Uma juíza é alvo de apuração interna do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) após a Polícia Militar (PM-SC) ter enviado ao órgão o relato de uma ocorrência em que teria havia perturbação de sossego e excessos da magistrada na madrugada de 27 de setembro deste ano. O caso ocorreu, conforme o registro da PM-SC, em um condomínio na Avenida Beira-Mar Norte, em Florianópolis. Margani de Mello, que atua como juíza de Segunda Grau no Judiciário catarinense, estava inscrita para ser promovida à desembargadora do TJ-SC, nesta quarta-feira (5), mas foi barrada pela maioria dos desembargadores do órgão por conta da apuração interna aberta pela Corregedoria. Em nota, ela negou os apontamentos (leia abaixo).

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O corregedor do TJ-SC, desembargador Luiz Antônio Zanini Fornerolli, foi quem apresentou o voto para não incluir Margani na lista tríplice para a promoção. Para justificar a exclusão da magistrada, Fornerolli leu o relatório da Corregedoria com base nos fatos levantados após uma notícia de fato encaminhada pelo comando-geral da PM-SC ao Judiciário catarinense. Conforme a leitura do desembargador, os fatos teriam começado por volta de 1h da madrugada do dia 27 de setembro. A sindicância interna diz que, naquele horário, uma festa estaria ocorrendo em um apartamento de um dos prédios da Beira-Mar Norte com “mais de 10 convidados”. Um vizinho teria feito reclamação com a portaria e depois com o síndico do prédio. Quem estaria à frente da festa teria se recusado a baixar o volume dos aparelhos de som, o que levou o vizinho a acionar a PM.

Veja fotos da sessão, nesta quarta, em que o caso veio à tona

Conforme o relatório, “os policiais subiram até o apartamento e verificaram que, de fato, o volume do som estava muito alto”. Inicialmente, quem se apresentou aos policiais foi o marido da juíza, que também é servidor do Judiciário, mas em outra função. Ainda conforme a sindicância, o homem teria negado que o som estivesse muito alto “e se recusado a reduzir o volume de emissão de som, a menos que os policiais aferissem a extrapolação do limite sonoro permitido por meio de decibilímetro”. Os policiais militares teriam explicado que o procedimento operacional da PM-SC não envolvia medição técnica, “sendo prática a verificação in loco do potencial da perturbação do sossego alegado”.

Em determinado momento, leu Fornerolli, “a excelentíssima senhora juíza Margarine Mello teria passado a integrar as conversas com os policiais, o que, segundo os policiais ouvidos pela Corregedoria, teria sido feito de modo bastante alterado, tanto em razão das bebidas alcoólicas ingeridas, como pelo tom elevado da voz e o teor das palavras proferidas aos policiais militares”. Na sequência, ela teria cometido outros excessos como afirmar “que a polícia poderia fazer o que quisesse, que o volume do som não seria reduzido e que era um absurdo”. A juíza, conforme o relato, ainda teria reclamado da presença dos policiais e que eles deveriam “estar na rua prendendo bandidos e não aqui enchendo o saco” pois os participantes da festa seriam “pessoas de bem”.

Diante da informação de que a dona do apartamento se tratava de uma juíza, os policiais então acionaram um agente de posto maior, conforme determina o protocolo da corporação. Assim, outros policiais foram até o local, com uma oficial assumindo a interlocução das negociações junto ao marido da juíza. Conforme o relatório da Corregedoria, “a tentativa da PM de fazer cessar a ocorrência não teve êxito, então foi também acionado o Pelotão de Patrulhamento Tático, conhecido como PPT, “que teria condições, caso fosse o caso, de recolher os aparelhos de som, se os envolvidos se recusassem a assinar o termo circunstanciado”.

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Durante as tratativas, a magistrada teria se mantido “bem alterada, ordenando que os policiais saíssem do local, gritando com o dedo em riste”. A oficial da PM que assumiu as negociações “mencionou em seu depoimento que a juíza era uma das mais difíceis de conversar, pois estava, agressiva, não no sentido físico, mas no sentido verbal”, de acordo com a leitura do desembargador. O fato se encerrou por volta de 4h, com o marido da juíza aceitando assinar o termo circunstanciado, que também foi assinado pelo vizinho que acionou a polícia.

De acordo com Fornerolli, os levantamentos da Corregedoria contam com os depoimentos dos 12 policiais envolvidos na ocorrência e as gravações de vídeo da ocorrência. A apuração interna leva em consideração que a juíza é alvo de sindicância por dois fatos específicos. O primeiro deles é pela perturbação do sossego sem adotar as medidas para cessar o barulho. Depois, por “utilizar-se do prestígio do cargo para tentar obter vantagem ilícita com a finalidade exclusivamente particular e destituída de interesse público, consistente na tentativa de constranger e coagir os policiais que atendiam a ocorrência por perturbação de sossego”. Margani foi intimada para se manifestar sobre os fatos até 18 de novembro. Depois disso, a Corregedoria levará o caso para o Órgão Especial, onde 25 desembargadores vão decidir se abrem ou não um processo administrativo disciplinar (PAD) contra ela.

Contraponto

Em nota, a defesa da magistrada se manifestou:

“A juíza Margani de Mello, com 26 anos de magistratura, nega qualquer conduta antiética ou infração disciplinar a ela atribuída e afirma que os fatos ocorreram de forma totalmente diversa do que foi lido no Tribunal. Margani argumenta que foi punida sem direito de defesa e que sofreu imenso dano profissional pela publicação indevida do caso que, no âmbito judiciário está sendo tratado em segredo de justiça, em especial porque ainda está em instrução. Segundo a juíza, a partir de uma reclamação sobre som alto feita por um vizinho, houve uma resposta desproporcional por parte da Polícia Militar. Mais de 15 policiais, incluindo um agente à paisana, permaneceram por mais de duas horas em seu apartamento, com efetivo e armamento típicos de uma operação contra criminosos.

A magistrada afirma que não se identificou funcionalmente e que sua atuação limitou-se à solicitação do cumprimento dos procedimentos legais, já ao final da ocorrência. A juíza afirma possuir imagens que evidenciam o excesso praticado pela Polícia Militar. Formada e mestre em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, com master em argumentação jurídica pela Universidade de Alicante (Espanha), Margani ingressou na magistratura em 1999 e, desde 2009, atua na Capital, atualmente nas Turmas Recursais”.

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