A falta de um critério único para a notificação de casos de coronavírus no Brasil faz com que o país enfrente a pandemia sob lentes embaçadas. Praticamente às cegas. Em cada Estado, as regras para definir que pacientes serão contabilizados são diferentes. O que impede um cálculo estatístico fiel sobre a quantidade de pessoas, contaminadas, que ficam fora dos números oficiais.

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Em Santa Catarina, desde o dia 25 de março os hospitais e postos de saúde foram alertados para que somente testem, e notifiquem, pacientes que já estão internados com sintomas de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), profissionais de saúde, gestantes internadas, e recém-nascidos filhos de mães com coronavírus ou que tenham sintomas da doença.

Isso significa que as pessoas que têm sintomas mais leves e que após procurarem a unidade de saúde são orientadas a ficar em casa, por exemplo, sequer entram nas estatísticas. E elas são muitas.

A restrição das notificações, em SC, ocorreu após o Estado ser considerado local de transmissão comunitária do novo coronavírus. Uma medida que também responde ao cenário de falta de testes. Na última coletiva de imprensa, na quarta-feira (1º), o governador Carlos Moisés (PSL) reconheceu que a aparente redução na curva de contaminação é resultado da testagem insuficiente. Até mesmo para suprir o restrito rol dos casos “testáveis”.

Outros estados seguem o mesmo modelo de Santa Catarina, como Pernambuco. Já o Distrito Federal, por exemplo, notifica, além dos casos de SRAG, também os casos de Síndrome Gripal (SG), em que o paciente tem febre e mais um sintoma. Não há padrão.

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A subnotificação é um fenômeno mundial, resultado de uma contaminação em massa. Mas é possível calcular quantas pessoas não entram oficialmente nas estatísticas quando os protocolos de cadastro são bem estabelecidos. Na China, por exemplo, calcula-se um índice de subnotificação de 14% a 24%. Na Itália, de 12%.

Isso permite aos governos ter segurança na tomada de decisões. Visualizar quantos cidadãos estão potencialmente contaminados, em que período de tempo, e definir políticas públicas. Como as que dão início ou fim às quarentenas, por exemplo.

O Brasil teve tempo para estabelecer protocolos. A América do Sul foi um dos últimos lugares no planeta a serem impactados pela pandemia. Já havia modelos estatísticos, erros e acertos.

Ao invés de apostarmos nos números, perdemos tempo debatendo se as medidas de isolamento, adotadas em praticamente todo o mundo e defendidas pelos especialistas, eram corretas. No lugar de editar normas, o Ministério da Saúde apagou incêndios verbais, provocados pelo presidente da República. Virou peça de um jogo político inoportuno e fora de hora.

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Um retrato da bagunça institucional é o caso das máscaras de pano, de fabricação caseira. A norma da Anvisa diz que não são recomendáveis. O ministro da Saúde, em rede nacional, afirma que é para usar. Falta unidade e comunicação.

As estatísticas do coronavírus no Brasil são o retrato de um país de liderança titubeante e irresponsável, que passou semanas negando a gravidade da pandemia. Os números não refletem a realidade. Sabemos que há muito mais casos nos Estados, inclusive em Santa Catarina – mas quantos?

Não se trata apenas de um modelo numérico. Em tempos de negacionismo, medir de forma precisa a temperatura da pandemia no Brasil é o que convencerá as pessoas a obedecer as regras e se proteger. Pode ser a diferença entre a vida e a morte.


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