Um pequeno forno a lenha branco domina a praça em frente à Basílica de São Pedro. Dali saem nuvens de fumaça que, há séculos, fazem o planeta prender a respiração: preta quando o colégio de cardeais ainda não chegou a um consenso; branca quando o mundo pode finalmente ouvir o “habemus papam”. À primeira vista, o ritual parece inalterado desde a Idade Média, mas por trás da chaminé da Capela Sistina há histórias de impasses épicos, manobras políticas e viradas relâmpago.
Continua depois da publicidade
Clique e participe do canal do Hora no WhatsApp
Siga as notícias do Hora no Google Notícias
Enquanto a Igreja se prepara para seu próximo conclave, após a morte do papa Francisco, vale revisitar os extremos desse processo. Nesta reportagem, mostramos por que o conclave pode ser tão rápido quanto um suspiro — ou tão longo que inspire mudanças permanentes nas regras da própria Igreja.
Continua depois da publicidade
Qual foi o Conclave mais longo e o mais curto da história?
Do “cum clave” à fumaça na chaminé
A palavra conclave vem do latim cum clave (“com chave”): os cardeais literalmente se trancam na Capela Sistina — sem celulares, TV ou internet — até que alguém alcance a maioria de dois terços. Todas as comunicações externas são bloqueadas para impedir pressões políticas, prática que remonta à Idade Média.
O maratônico Conclave de Viterbo (1268‑1271)
Início | Fim | Duração | Papa eleito |
---|---|---|---|
29 de novembro de 1268 | 1º de setembro de 1271 | 2 anos e 10 meses (34 meses) | Gregório X |
- O impasse: uma feroz disputa entre cardeais franceses e italianos travou a votação; nenhum bloco atingia a maioria.
- Medidas de pressão: para apressar a decisão, os magistrados de Viterbo racionaram comida, lacraram portas e arrancaram o teto do palácio episcopal, expondo os purpurados ao sol e à chuva.
- Legado: Gregório X, uma vez eleito, instituiu a bula Ubi periculum (1274), base das regras modernas do conclave: isolamento, cédulas secretas e obrigação de permanecer “enjaulados” até o resultado.
Continua depois da publicidade
Outros conclaves quase tão longos: o de 1314‑16 (João XXII) e o de 1415‑17 (Martinho V); ambos ultrapassaram dois anos, também em meio a turbulência política e cismas.
O relâmpago de 1503: horas para escolher Júlio II
- Data: outubro de 1503
- Duração: menos de um dia — estima‑se entre 10 e 15 horas.
- Contexto: cardeais já chegavam inclinados a eleger Giuliano della Rovere (Júlio II), líder carismático que financiara diversas obras e gozava de apoio militar. A votação foi praticamente unânime na primeira rodada.
Para comparar, os conclaves contemporâneos raramente passam de três dias:
- João Paulo II (1978) — 3 dias
- Bento XVI (2005) — 2 dias
- Francisco (2013) — 2 dias
O direito de veto que já existiu — e foi extinto
Até 1903, monarcas católicos podiam exercer o Jus exclusivae (“direito de exclusão”) e barrar um nome. O último veto partiu do imperador austro‑húngaro Francisco José I, contra o cardeal Mariano Rampolla. O conclave então escolheu Giuseppe Sarto, o futuro Pio X, que aboliu o privilégio.
Continua depois da publicidade
Sinais de fumaça: tradição desde 1878
A chaminé instalada no teto da Capela Sistina passou a marcar o resultado a partir da eleição de Leão XIII. Fumaça preta indica voto inconcluso; fumaça branca, “habemus papam”. Antes disso, sinos ou mensageiros faziam o anúncio.
Outros números e curiosidades
- Maior colégio eleitor: 115 cardeais em 2005 (Bento XVI).
- Nem todo papa era cardeal: Urbano VI (1378) era arcebispo, não cardeal, quando escolhido — fato que desencadeou o Grande Cisma do Ocidente.
- Roupa sob medida: a alfaiataria romana Gammarelli costura três batinas (P, M, G) para vestir o eleito minutos depois da decisão, tradição iniciada em 1566 quando Pio V manteve seu hábito dominicano branco.
Por que importa?
A morte do papa Francisco em 21 de abril de 2025 recoloca o mundo católico diante de um ritual que combina mística, política e história. Saber que já se levou quase três anos — ou apenas algumas horas — para chegar a um nome ajuda a dimensionar a tensão que paira agora sobre a Capela Sistina. Se as lições de Viterbo valem, isolamento e regras claras podem conter impasses; mas, como mostrou o conclave de 1503, consensos surpreendentes também podem acelerar a fumaça branca.
Continua depois da publicidade
Leia também
Conclave em detalhes: veja como funciona a eleição do novo papa
Conclave: onde assistir e tudo sobre o filme que mostra como é a eleição de um novo papa