Não há nada mais emblemático para consagrar a bagunça que virou a gestão da pandemia em Santa Catarina do que a decisão judicial que determinou que o governo recuasse das liberações de eventos e da ocupação de 100% de hotéis. O governo tentou agradar um setor devastado pela crise da pandemia – hotéis e eventos – sem ouvir os técnicos do Centro de Operações de Emergência em Saúde (COES), segundo consta na decisão do juiz Jefferson Zanini. O fato já havia sido denunciado em nota conjunta assinada pelo Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), Federação Catarinense de Municípios (Fecam), Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems/SC) e Associação de Hospitais do Estado de Santa Catarina (Ahesc).
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>Justiça proíbe eventos em Santa Catarina e determina limitação de ocupação em hotéis
A incapacidade da sociedade catarinense em chegar a uma convergência mínima de ações de enfrentamento da pandemia resulta na insegurança jurídica, confusão sobre o que está de fato valendo, mais mortes e mais prejuízos. Nessa instabilidade não conseguimos enfrentar o vírus e tampouco resolver a questão econômica. É uma lástima.
O Estado trabalha com a lógica da regulamentação, conscientização e oferta de leitos. A ideia, não admitida publicamente, é ir até o limite da oferta de leitos, evitando assim o colapso do sistema, mesmo que isso resulte em mais mortes.
No despacho judicial consta a dura frase de Fábio Gaudenzi de Faria, analista técnico em gestão e promoção de saúde e membro do COES: “Todo o dia abrem vagas de UTI porque as pessoas estão morrendo”.
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A narrativa das autoridades catarinenses é a de que a regulamentação representa permitir o acesso a locais que podem ser melhor controlados dentro da formalidade. Caso os turistas que reservaram vagas na rede hoteleira desistirem da viagem é positivo para o enfrentamento à pandemia. Menos gente circulando, menor a possibilidade de transmissão. Se o turista optar, mesmo assim, em viajar ao litoral catarinense mas ficar hospedado em casa de aluguel, nada adianta.
Santa Catarina apostou alto ao adotar medidas na contramão do que ocorre em países que enfrentam o agravamento da pandemia, como na Europa por exemplo. Por lá, a linha adotada é a da contenção e de funcionamento apenas das atividades essenciais. Verdade que o hemisfério norte já está no inverno e o verão no velho continente e nos Estados Unidos foi no clima de festa e como se já estivesse tudo resolvido. Veio a segunda onda e deu no que deu.
O Brasil não tem o suporte econômico da Europa. A Inglaterra banca 80% do salário dos setores paralisados. O pacote econômico aprovado nos Estados Unidos tem até cobertura para os trabalhadores sem emprego pagarem o aluguel. Por aqui, os R$ 600 viraram R$ 300, e o auxílio emergencial é a única fonte de renda para 36% das família que receberam pelo menos uma parcela do benefício neste ano. Não se sabe se o benefício continua em 2021. Restrições com o governo bancando o prejuízo é mais fácil. Não é o nosso caso.
Zanini, da decisão judicial, diz que “em Santa Catarina, os gráficos extraídos do portal eletrônico “coronavirus.sc.gov.br” (Disponível em: . Acesso em: 22/12/2020 13:54 Página 3 de 23 19 dez. 2020), evidenciam que, a partir do mês de novembro do corrente ano, houve uma vertiginosa ascensão do número de casos confirmados e de óbitos”. Foi justamente no período eleitoral onde não se falava em restrição.
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Lamenta-se o cenário catarinense. Pelas mortes que poderiam ter sido evitadas, pelos milhares de trabalhadores que perderam emprego e renda e as empresas limitadas de operar.
A temporada de verão começa sem regras claras e num clima de incerteza. Só há uma certeza em meio a esta lambança toda: com permissão ou sem, os turistas virão.