A cerca de 150 km de Paris, encontra-se Reims, capital da região do mesmo nome, que produz as célebres bebidas de qualidade reconhecida, respeitada e copiada no mundo inteiro. Quando vemos hoje as imagens desta linda região, que transpira glamour, com lindas maisons ricamente ornamentadas, não fazemos ideia por quantos conflitos, revoluções e guerras esta região já passou, sofrendo destruição, muitas perdas humanas e materiais.

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A localização geográfica de Champagne, por ser campo aberto e fronteira com vários países, favorece a passagem comercial, mas também fez da região palco de muitas guerras, conflitos e disputas. Continuando a sequência cronológica desses conflitos, que se iniciou com a ocupação da Gália pelo Império Romano — resultando na submissão da maior parte do território que hoje constitui a França, a Bélgica e o norte da Itália no século III a.C. —, história que iniciei no artigo anterior, caso não tenha lido, recomendo a leitura.

A primeira guerra mundial

A Primeira Guerra Mundial (1914–1918) foi um marco na história da humanidade. Foi a primeira grande guerra do século XX, deixando um triste saldo de 10 milhões de mortos e uma Europa devastada, com marcas profundas na região de Champagne, que foi literalmente o epicentro do conflito.

O impacto nos vinhedos foi enorme e devastador, especialmente durante a Guerra das Trincheiras na frente ocidental, sendo palco da Primeira Batalha de Champagne, em 1915. A região, naquela época, já possuía um grande valor estratégico, comercial e simbólico para toda a França. Sua forte cultura local a tornou um alvo estratégico para o exército inimigo, que destruiu vinhedos, depredou adegas e as Maisons de Champagne, infringindo enormes danos — humanos, materiais e culturais.

Com várias cidades, especialmente Reims e Épernay, principais produtoras de vinho, estando na linha de frente da guerra, muitos vinhedos foram destruídos pelas escavações das trincheiras, pelos bombardeios e pela movimentação das tropas. Seus solos ficaram cheios de crateras, restos de munição e contaminados com metais pesados e destroços.

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Os estoques de garrafas foram destruídos ou saqueados. A mão de obra e a produção foram fortemente prejudicadas, com a maioria dos homens convocados para o front, deixando mulheres, idosos e crianças responsáveis pelos vinhedos. Como consequência, a produção caiu drasticamente, tanto pela falta de braços quanto pela destruição física das terras cultivadas.

As caves subterrâneas de calcário (crayères), típicas de Champagne, serviram de abrigo para a população durante os bombardeios. Famílias inteiras chegaram a viver meses nesses corredores, junto com os vinhos armazenados. Isso ajudou a preservar parte do estoque, mas também limitou o acesso para engarrafamento e expedição.

O comércio internacional de vinhos praticamente parou. Os de Champagne, que dependiam fortemente da exportação, tiveram grande queda nas vendas. Algumas Maisons conseguiram sobreviver vendendo localmente ou mantendo estoques para o pós-guerra.

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O fim da guerra deixou marcas profundas na região, que precisou de anos de reconstrução. O vinho de Champagne, no entanto, se tornou também um símbolo de resistência e renascimento francês, parte da identidade da França. Essa reconstrução lenta e trabalhosa deu origem a uma geração de produtores fortes e resilientes, que mais tarde reforçaram a imagem de Champagne como uma região marcada pela luta e pela superação. Mesmo sob bombardeios, colhiam uvas, produziam vinhos e transformavam abrigos subterrâneos em refúgios de esperança.

A segunda guerra mundial

Na Segunda Guerra Mundial, a região de Champagne, por sua localização estratégica e valor político e econômico, foi ocupada pelas forças nazistas, resultando em saques e no confisco de vinhos, uvas e vinhedos. A ocupação marcou profundamente a região, que enfrentou uma ameaça existencial: era preciso esconder e proteger colheitas e vinhos.

Embora a região tenha sofrido, a destruição dos vinhedos não foi tão severa quanto na Primeira Guerra, quando os danos foram gigantescos. Nesta, o principal objetivo era a pilhagem e a transferência das riquezas francesas para a Alemanha, o que provocou escassez e dificultou a sobrevivência do povo francês.

As caves subterrâneas de Reims e Épernay serviram novamente de abrigo para moradores, resistência e também esconderijo para garrafas de champagne. Muitos vinhedos foram bombardeados, linhas de cultivo danificadas e terrenos minados impediram o manejo dos campos.

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A mão de obra era escassa: com os homens enviados para a guerra, mulheres, idosos e jovens assumiram o trabalho no campo. Além disso, os alemães exigiam grandes quantidades de champagne, muitas vezes confiscando toda a produção. Algumas casas salvaram parte dos melhores vinhos usando rótulos falsos, colocando etiquetas de vinhos de baixa qualidade para enganar os invasores.

A guerra provocou uma queda drástica na produção, tanto pela perda das uvas quanto pela limitação de insumos, como garrafas, cortiça e açúcar. O comércio internacional praticamente parou, reduzindo drasticamente as exportações e a circulação do champagne no mundo.

Resistência e reconstrução

Quando da ocupação da França pelos nazistas, iniciou-se uma campanha alemã para pilhar um dos símbolos mais prestigiosos da cultura francesa: o champagne. Para os invasores, não se tratava de destruir, mas de roubar e levar para a Alemanha.

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Os viticultores, no entanto, mobilizaram-se como parte da Resistência Francesa. Homens, mulheres e até crianças arriscaram suas vidas para proteger não apenas a economia, mas também um dos maiores prazeres e símbolos da identidade nacional.

Esconderam vinhos em locais improváveis, emparedaram garrafas, usaram teias de aranhas para envelhecer falsas paredes recém-construídas, enviaram encomendas para destinos errados e até sabotaram trens carregados de vinho. A criatividade e a coragem dessas famílias garantiram que parte da produção sobrevivesse.

O pós-guerra marcou o início de uma era de expansão e modernização, consolidando a fama mundial do champagne nas décadas seguintes.

Reflexão final

Que tenhamos essa mesma força, resiliência e capacidade de crescer. Que saibamos olhar adiante, unir esforços e entender que o mundo precisa ser cooperativo, pois juntos somos mais fortes e mais felizes.

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Que esta bebida nos faça lembrar da nossa história e do real sentido da celebração, especialmente da nossa vida — que pode não ser perfeita, mas é maravilhosa e deve ser vivida a cada minuto, fazendo jus a este lindo milagre que é viver.

Saúde,
Néa Silveira
@neasommelire