O vinho possui uma longa e importante história como poderoso agregador social, desde os primórdios da humanidade, funcionando como elemento central em rituais religiosos na Grécia e em Roma; como comunhão e sacralidade nas igrejas; nas celebrações comunitárias, em todas as sociedades; e também na saúde e na segurança: em muitas regiões e épocas, era mais seguro consumir vinho do que água, o que o tornava um “remédio” popular.

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Em tempos modernos, a cultura do vinho disseminou-se globalmente, adaptando-se às culturas, gastronomias e hábitos sociais prazerosos. Como cultura e lazer, também se consolidou como facilitador de encontros sociais, jantares e celebrações, unindo pessoas e culturas em torno de uma experiência compartilhada de prazer e convívio, independentemente da classe social.

Atualmente, temos assistido a um movimento de mudança nos padrões de nutrição e perda de peso, que têm reprogramado o prazer construído em séculos de cultura, convívio e prazer à mesa. Esta “chuva” de Ozempic, Wegovy e Mounjaro parece estar provocando bem mais do que perda de apetite por nutrição: um bloqueio silencioso na relação das pessoas com o prazer, o contato humano e a sociabilidade, pois reduz o desejo e o prazer da reunião à mesa. E o vinho, que sempre foi símbolo de celebração, identidade cultural e memória, está enfrentando uma ameaça que desconecta o prazer e o desejo por meio da biotecnologia.

A indústria da dieta e a pressão midiática por corpos magros reforçam a ideia de que qualquer alimento ou bebida calórica deve ser controlado rigorosamente, fazendo do vinho um vilão ou um luxo proibido dentro de um estilo de vida focado na magreza. Isso contribui para uma relação conflituosa com o prazer e o consumo de vinho — que, associado a momentos de satisfação, pode vir acompanhado por sentimentos de culpa em quem segue dietas muito rígidas. Porque o vinho sempre foi muito mais do que uma bebida: significa pausa, emoção, sentidos aflorados, compartilhamento, troca e cumplicidade; reflete o desejo humano pelo belo e pelo prazer!

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Sendo considerada uma das dietas que proporcionam mais saúde e bem-estar físico e mental, a Dieta Mediterrânea destaca-se por seu enfoque equilibrado e saboroso, inspirado nos hábitos alimentares de países banhados pelo Mar Mediterrâneo. Rica em vegetais, azeite de oliva, peixes, legumes e cereais integrais, é mais uma prova de que a saúde e a satisfação podem caminhar juntas. Podemos, sim, ter um corpo bonito e saudável sem abdicar dos prazeres da vida, incluindo o consumo moderado de vinho — especialmente os tintos — como parte de um estilo de vida equilibrado. Estudos associam esse hábito a benefícios cardiovasculares, longevidade e bem-estar, quando aliado a uma alimentação natural e a uma convivência social saudável. Talvez o segredo não esteja apenas em excluir o prazer de beber um bom vinho, mas em reaprender a apreciá-lo: com moderação, consciência e prazer. Porque saúde não é apenas ausência de excessos, mas também presença de alegria, conexão e celebração da vida.

Há algo quase mágico no delicioso ritual de abrir uma garrafa de vinho: o som da rolha desnudando o conteúdo, o perfume que se espalha ao verter na taça, o primeiro gole que traz suspense e convida à conversa. Como sommelière, gosto de lembrar que uma dieta saudável deve incluir o vinho como parte de um estilo de vida equilibrado, com boa comida, tempo à mesa e prazer em cada refeição. O segredo está na moderação. Uma taça de um belo vinho, acompanhada de boa companhia e de um prato saboroso, alimenta mais do que o corpo: alimenta a alma. Porque saúde também é viver com prazer, celebrar com sensatez e brindar a vida com amor! Saúde!

Néa Silveira
@neasommeliere