Uma auditoria operacional do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC) identificou uma série de fragilidades na governança, na estrutura administrativa e no processo de credenciamento de médicos, psicólogos e clínicas do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-SC). O levantamento avaliou dados de 2022 a 2024 e apontou riscos como acesso indevido aos sistemas, deficiência de pessoal, vulnerabilidades tecnológicas, possibilidade de fraude e demora no julgamento de recursos de multas.

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A decisão do TCE foi aprovada na sessão do Pleno de quarta-feira (19), e determina que o órgão e o Conselho Estadual de Trânsito (Cetran-SC) apresentem, em até 60 dias, planos de ação com prazos, responsáveis e medidas para corrigir os problemas. O processo tem relatoria do conselheiro José Nei Alberton Ascari.

Segundo o relatório da Diretoria de Atividades Especiais (DAE), o Detran apresenta ausência de elementos essenciais de governança, falhas no controle interno e sistemas vulneráveis. Entre os pontos levantados estão: falta de gestão de riscos institucionalizada; exposição a fraudes e uso indevido de dados sensíveis; carência de servidores e alta rotatividade de terceirizados; insuficiência de fiscalização de credenciados; déficit de fiscalização nas Juntas Administrativas de Recursos de Infrações (JARIs) e no Cetran/SC; fracionamento de sessões do Cetran, o que pode gerar pagamentos indevidos.

Credenciamento sem controle e risco à população

A auditoria revelou ainda que o setor responsável pelo credenciamento e recredenciamento de profissionais funciona com estrutura mínima. Em Florianópolis, apenas um servidor efetivo atua na área. Nas demais regiões, delegados designam servidores das delegacias para realizar as inspeções.

Por lei, clínicas médicas e psicológicas devem passar por inspeções presenciais a cada dois anos, o que não tem ocorrido. Em setembro de 2024, 1.189 credenciados eram geridos em três sistemas diferentes, sem integração. Falta de acessibilidade, dados reinseridos manualmente e ausência de vistorias completas foram observadas.

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A auditoria constatou descumprimento de critérios legais: 86 médicos credenciados não tinham título de especialista em Medicina de Tráfego; clínicas estavam inativas ou com registros vencidos; psicólogos tinham registros cancelados; clínicas psicológicas não constavam em bases oficiais.

O TCE também destacou o déficit de servidores. Dos 1.125 colaboradores do Detran, apenas 4% eram servidores efetivos. A maioria era de terceirizados (59%), policiais civis (12%) e estagiários (15%). Em 11 unidades, havia apenas um servidor, ou nenhum. Sem concursos desde 2011, a autarquia depende de terceiros, o que aumenta riscos de fraude, descontinuidade do serviço e fragilidade de controle interno.

A Corregedoria, responsável por fiscalizar mais de 16 mil credenciados, conta apenas com três servidores. Em 2023, nenhuma fiscalização presencial foi realizada.

Prescrição de multas e acúmulo de processos

Outro problema grave apontado na auditoria é o volume de processos prescritos. Entre 2022 e 2024, 2.370 penalidades perderam validade no Cetran e 494 nas JARIs estaduais. O estoque de processos chega a 100 mil em algumas unidades, e o Cetran acumulava mais de 42 mil recursos em julho. A falta de implementação das 32 JARIs previstas em lei – apenas cinco estavam em funcionamento – e atrasos na nomeação de julgadores contribuem para a morosidade. O TCE determinou a criação das 32 JARIs regionais e ações para evitar novas prescrições.

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A auditoria também identificou reuniões do Cetran realizadas de forma fracionada, quatro ou cinco sessões no mesmo dia, com menos de uma hora cada. Como o pagamento de jetons é feito por sessão, o método pode ter gerado custos indevidos. Segundo o TCE, a prática compromete a transparência e a regularidade do trabalho do Conselho.

Planos de ação obrigatórios

O Tribunal determinou que o Detran e o Cetran elaborem planos detalhados para:

  • reforçar o controle interno e a gestão de riscos;
  • aprimorar os sistemas digitais;
  • regularizar credenciamentos;
  • ampliar o quadro de servidores;
  • implementar as JARIs regionais;
  • reduzir estoques de processos;
  • intensificar a fiscalização de clínicas e profissionais.

O que diz o Detran-SC

Procurado, o órgão afirmou que somente vai se manifestar após ser notificado oficialmente dos detalhes do relatório da auditoria.

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