Na produção de cafés especiais, os grãos precisam ser praticamente perfeitos. Só entra é aprovado quem passa de 80 pontos em degustações às cegas.

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Quebrados, mofados, malformados, picados por insetos ou ainda verdes são descartados antes mesmo da torra. Os verdes, em especial, costumam dar à bebida um gosto áspero, meio seco, que incomoda no final da xícara.

Mas um grupo de cientistas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) resolveu desafiar essa lógica. No campus de Patos de Minas (MG), eles conduziram uma série de experimentos com a cultivar Arara, uma variedade de Coffea arabica lançada em 2012 pela Fundação Procafé, e mostraram que, com fermentação bem feita, até fruto imaturo pode virar café top de linha.

O estudo testou o uso de grãos verdes misturados aos maduros em fermentações controladas. O resultado foi surpreendente: em vários testes, as bebidas alcançaram, e em alguns casos até superaram, a qualidade sensorial dos cafés feitos só com frutos maduros.

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Fermentação que transforma

A chave está na chamada fermentação anaeróbica autoinduzida (SIAF). O método consiste em colocar os frutos em barris vedados logo após a colheita, criando um ambiente sem oxigênio por até 96 horas. Sem interferências externas, os próprios microrganismos presentes na casca do café dão início ao processo, modificando o sabor e aroma do grão.

Luiza Braga, pesquisadora da UFU e primeira autora do estudo, afirma que o método não só corrige o impacto negativo dos grãos verdes como também adiciona camadas sensoriais à bebida.

“É uma forma de agregar valor já na lavoura, com estrutura simples e baixo custo”, explica em entrevista à Agência Fapesp.

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A coordenadora do projeto, a professora Líbia Diniz Santos, reforça que a técnica ainda é pouco usada pelos produtores, mas vem despertando o interesse de quem busca diferenciação no mercado.

“É um tipo de fermentação que pode levar o café para outro patamar, inclusive em termos de preço”, destaca Santos.

Tecnologia aliada do sabor

Para garantir precisão no processo, a equipe desenvolveu um sistema eletrônico com sensores que monitoram, em tempo real, o pH e a temperatura dentro dos barris. Nada de abrir o recipiente e alterar a fermentação. Tudo é feito com controle total, do início ao fim.

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Um detalhe curioso: durante os testes, os melhores resultados apareceram quando a temperatura ambiente foi mantida em torno de 27 °C. As amostras avaliadas com essa condição chegaram a receber notas mais altas do que aquelas feitas exclusivamente com frutos maduros.

A proporção de grãos verdes nas amostras finais ficou entre 13% e 30%. Os cientistas alertam que, se a quantidade ultrapassasse esse limite, mesmo com fermentação, o sabor poderia ser comprometido. A triagem continuou seguindo os critérios da Specialty Coffee Association (SCA), então nada de grão quebrado, mofado ou miúdo.

Com apoio de uma ferramenta de inteligência artificial desenvolvida pelo próprio grupo, foi possível calcular que cerca de 70% dos frutos colhidos estavam verdes. A IA ajudou a organizar os lotes e prever as melhores combinações para cada fermentação.

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Novos caminhos

O estudo mostra que a fermentação pode ser uma alternativa para aproveitar melhor a safra, reduzir perdas e, ao mesmo tempo, criar cafés únicos, com perfil sensorial diferenciado. O próximo desafio dos pesquisadores é entender melhor os compostos químicos gerados durante o processo e como eles influenciam aroma e sabor.

A ideia é também testar a SIAF em outras variedades de café. Por enquanto, a cultivar Arara se mostrou uma ótima candidata: tem boa produtividade, é resistente a doenças e rende uma bebida com notas cítricas marcantes e corpo intenso.

Em vez de ver o grão verde como problema, o estudo propõe uma nova visão: com técnica, ele pode virar oportunidade. E café especial.

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