Em 2012 decidi por uma viagem solo, em cima da hora, para conhecer a França. Tinha a vontade de passar por cada pedacinho dos recortes do sul do país, e conhecer os famosos campos de lavanda — que, por fim, não conheci. Fui de carro e de bicicleta a muitos lugares. Eu amei diversos do lugares, mas Nice virou um daqueles lugares onde sinto que poderia passar muito mais tempo do que dois dias. Mas minha história aconteceu em Cannes. 

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Muita coisa deu errado na viagem — desde reserva em hotel que foi feita de maneira errada e que não podia ser cancelada, até erro de localização – achei que estava em um lugar, estava em outro e perdi quase um dia de turismo, dirigindo. No começo é engraçado, depois, a gente vai ficando mais tenso. Qualquer "gordurinha financeira" já tinha sido usada no meu erro de reserva de hotel, e com meu dinheirinho contado fui, decidida a passar um dia de descanso na praia, para Cannes — onde acontece aquele festival de cinema famoso. Estacionei o carro o mais perto possível da orla, que estava lotada e, caminhando entre os prédios, fui curtindo o que via. Quando cheguei na praia me surpreendi com a mulherada 100% de top less: Eita! Pensei! 

Sem aderir ao look decidi por uma caminhada de fora a fora da orla, escolhi um local para estender minha toalha e pegar um sol. Lá pelas tantas pensei em ir até o quiosque pertinho de mim para comer alguma coisa. Cannes tem um estilo Balneário Camboriú, que não consigo traduzir — mas uma das semelhanças está nas barraquinhas de alimentação. Que fome. 

Fiz minha viagem na alta temporada da Europa e as filas estavam por toda parte, inclusive na barraca dos sanduíches. Entrei na fila da barraca de sanduíches e, enquanto esperava, fui tentando me familiarizar com o cardápio — todo em francês — e fazer uma escolha perfeita para o tamanho da minha fome. Quando dei por mim, com algum esforço, até entendi que fromage é queijo e suspeitei que jambom é presunto, mas a medida que ia lendo e o tanto de palavras que eu não suspeitava em significado que, pressionada pela escolha, refleti sobre o único título que me fazia sentido: Sandwich Italien! Feito! Qualquer coisa escolho esse – pensei. Vou pedir ajuda para escolher, mas — qualquer coisa — vai Italien mesmo.

Minha fome certamente visualizou uma pizza em formato de sanduíche. Que esperança.

Quando minha vez de pedir chegou, modo-on na simpatia, sorrisão e no francês treinado para o básico, eu disse – em francês: Oi, meu nome é Vanessa, sou brasileira e não falo seu idioma. Posso falar em inglês?! A moça, em reciprocidade zero, batendo uma mão na outra — me apressando, disse — eu acho: "vai , vai , vai", e apontou para fila atrás de mim — que estava grande. Naquele momento, eu tinha a opção de sair da fila, de não pedir ali mas, sinceramente, envergonhada com a cena, eu disse: Um Italien, por favor.

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Humilhada como me senti, fui para o canto do quiosque, na fila que esperava pelos sanduíches prontos. Quando eu já quase ia pelo caminho de esquecer da cena e seguir em frente, o moço da chapa me trouxe, envolto em um guardanapo, o tal do sanduíche Italien – que, por fim, era um sanduíche muito bem recheado de azeitona. 

Não seria um problema, não fosse a azeitona uma das poucas coisas que eu realmente não gosto de comer. Azeitona tem um sabor determinante. Nunca existirá uma empadinha de frango com azeitona, porque se tiver azeitona, vai dominar o sabor do frango e tornar-se-á empadinha de azeitona. Isso é um fato e, eu sempre rio disso.

Fato é que, muitas das vezes, pressionados pelo tempo que nos dão para escolhas fundamentais, nervosos pelo feedback sobre quando sabemos o que queremos, com medo do julgamento sobre nossa ignorância, a gente toma decisões para o uso dos nossos recursos — de tempo, dinheiro, dos nossos relacionamentos – sem ter clareza se é o que desejamos de verdade. Quando damos por nós, estamos com um sanduíche de azeitona na mão: em trabalhos, relações e com escolhas que são indigestos. E, o tempo de vida não volta atrás.

Aprendi que sair da fila e buscar outro quiosque – que tenha os mesmos valores, que tenha paciência para me ensinar sobre as coisas que não sei e com o carinho para alinhar minhas escolhas sem a pressa da fila ou da venda – é preciso desenvolver a humildade de desistir. Em me desfazendo, o mais rápido que eu puder, das escolhas sem reciprocidade, compreendendo que há caminhos com volta, tenho tido mais coragem de fechar portas, de sair de filas, de caminhar um pouco mais pela orla. 

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