Nos dias atuais, o champanhe simboliza glamour, luxo, lifestyle e prestígio — mas nem sempre foi assim. O vinho já era produzido na região de Champagne desde a conquista da Gália (região que inclui a atual França, Bélgica, Suíça e partes da Alemanha e do norte da Itália) por Júlio César, que resultou na sua incorporação ao Império Romano em 52 a.C. De lá até os dias de hoje, a região foi palco de inúmeras guerras, revoluções e conflitos, sendo forjada por disputas ferrenhas e muito sangue derramado.

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A localização geográfica da região de Champagne, no nordeste da França, contribuiu significativamente para tantas dificuldades. Fazendo fronteira com a Alemanha, era o cruzamento de rotas militares e comerciais, o que a tornava vulnerável à invasão e/ou passagem durante esses conflitos europeus, facilitando sua destruição ao longo de vários séculos.

Guerra dos Cem Anos — Séculos XIV e XV

Durante a Guerra dos Cem Anos, quando a região foi palco de várias batalhas entre franceses e ingleses, os vinhedos de Champagne sofreram com a devastação causada pelos constantes combates. A região servia como ponto estratégico militar e comercial. As áreas de cultivo foram repetidamente saqueadas, impactando fortemente a produção e a vida dos viticultores. Já nesse período, a reputação da qualidade dos vinhos era alta, o que tornava os vinhedos um alvo precioso a ser destruído pelo inimigo.

Guerras Religiosas — Século XVI

No século XVI, a região de Champagne foi palco de conflitos entre católicos e protestantes. A violência militar devastou não só vinhedos, mas também cidades como Reims e Épernay, afetando severamente a produção vinícola. Aldeias foram saqueadas, propriedades ocupadas e o desenvolvimento regional comprometido. Grande parte dos vinhedos de Champagne pertencia à Igreja Católica, e os mosteiros foram alvos diretos de pilhagens. Ainda assim, tiveram um papel crucial na preservação do patrimônio vínico da época, escondendo vinhos e mantendo registros vitícolas mesmo em tempos de tanto caos.

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Revolução Francesa — 1789 a 1799

A Revolução Francesa teve impactos profundos na região de Champagne e em seus vinhedos, tanto econômicos quanto sociais. Entre os mais relevantes:

  • Confisco de terras da nobreza e do clero — As vinícolas foram confiscadas e vendidas como bens nacionais a pequenos proprietários burgueses. Isso fragmentou os grandes vinhedos, mudou a dinâmica da produção e reduziu a qualidade dos vinhos, pois os novos donos não possuíam o conhecimento técnico dos antigos proprietários.
  • Queda da aristocracia e da clientela tradicional — Muitos aristocratas, principais consumidores de vinhos de luxo, fugiram ou foram executados, o que reduziu drasticamente o mercado para o champagne.
  • Instabilidade econômica — Inflação, bloqueios econômicos e guerras elevaram o custo dos insumos, levando alguns produtores a abandonar temporariamente a viticultura.
  • Mudança no status social dos produtores — A Revolução aboliu privilégios feudais, dando mais autonomia aos viticultores, que passaram a ter liberdade para negociar suas uvas e vinhos.
  • Expansão internacional — Para compensar a queda da clientela aristocrática, os produtores desenvolveram estratégias para comercializar o champagne em outros países da Europa.

Foi nesse contexto que o champagne começou a se consolidar como um produto de luxo acessível, prenunciando o prestígio que tem hoje.

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Guerras Napoleônicas — Final do século XVIII e início do XIX

Com o Quartel-General localizado em Champagne, Napoleão Bonaparte usou Reims e Épernay como pontos de passagem e abastecimento. Isso significava fornecimento de vinho, alojamentos e pressão sobre os produtores.

Napoleão, grande admirador dos vinhos da região, cunhou a célebre frase:

“Na vitória, é merecido; na derrota, é necessário.”

Essa associação fez do champagne uma bebida de prestígio do Império, abrindo mercados entre militares graduados e elites. Com as conquistas napoleônicas, as tropas levavam o champagne na bagagem, e a bebida, ironicamente, começou a ganhar fama em cortes inimigas, como as da Rússia, Áustria e Prússia, consolidando-se como o vinho das celebrações, da vitória e do luxo — título que perdura até hoje.

Ainda temos dois acontecimentos que também foram extremamente impactantes para os vinhedos de Champagne: a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais. Mas isso é assunto para a próxima semana.

Por enquanto, já conseguimos compreender que os vinhos de Champagne não são apenas bebidas — eles viveram e escreveram capítulos importantes da nossa história, desde os primórdios da humanidade até os dias atuais!

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Saúde,
Néa Silveira
@neasommelire