1.: O dia em que me tornei celebridade para uma senhora russa
O Brasil fica há aproximadamente 15 mil quilômetros de distância da Rússia e talvez por isso ver um brasileiro passeando nas vizinhanças russas seja algo realmente impressionante para a população local. Além disso, o idioma português tem uma fonética apreciada pelos anfitriões. Era comum perceber alguém sorrindo e olhando hipnotizado para mim enquanto eu conversava em português com alguém. Um terceiro motivo para esse carinho com o brasileiro, e talvez o mais importante, é nossa tradição com o futebol. Todos acreditavam muito no Brasil e torciam para uma final entre os dois países.
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Nessa foto específica eu estava usando uma camiseta do Brasil. A senhora ficou maravilhada. Comigo ela falou de céus e de mundos. Falou sobre os costumes da Rússia. Conversou sobre Putin, sobre as artes, sobre a sociedade contemporânea. Deu seus palpites sobre os jogos e até perguntou sobre minha vida. Quis saber se eu era casado ou solteiro. Se eu raspava o cabelo ou se era careca mesmo. Queria saber qual tipo de fotografia eu mais gostava de praticar.
Mentira. Ela falou sim muito comigo. Falou muito. Falou russo. Não entendi nada. E mesmo eu afirmando com uma das poucas frases que eu aprendi no idioma local: “Eu não sei falar russo”; ela ignorava e continuava a conversar como se não importasse se eu entendesse ou não o que era tratado. Eu imaginei.
No fim de um longo papo unilateral de dez minutos ela pediu para me fotografar através de gestos. Com sua câmera 35 mm semi automática e carregada com um filme para momentos de dia ela fez uma foto de mim e de seu marido, ambos posados. O gesto foi retribuído e enquanto ela acertava o ângulo eu roubei esse retrato para minha recordação.
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2.: O dia do contrário
São Petersburg não foi tão simpática nos primeiros dias. Diferente de todas as outras cidades que visitamos ou que iríamos visitar, São Peter era fria de verdade. Pra ajudar, chovia muito. A cidade com a noite branca e com os dias que anoiteciam depois das 23 horas não queria saber de nós. Choveu bastante nos primeiros dias.
Uma das metas que eu tinha, além de filmar os materiais para o Roberto Alves e para o Cacau Menezes, era trazer um grande apanhado de fotografias da cidade para trazer um pouco da cidade. Próximo a catedral do sangue derramado, aquela igreja ortodoxa bem colorida no centro da cidade, resolvo me abrigar em uma banca e esperar o tempo melhorar. O vento forte não é muito bem um aliado de quem anda nas ruas. Ainda mais cheio de equipamento pendurado no pescoço e nos braços. Visto que mais atrapalhado que eu não achei que iria encontrar. Mas encontrei. Há alguns passos de onde eu estava uma senhora lutava fortemente contra o guarda-chuva, mesmo sem chover e mesmo tendo um vento extremamente forte como aliado do inimigo. Antes de perceber que ela seria perfeita para ilustrar esse universo de cabeça para baixo ao qual eu tinha entrado depois de dias de sol em Rostov, comecei a acompanhar sua sina.
Ela dava um passo. Arrumava o guarda-chuva. Dava outro, o vento tratava de entortar tudo de novo. Mais um passo, alguma coisa deixava cair. Voltava para buscar. Repetia e lutava para chegar… chegar sei lá onde. Quando, já aparentemente irritada com a situação, ela resolve abraçar o vento e ignorar os efeitos. Desistiu de lutar com o guarda-chuva e resolveu se adiantar do jeito que estava. Abraçou o tempo.
O estalo que eu precisava para passar a me animar com a situação e deixar de lado as imagens projetadas pela minha expectativa. De presente, percebi a cena que eu estava deixando passar sem ao menos clicar. Corri para fazer a foto a tempo. Do mesmo jeito, o vento derrubou a minha touca. Voltei pra pegar. Quase tropecei. Ela me percebe e eu, bem brasileiro cara de pau, coloco o visor da minha câmera à altura dos meus olhos, enquadro e começo a fotografar. Faço uma sequência e essa foto é a que mais marca esse nosso encontro e do conselho que ela me deu sem nem mesmo perceber.
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3.: Quando me atrasar foi a sorte do dia
Ninguém gosta de ficar de fora. Mas acontece. Principalmente quando você chega na entrada errada do hotel de onde a seleção brasileira iria chegar em Moscou. Pior ainda quando o hotel é gigante e você caminha quase 20 minutos para ir até a outra entrada. E nesse momento percebe que toda a imprensa já está posicionada em um local perfeito, onde seria possível fotografar/filmar os jogadores saindo do ônibus com a torcida ao fundo. Então descobre que você não pode mais ir nesse local pois o segurança que está no caminho não fala inglês e não gostou de você.
Quando a vontade é sentar no meio fio e chorar (tá, nem tanto). Mas tudo bem. No fim eu era o único fotógrafo fora da área reservada, do lado da torcida e em um ângulo péssimo para qualquer fotografia decente dos jogadores. Tinha tantos torcedores que ficava difícil até me mexer. Foi quando desencanei, já sabia que não iria render foto nenhuma. De repente alguém berra – Eles estão chegando!
Em seguida, um homem que estava ao meu lado assume a liderança: "Todo mundo abaixado! Abaixa agora! Todo mundo em silêncio!!" Berrava sem nem respirar.
Assim como todos os torcedores eu também me abaixei. Liguei a câmera e me preparei. Não fazia ideia do que iria acontecer. Então surge um sinalizador, dois, três. Não sei de onde tiraram aquilo, onde tinham escondido os artefatos de cor e fumaça. A torcida inflou, começaram a cantar e a pular enquanto as cores dos fogos e as fumaças ornavam formas. Recebi de presente as fotos. Com calma e sem concorrência eu podia fotografar aquele momento. A fotografia suavemente e eu fiquei feliz. Era o único jornalista presente onde o coração dessa Copa mais pulsava, estava do lado da torcida.
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4.: Personagem russo meio maluco
Foi durante a abertura da Copa que conheci um figura russo. O rosto todo pintado com as cores da bandeira era um chamativo natural para que eu fosse atrás dele para fotografar. Eu não estava na abertura da copa em Moscou, estava em Rostov, mas mesmo assim queria registrar o que eu estava sentindo nesse primeiro jogo. Os russos enlouqueceram com a vitória e eu precisava desse registro. Não tinha quem não desse um sorriso nas ruas e esse amigo aí estava literalmente pulando de alegria. Fiz essa foto do post. Fiz um close. Fotografei depois dentro da Fifa Fanfest. Quando ele percebeu que eu praticamente tinha um book dele e da esposa, me pediu para enviar as fotos via whatsapp. Ainda me deu um cachecol que ele usava e que eu guardo até hoje. Afinal foi meu primeiro souvenir dessa grande cobertura que foi a Copa do Mundo.
No outro dia ele entrou em contato comigo. Me ligou ficou tentando conversar em russo (oi?), mesmo sabendo que eu não falava nada. No inglês ele arranhava e não conseguia se comunicar. Depois me mandou mensagens em um inglês meio formal, provavelmente auxiliado por aplicativos de tradução. Ele queria as fotos. Enviei.
No outro dia veio entrar em contato de novo. Queria saber se eu não queria ir com eles conhecer alguma coisa que só eles conheciam. Expliquei que devido a demanda do trabalho eu não teria tempo para fazer passeios turísticos. Agradeci.
No outro dia me convidou para ir na casa dele, que ele queria contar histórias da cultura russa. Mais uma vez recusei. Teve um dia que entrou em contato comigo umas quatro ou cinco vezes. Chegou num nível que me fez ter de bloquear. O que foi uma pena, afinal o casal só queria forçar uma amizade e ser gentil comigo, um brasileiro que recém tinha chego na Rússia. Não nego que senti um pouco de medo na época, talvez ainda influenciado pelos esteriótipos de russos malucos que construímos com os memes. Hoje me sinto meio culpado, mas não tinha muito o que fazer, precisava trabalhar e não fazer turismo. Fica aqui o registro para agradecer o carinho e compartilhar uma conclusão pessoal: ser hospitaleiro é legal. Ser hospitaleiro demais dá é medo.
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5.: Deixa eu falar pra vocês: o povo russo é só amor.
Cheguei assustado com o jeito deles. Uma forma de falar séria, tudo muito formal. Um jeito tão antagônico ao nosso que dava um ruim do estômago só de pensar. Mas foi só susto mesmo. Um susto baseado em alguns relatos, em informações desencontradas e na minha ignorância/preconceito.
Acho que o primeiro choque é quando nos ensinam como devemos se comportar na rua. Para nós, brasileiros, se sentir bem em um bonito dia de sol é o bastante para que a gente ante pela estrada sorrindo. Para eles, russos, andar sorrindo na rua “aleatoriamente” é sinal de descaso com a vida ou de problemas mentais. Não é atoa que nos primeiros dias eu tentava andar sério o tempo todo. Quando alguém olhava no meu olho eu só olhava de volta. Ambos como se fossem dar uma facada um no outro a qualquer momento. Depois me coloquei no meu lugar: sou brasileiro e vou sorrir sim. Mas vou sorrir com educação. Por uma semana fiquei aprendendo como dizer OI em russo. Acredite, não é fácil: Здравствуйте!(sdravztuvitia, mais ou menos como se fala).
Depois aprendi mais algumas palavras e logo me senti super acolhido por todos que eu encontrava pelo caminho. O segredo no fim é fácil: respeito. Os russos respeitam demais a própria história e o mínimo que esperam de alguém que está conhecendo suas terras é de um esforço para conhecer suas culturas. Por isso aprender algumas palavras se torna algo realmente importante. Depois de um oi bem falado, pode ter certeza que o sorriso é bem mais frouxo. Acontece também o tempo todo. Mesmo que discretamente como nessa foto. Um músico aproveitava o movimento no metrô em St. Petersburg para mostrar a arte. Torcedores ao redor brincavam. Até um chapéu colocaram no seu rosto. Concentrado na melodia o músico sorria suavemente enquanto tocava na gaita músicas clássicas da cultura russa.
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Falar pra vocês mais uma coisa: eu volto. Rússia deixou um buraco no meu coração. Trabalhei bastantes durante esses trinta e poucos dias e consegui aproveitar um pouco. O país é incrível e suas construções e memórias se refletem o tempo todo, em todos os lugares. Aprendi muito. Voltei dessa experiência diferente de como saí daqui e se pudesse viveria tudo de novo, da mesma forma. Obrigado, vida, por essa experiência.
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