O conhecimento científico e a tecnologia têm diminuído os defeitos nos vinhos, através de um controle mais preciso e baseado em dados de todo o processo produtivo, como Viticultura de Precisão, Fermentação Inteligente e Controlada, Avanços na Microbiologia, Análises Laboratoriais Avançadas, Controle de Oxigênio e Higiene. Mesmo com todo o avanço tecnológico, o universo do vinho é extremamente vasto, e a produção mundial ultrapassa 225,8 milhões de hectolitros, ou seja, 301 milhões de garrafas de vinho. Neste verdadeiro mar de vinhos, é natural que algumas garrafas apresentem defeitos. No universo da análise sensorial, compreender os defeitos é tão importante quanto reconhecer as virtudes do vinho. A presença de determinados compostos, microrganismos ou desvios de vinificação pode comprometer o equilíbrio aromático, o perfil gustativo e a expressão do terroir. A seguir, vamos conhecer os defeitos mais relevantes, suas origens e como se manifestam na taça. Vale ressaltar que a identificação e o nível do defeito dependem tanto do conhecimento teórico e prático do degustador quanto da sua sensibilidade sensorial.

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TCA – Vinho “Bouchonné” – Este é o defeito da rolha mais conhecido entre profissionais e consumidores. Causado pelo tricloroanisol (TCA), geralmente oriundo de rolhas de cortiça contaminadas, manifesta-se com aromas de papelão molhado, mofo e pano úmido. Impactando severamente na qualidade do vinho, suprime os aromas frutados, altera o gosto e torna o vinho opaco, sem brilho. Este vilão literalmente rouba a alma do vinho. Nos anos 2000, em torno de 7 a 8% dos vinhos apresentavam este defeito. Atualmente, caiu para cerca de 2 a 3% dos vinhos engarrafados com cortiça.

Oxidação – Todos os vinhos sofrem uma leve oxidação, que os faz amadurecer muito lentamente após serem engarrafados. Porém, a oxidação prematura surge pelo contato excessivo com o oxigênio durante o processo de vinificação ou após o engarrafamento. É o tempo agindo antes da hora, envelhecendo o vinho em descompasso. No visual, nota-se escurecimento. Os brancos ficam acastanhados, os tintos ganham tons de tijolo. No olfato, aparecem notas de frutas muito passadas, sinalizando perda de frescor e complexidade aromática. Os vinhos mais simples que ultrapassam seu período máximo de degustação são as principais vítimas da oxidação prematura. Vinhos mal armazenados, expostos a altas temperaturas ou com rolhas defeituosas, que permitem a entrada excessiva de oxigênio, também podem apresentar oxidação prematura.

Redução – Oposto da oxidação, a redução ocorre em ambientes com falta de oxigênio, comprometendo os aromas com notas de borracha queimada, fósforo aceso, enxofre e ovo cozido. Em alguns casos, a aeração pode corrigir parcialmente este defeito. Um estudo relatou que os defeitos redutivos são responsáveis por cerca de 30% de todos os problemas encontrados em vinhos mais simples, produzidos em escala industrial, que normalmente utilizam rolhas de borracha sintéticas, que bloqueiam totalmente a entrada de oxigênio, ocasionando a redução. O vinho também não gosta de luz e calor e, quando é exposto à luz solar ou à claridade constante, mesmo que artificial, também apresenta este defeito, com aroma de repolho fermentado.

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Vinhos Naturais – Por usarem mínima intervenção e menor quantidade de sulfitos (o conservante usado nos vinhos), fermentações espontâneas e práticas no vinhedo pouco intervencionistas, os vinhos naturais ficam mais vulneráveis a certos desvios. Possuem uma maior incidência de características que podem ser consideradas como defeitos. Porém, a percepção de defeito em vinhos naturais é um tema de debate que ainda não possui consenso entre os profissionais do vinho. Existem vinhos naturais de enorme precisão técnica, grande pureza aromática e equilíbrio impecável, resultando em vinhos vibrantes, expressivos, complexos e perfeitamente estáveis.

Brettanomyces – A contaminação das uvas, do vinho, dos equipamentos ou das barricas de estágio com leveduras brettanomyces produz compostos fenólicos. Também baixos teores de SO₂ e armazenagem em alta temperatura facilitam esta ocorrência, que deixa o vinho com aroma forte de couro, suor, cheiro de cavalo, estábulo e pelo de cabra. Em níveis bem baixos, pode imprimir certa rusticidade ao vinho, apreciada em alguns estilos tradicionais; o excesso, porém, gera, além dos aromas desagradáveis, o mascaramento dos aromas frutados. O Brett é o retrato da vinificação que perdeu o controle e ganhou um caráter que poucos desejam.

Contaminações Bacterianas – Bactérias lácteas e outros microrganismos, quando descontrolados, podem gerar aromas de carne crua, galinheiro, ranço e compostos pútridos. Estes são defeitos graves, frequentemente decorrentes da higienização inadequada da adega. O ambiente onde ocorre o processo produtivo deve ser severamente controlado, estéril e asséptico, garantindo vinhos sem contaminações.

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Enfim, identificar os defeitos do vinho é uma habilidade indispensável, tanto para os profissionais quanto para os apreciadores. Ao reconhecer essas falhas, ampliamos nossa compreensão sobre a complexidade da bebida e valorizamos ainda mais o trabalho, o conhecimento e o cuidado preciso de um vinho bem elaborado. Em cada grande vinho existe um delicado equilíbrio entre técnica, natureza e tempo. Quando este pacto silencioso se rompe, surgem os defeitos. Estas falhas, longe de arruinar a magia do vinho, revelam o quão complexa e frágil é sua criação.

Saúde!

Néa Silveira
@neasommeliere