Bebel Gilberto atendeu a reportagem para uma entrevista sobre o novo trabalho, o álbum “Agora” – previsto para ser lançado em 1º de maio, mas que acabou tendo o lançamento adiado para 21 de agosto, por conta da pandemia. Por telefone, em um cômodo do apartamento dela no Rio de Janeiro, onde da janela ela enxerga o prédio do pai, João Gilberto, considerado pai da bossa nova, falecido em julho do ano passado, ela falou.

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Foi preciso falar de perdas, mudanças, amor, política e pandemia. O novo trabalho, o primeiro após seis anos sem gravar em estúdio, foi produzido pelo amigo de longa data, o produtor americano Thomas Bartlett. “Agora”, traz onze canções e uma participação. As músicas “Deixa” e “Bolero” já estão disponíveis nas plataformas digitais. Até o lançamento do disco, a cantora irá liberar uma canção por mês, a próxima será “Na Cara”, cantada em parceria com Martinália.

O álbum inicialmente seria concluído em 2018, mas a primeira interrupção aconteceu quando Bebel perdeu a mãe, a cantora Miúcha, em dezembro daquele ano, com câncer de pulmão. Mesmo com as perdas, a cantora se manteve focada no trabalho. Aliás, ela aponta como um fator importante para viver esse momento.

– Fiz bastante coisa e foi bem legal. Foi uma forma boa de passar por todas essas dores, mudanças e perdas. – diz a cantora.

A mudança sobre a qual ela se refere foi drástica: após 27 anos morando fora do país, Bebel retornou ao Brasil em março deste ano, no meio da pandemia, para lançar por aqui o esperado projeto. Estava tudo planejado, assim como uma turnê por vários países. Foi tudo adiado, ou melhor: reinventado. Confira mais na entrevista a seguir:

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Nada mais propício neste momento em que estamos vivendo do que falar do agora, do hoje, do presente. Como foi a escolha do nome deste novo álbum?

Na verdade, não foi planejado. Mas como produzi com o Thomas Bartlett, que é americano e não fala nada de português, as músicas que eu estava cantando, elas sempre tinham a repetição da mesma palavra, agora. E aí, depois com tudo que aconteceu com a minha vida, com as paradas vividas e emoções, cheguei à conclusão que o nome do disco tinha que ser “Agora”. A música que dá nome ao álbum é muito forte e foi uma das primeiras que a gente escreveu, então nada mais natural do que escolher ela dar o título do disco. A canção é de minha autoria com o produtor Thomas.

É o primeiro disco de estúdio após seis anos. Por que levou tanto tempo para produzir um novo trabalho neste formato?

Fiz o DVD, Bebel Gilberto in Rio, que foi uma produção e tanto, dirigido por Gringo Cardia. A gente fez toda a captação e foi uma coisa que me levou total. Quando acabou a produção em 2013, e logo depois foi lançado, tive uma certa dificuldade de gravar outras coisas, de fazer algo que pudessem me ajudar ou transmitir o que gostaria de fazer. Então, fiquei com essa possibilidade de querer realmente ficar fora de estúdio, fazer mais shows, fazer outras coisas, a não ser ficar só com aquele compromisso de ter que fazer algo.

Como você lida com a cobrança e o compromisso de sempre produzir algo novo?

Às vezes, ela serve como pressão para você fazer o trabalho. Os artistas muitas vezes são movidos por aquela pressãozinha de última hora, sabe? Aquela que você fica naquele frisson “aí, meu Deus, tenho quatro meses”, sei lá. Gravadora pressionando. E isso pode ser com um cantor ou com uma pessoa que está fazendo alguma outra arte. Então, isso realmente acontece.

No meu caso, acho extremamente essencial você poder se inspirar, ter seu tempo, curtir. E com esses formatos de agora que estamos tendo, menos gravadora, me dei ao luxo de curtir e deixar as composições virem naturalmente, e aí também com o que eu estava vivendo esse disco já teria que ter saído há dois anos. E não há seis anos, seriam só quatro anos, o que seria até um tempo OK. Mas daí teve a morte do meu pai, da minha mãe, me mudei de volta para o Brasil depois de 27 anos.

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Quando meu pai faleceu, foi quando eu estava tentando finalizar o disco para poder vir para cá por um tempo maior. Mas aí, algo que nunca imaginei aconteceu, vim para cá, fiquei um mês e só quando voltei em agosto finalizei o trabalho. Só voltei em março para cá (Brasil).

Passar esse momento de luto focada no trabalho foi importe, ajudou nesse momento difícil?

Na verdade, finalizei o disco e comecei uma turnê – estava fazendo 60 anos da bossa nova do Sérgio Mendes – e emendei na finalização do disco, a masterização. Fui também para o Japão e de lá para Los Angeles fiz o vídeo da canção “Deixa” e vim pra cá, para o Brasil. Fiz bastante coisa, e foi bem legal. Foi uma forma boa de passar por todas essas dores, mudanças e perdas.

Esse trabalho chega no momento em que o mundo também vive muitas perdas. Como você vê a importância da arte diante deste cenário em que combatemos um inimigo invisível?

Acho que por um lado é a vingança dos artistas, dos cantores… não vingança, essa é uma palavra errada. Mas é na verdade, a glória, por um lado. Principalmente as pessoas na música, pelo fato de estarem fazendo tanto download, ouvindo e compartilhando canções. Agora mais do que nunca, já que estão todos em casa.

Por outro lado, o fato de os artistas não poderem fazer show – o que para mim especialmente, nunca pensei que fosse ganhar dinheiro com isso, claro, não posso me comparar com os grandes nomes – mas eu, tinha um monte de shows marcados para este ano, tive um impacto enorme econômico.

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Ao mesmo tempo, fico cheia de esperanças porque vejo que as pessoas estão consumindo muito mais música pelo fato de estarem em casa e isso é muito bacana. Você vê as pessoas fazendo live, tendo contato mais próximo com os artistas, tem um lado bacana, por mais dolorido e horrível que seja, acho muito incentivador as pessoas envolvidas com arte estarem se reinventando da forma que podem para poder ter acesso aos seus fãs e as pessoas que querem e precisam daquela arte para viver. A arte agora, na verdade, é o embalo da quarentena.

Dentro de você, existe alguma luta em relação a ideais e planos construídos para o lançamento e turnê deste novo trabalho, mas adiados por conta da pandemia?

Olha, tive uma reação bem zen. Acho que se eu tivesse que me dar uma nota, era nota 10. Primeiro peguei, aliás, acho que peguei o coronavírus, até hoje não sei. Se não foi, foi uma influenza, como foi diagnosticado. Fui para o hospital, fui internada, só não tive falta de ar, mas tive muita febre. Fiquei muito mal.

Isso quando eu estava voltando de Los Angeles – só de pensar já começo a tossir – mas agora já estou boa. Cheguei aqui no Brasil bem no meio da loucura toda. Cheguei no dia 2 de março e no dia 12 estava entrando no hospital. Foi um susto, levei 16 dias para ficar boa. Matei na raça. Lógico, com boa alimentação e bom sono. Fiquei assustadíssima, mas meio que me conformei, foi uma forma de digerir aquela maluquice toda.

Primeiro achávamos que em junho já estaríamos fazendo show, duas semanas depois eu mesmo já estava ligando para o meu empresário porque achava que não era possível manter. Na verdade, não cancelamos nada, foi tudo em função da pandemia mesmo. Ficamos esperando, deixamos eles cancelarem, nós nunca cancelamos. Íamos tentar fazer de tudo para manter, mas não foi possível.

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Foi um susto, levei 16 dias para ficar boa. Matei na raça. Lógico, com boa alimentação e bom sono. Fiquei assustadíssima, mas meio que me conformei, foi uma forma de digerir aquela maluquice toda.

Consegue imaginar como será após a pandemia?

Acho que teremos que nos adaptar, fazer live. Na verdade não faço a menor ideia. É um momento muito difícil, mas acho que tem algumas pessoas que estão em canais de YouTube – os mais bombados com certeza estão fazendo uma grana – eu não tenho essa autorização toda, sou meio devagar, mas estou tentando. Estou divulgando o disco, e estou vendo que tem muita gente interessada. Você mesmo que está falando comigo agora, e é isso que importa.

Estou focada em quem quer me dar atenção. Estou muito feliz que tenho tempo e calma para falar com todo mundo, para pensar em tudo. Antigamente não, tinha entrevista e era tudo muito corrido, agora não. Agora, faço entrevista com calma. Tá tudo bem! O cara tá aqui em casa instalando o filtro, mas tá tudo certo. Avisei que ia dar entrevista, disse: “tu segura aí que eu vou dar uma entrevista”. Ele deve estar lá esperando e pensando “quem é essa aí?”. Não deve nem fazer ideia de quem eu sou (risos).

Mas é isso aí, a gente vai se adaptando, e isso que é o principal. Esse é o lado legal, a única coisa positiva disso em relação aos fãs é que eles pela primeira vez estão tendo acesso aos artistas na casa deles. Às vezes fazendo uma live, ou falando nos stories, ou no YouTube. Isso é muito legal.

O novo projeto foi produzido pelo amigo de longa data, o produtor americano Thomas Bartlett.
O novo projeto foi produzido pelo amigo de longa data, o produtor americano Thomas Bartlett. (Foto: Heidi Solander, Divulgação)

E você está se adaptando a essa realidade das redes sociais?

Nem tanto, mas confesso que a Tereza Cristina rompeu com isso. Participei de algumas lives dela, foi bem bacana. Quem sabe uma hora eu tomo coragem. Me adaptando aos pouquinhos.

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Em “Bolero”, que foi a segunda música divulgada, você fala de um amor que você deixou escapar. As desilusões são grandes sementes de inspiração para o compositor?

Ah, sempre! Seja a decepção, seja o amor inventado, seja o amor de verdade. Eu me inspiro muito em tudo, nas pessoas no geral. Essa música até meu produtor me questionou: “O que aconteceu que você chegou assim desse jeito?”. Eu estava apaixonada mesmo, mas aí infelizmente vim para cá e a gente acabou se separando, mas é uma pessoa que tenho muito carinho e naquele momento achava que ia casar e me mudar para San Sebastian – hoje eu estaria cantando lá na cidade dele.

Os amores e desamores são palco de canções de sua autoria, mas também para as sofrências sertanejas. Como você enxerga o cenário da música brasileira hoje, você acredita que há espaço para que todos bebam na mesma fonte de inspiração e consumo?

Sim, claro. Obviamente. Bom, o amor é universal, todo mundo tem amor – bom, a não ser os que obviamente a gente não precisa citar nomes, mas que infelizmente estão liderando as nossas vidas nesse momento – mas no normal, as pessoas normais todas amam. Já vi uma amiga minha, que é artista plástica, que adoro ver o processo dela de pintura. Ela faz muita aquarela, pinta com tinta óleo e fico impressionada porque quando a bichinha tá apaixonada, são dez quadros por semana.

É uma loucura, e fico vendo como a pessoa realmente produz, com a pessoa amada longe é melhor ainda. Por que daí fica imaginando, né? Acho que é uma fonte que não acaba. Ou seja, o sertanejo, o pintor e até o cara que está vendendo o coco na praia e faz uma música na hora, e que é um músico que por algum motivo não conseguiu um lugar ao sol. É o que Tom Jobim e Vinícius de Moraes viram ali no Veloso. Eu acredito nisso sim, eu acho que o amor é um poço sem fundo para todos os tipos de música e arte.

Não podemos falar de arte sem falar de política. Como você, que morou tantos anos fora do país, vê a atual situação da política brasileira?

O pior é que não é só aqui. Nós estamos lado a lado dos Estados Unidos. Hoje (dia 21 de maio) abri o The New York Times e acabou. Ferrou! Estados Unidos e Brasil são os lugares mais infectados do mundo. Com a mesma política, com o mesmo pensamento, as mesmas ideologias, com a mesma babaquice. A gente nem precisa dar nome aos bois. Então, estou realmente passada. É um absurdo. As pessoas precisam se informar.

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É uma vida que acho que a gente tem que se manter e o melhor é tentar manter a nossa sanidade com disciplina. Pois, você veja só, daqui vejo o botequim da esquina aberto. Amanhã, ninguém tem o que fazer, o que vai acontecer? Inferno. Todo mundo vai sair doidão do bar, ninguém vai colocar máscara e aí ferrou. Olha, esse botequim estava fechado há dois meses.

Já parou para pensar como gostaria que o mundo se transformasse após a pandemia?

Essa é uma pergunta complicada e uma resposta que não sei nem dar, mas pra mim – não sei se você está fazendo essa pergunta para todo mundo – mas pra mim foi muita porrada. Pai, mãe, seis meses de diferença e ainda seis meses depois a pandemia. Estou muito pirada, é muita porrada. Eu tinha um ano todo lindo montado. Empresário, agente, show, banda, tudo montado. É muito difícil agora dizer.

Gostaria de acreditar que as pessoas fossem mudar, mas acho que infelizmente isso está dando raiva nas pessoas. E pouquíssimas pessoas percebem. É mais ou menos o movimento que aconteceu com o PT, as pessoas pegam ojeriza não querem entender porque, não querem entender o que está acontecendo politicamente e vira uma loucura. Então, temo muito que as pessoas saiam: “acabou agora, vamos colocar para ferrar”. Temo muito que isso aconteça. Não acho que as pessoas vão ter uma conscientização, porque eu sinto uma raiva e uma revolta, plantada pelo nosso presidente – pelo vosso, que não é meu – que planta esse tipo de abordagem e comportamento, que é uma coisa Trump também.

“Pra mim foi muita porrada. Pai, mãe, seis meses de diferença e ainda seis meses depois a pandemia. Estou muito pirada. Eu tinha um ano todo lindo montado. Empresário, agente, show, banda, tudo montado”

Então, como americana e brasileira, penso: “Tenho passaporte, posso fugir”, mas estou em uma situação que se ficar o bicho pega, se correr o bicho come. Não tenho nem para onde fugir. Não tenho família portuguesa, nem passaporte europeu, nem o namorado espanhol mais (rs). Então ferrou, estou presa aqui. Gostaria de ficar aqui falando um monte de coisa que eu acho, mas temo pela raiva que isso possa causar. Esse é o meu grande medo.

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Agora preste a completar um ano da morte de seu pai, queria que você falasse como tem sido viver em um mundo sem João Gilberto.

Não tenho nem palavras, é muita dor, é muito difícil, não tenho revolta, não tenho raiva, mas é um assunto que não gostaria de falar. É muita dor para conversar.

Bebel e o pai João Gilberto, falecido em julho de 2019
Bebel e o pai João Gilberto, falecido em julho de 2019 (Foto: Arquivo Pessoal)

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