem conclusão prevista para julho de 2017. Já a prefeitura, por meio do secretário de Obras Luiz Américo Medeiros, explica que não será possível cumprir o prazo devido às dificuldades financeiras do caixa municipal.

— Vamos ter que buscar outras parcerias para concluir a obra, outros tipos de financiamento. Não será possível terminar a restauração até julho — avisa Américo.

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Palácio e escola

Propriedade do Estado, o Palácio Cruz e Sousa é um dos prédios históricos em melhores condições na cidade. O nome do local é um tributo ao poeta ilhéu Cruz e Sousa. Foi construído em meados do século 18, e por muito tempo serviu como residência e local de trabalho dos presidentes da província e, depois, governadores. Tombado pelo patrimônio histórico do Estado e pelo município, desde 1986 abriga o Museu Histórico de Santa Catarina.

— Eu vinha bastante aqui quando era pequena, e agora estou trazendo os meus filhos para conhecerem. Eles precisam saber a história da cidade deles — diz Maria Catarina da Luz, 38 anos, que apresentou o palácio aos filhos Miguel, 4 anos, e Maria Regina, 15 anos.

Em 2016, o Palácio Cruz e Sousa passou por uma revitalização com restauro de alvenarias, esquadrias (madeira), revisão de calhas e telhado, além de pintura da fachada. Internamente, foram feitas obras de manutenção pontuais para correção de infiltrações.

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Não tão longe da antiga morada de ex-governadores e um dos palcos da Novembrada em 1979, outro prédio do Estado está na mão inversa do Cruz e Sousa. O prédio da antiga Escola Antonieta de Barros (antes também chamado Colégio Dias Velho), na Rua Victor Meirelles, agoniza.

A edificação, que em seu último funcionamento homenageava a primeira deputada estadual negra do país e primeira deputada mulher do estado de Santa Catarina é talvez o prédio histórico em piores condições no centro, com as paredes pichadas, vidros quebrados e o interior por vezes invadido. Está abandonado há quase 10 anos, desde que a escola teve as atividades suspensas.

Responsável pelo prédio, a Secretaria de Estado da Educação, através da assessoria de imprensa, diz que vem buscando, há mais de dois anos, parceiros para a recuperação do prédio e transformá-lo em um centro de formação. Porém, afirma, todos os parceiros que se dispõem a ocupá-lo solicitam apoio financeiro, que a pasta não tem como atender no momento. O prédio da antiga escola é tombado pelo patrimônio histórico do Estado, o que dificultaria a recuperação, estimada hoje em mais de R$ 2 milhões, segundo a Secretaria de Educação.

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TAC, Casa José Boiteux e Catedral

Inaugurado oficialmente em 1875, o Teatro Álvaro de Carvalho (TAC) nasceu como Teatro Santa Isabel, em homenagem à Princesa Isabel. Através de uma resolução, em 2 de julho de 1894, passou a chamar-se Teatro Álvaro de Carvalho, nome do primeiro dramaturgo catarinense. Desde janeiro de 2016, o TAC passa por obras de manutenção/conservação.

As intervenções foram quanto à pintura interna e externa, manutenção de calhas e rufos, recuperação de passarelas e escadas sobre o palco, porta da saída de emergência, guarda-corpo da sacada e restauração de piso de parquet, lustres e portas do Salão Nobre. O teatro, na Rua Marechal Guilherme, segue em obras no mês de fevereiro. A programação do ano no teatro ainda não está disponível no site da Fundação Catarinense de Cultura (FCC).

Mesmo assim, pessoas como a uruguaia Carla de Leon, 45 anos, e sua enteada, Maria Pula, 21 anos, que veraneiam em Ponta das Canas, norte da Ilha, podem se deliciar com os traços arquitetônicos da edificação, bem como em outros prédios do centro, como ambas fizeram em uma manhã chuvosa de fevereiro. Apreciadoras de áreas centrais em todos os locais que visitam, acreditam que Florianópolis tem muita de sua história conservada, mas ponderam que outros prédios, como o Casarão da Alfândega, poderiam estar em melhores condições.

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— Venho a Florianópolis há 14 anos, e sempre reservo um tempo para vir ao centro. Gostei da reforma do Mercado Público, ficou muito bonito. Já outros prédios precisam do mesmo cuidado que tiveram com ele — destaca Carla.

Tombada como patrimônio histórico estadual e municipal, a Catedral Metropolitana de Florianópolis é um dos principais cartões postais da cidade, já que foi do seu entorno que a cidade cresceu e se desenvolveu. Em 2005 teve início obra de restauração no local. Três etapas da reforma foram concluídas, o que fez com que em 2009 fosse instalada uma placa comemorativa ao restauro e revitalização do bem histórico. Alguns trabalhos pontuais ainda precisam ser feitos na Catedral antigamente chamada de Nossa Senhora do Desterro.

Já a Casa José Boiteux, na Avenida Hercílio Luz, passou por restauração completa em 2010. Está em estado de conservação regular, com problemas pontuais já diagnosticados pela FCC, em maior parte ocasionados por infiltração. O orçamento para os trabalhos já foi encaminhado, mas ainda não há prazo para início das obras.

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