Brasileiros que planejam comprar uma TV nova, viajar no final do ano ou simplesmente preencher a adega com bons vinhos importados tiveram de recorrer à calculadora nas últimas semanas. A recente disparada do dólar tornou mais caros os pequenos luxos do dia a dia e os grandes projetos do país. Desde maio, o dólar usado nas transações comerciais acumula alta de 18,6% e, em determinado momento, chegou a passar de R$ 2,45 – maior cotação desde dezembro de 2008 -, o que levou o câmbio a ocupar espaço entre o futebol e os causos cotidianos nas conversas entre amigos.

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Há de se entender. A escalada da moeda significa preços mais salgados para produtos e serviços que dependem das verdinhas americanas. E não são poucos: vão da farinha de trigo para o pãozinho, que é cotada em dólar, às passagens aéreas para dentro ou fora do Brasil, reajustadas conforme o câmbio por estarem atreladas aos preços internacionais de combustível e peças de reposição.

– Há um importante impacto da alta do dólar sobre o preço de importados ou mesmo de produtos fabricados no Brasil, pois encarecem os insumos usados pela indústria – explica Sílvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria.

Produtos de fora do país já seguem a alta da moeda

O consumidor começa a aprender a viver com o câmbio mais alto. O gerente de projetos Carlo Giorge tinha viagem engatilhada para o Canadá, onde ele e a mulher fariam um intercâmbio. Fecharia o pacote em junho, mas, quando viu o dólar disparar, resolveu esperar até que voltasse a custar R$ 2,20.

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De lá para cá, entretanto, a moeda para o turismo chegou a R$ 2,57 – valor que deixaria a viagem impraticável. Vendo que tão cedo o dólar não voltaria ao antigo patamar, Giorge decidiu fechar negócio quando a cotação recuou a R$ 2,39.

– Já tinha esperado muito tempo, e ninguém sabe o que vai ser da moeda no futuro. Resolvi garantir o pacote antes que o preço subisse de novo – explica Giorge.

Nas lojas de importados e em supermercados, alimentos trazidos de fora começaram a subir, principalmente os perecíveis. Distribuidoras de itens como embutidos, queijos, condimentos e chocolates reajustaram preços de 5% a 10% em agosto, uma vez que ficou mais caro comprar essas mercadorias de fornecedores estrangeiros.

– Produtos que permanecem menos tempo nas prateleiras, como os perecíveis, respondem mais rápido à alta do dólar, pois os contratos são negociados constantemente. Mas tentamos compensar mantendo inalterado o valor de produtos que podem ser estocados, como os vinhos – explica Rômulo Antonio Mignoni, gerente do Armazém dos Importados, com lojas em Porto Alegre.

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Ainda que não perceba um aumento generalizado no valor de importados, o administrador Bernardo Jorge verifica que um ou outro produto já chega ao supermercado com reajuste. Um exemplo são pimentões assados em conserva – na semana passada, pagou 8% a mais do que no início de agosto.

– Se começar a ocorrer com outros alimentos, será o caso de pesquisar mais ou trocar as marcas – explica Jorge.

Empresários tentam adiar os reajustes

A questão é até quando o dólar irá subir (se é que não vai começar a cair), e em qual valor vai parar? Diante da instabilidade em torno da cotação da moeda, movida ora por notícias internacionais, ora por novidades no Brasil, parte de varejistas e fabricantes têm evitado reajustar preços por enquanto.

Supermercadistas avaliam que poucos são os preços que sobem, pois ainda há estoques, e tentam negociar com a indústria para manter tabelas anteriores. A exceção são os produtos de higiene, limpeza e perfumaria, muitos fabricados no Exterior ou dependentes de matéria-prima cotada em dólar, informa a Associação Gaúcha de Supermercados.

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A indústria de eletrodomésticos e eletrônicos afirma estar segurando aumentos – ainda que muitos consumidores estejam percebendo preços mais altos nas últimas semanas. Embora itens como TVs, câmeras digitais, telefones celulares e aparelhos de som tenham 70% dos componentes importados, e produtos da linha branca sejam afetados porque o aço e as resinas têm valores definidos por cotações internacionais, fabricantes devem esperar um cenário mais claro para reajustar preços, explica Lourival Kiçula, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros).

– É sempre difícil para a indústria negociar aumento de preços com o varejo, mas, por outro lado, não há como não pagar mais caro aos fornecedores estrangeiros. Muitos fabricantes estão esperando que o dólar pare em algum nível para definir se haverá aumento – explica Kiçula.

Empresas de turismo, fortemente afetadas pela variação cambial, têm visto a compra de pacotes internacionais para o final de ano cair até 20% em relação a agosto do ano passado. Isso porque mesmo viagens para destinos no Mercosul são cotadas em dólar. Algumas operadoras chegaram a brecar o câmbio para preencher voos fretados e evitar prejuízos, embora não seja prática comum.

A Personal travou o dólar em R$ 2,20 no início de julho para um voo fretado a Santiago do Chile – no período, a moeda para turismo variava de R$ 2,34 a R$ 2,36.

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– O avião estava pago, mas não conseguíamos preencher, achamos melhor reduzir a receita para evitar um prejuízo – conta Ana Cristina Leite, vendedora da empresa.

US$ 100 bilhões para segurar a moeda

O Banco Central (BC) usará até US$ 100 bilhões em leilões diários para garantir a oferta de dólares. O objetivo é acalmar grandes empresas e instituições financeiras que vinham antecipando a compra da moeda para enfrentar uma temida escassez. E mostrar que tem poder de fogo.

Em um tipo de operação, o BC avisa ao mercado que, daqui a três meses, irá vender dólares ao preço de hoje. Empresas que estão aflitas com a alta e planejavam antecipar a compra da moeda deixam de fazer o negócio imediato, aliviando a pressão sobre a oferta e o preço da moeda.

Os leilões não significam que o BC saca o valor de suas reservas de US$ 372 bilhões. Como são contratos, não há venda de moeda, o BC só gasta, no vencimento dos contratos, a diferença entre a variação do dólar e a de um outro indexador predeterminado, geralmente taxa de juro.

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– O impacto nas reservas cambiais é nulo. O BC negocia com prazo e valor de recompra, então é apenas uma troca de indexadores – reforça Silvio Campos Neto, economista da Tendências.

A estratégia tem dado resultados até agora. Do dia 22 ao dia 29, o dólar caiu 3,2%.

Destaques do NSC Total