Com quase 200 anos, a cidade de São Pedro de Alcântara, na região da Grande Florianópolis, tem muitas histórias. Primeiro núcleo de imigrantes alemães em Santa Catarina (1829), recebeu o presidente Getúlio Vargas (1940) para inauguração do Hospital Colônia Santa Teresa (antigo leprosário) e ganhou o nome em homenagem à família imperial que era devota de São Pedro de Alcântara, santo espanhol venerado em Portugal e que acabou por ter o sobrenome acrescido ao de Dom Pedro I. Popular também é a história de Tio Marcos, escravizado que fugiu dos maus-tratos fazendo uma promessa: se conseguisse a liberdade, levantaria uma Santa Cruz.
Continua depois da publicidade
Clique aqui para receber as notícias do NSC Total pelo Canal do WhatsApp
E assim foi. Da primeira igrejinha de madeira ao imponente santuário de Nosso Senhor do Bom Jesus, inaugurado em 1988, quando se comemoraram os 100 anos da lei da abolição da escravatura.
Assim como a fé, as conversas em torno de Tio Marcos se preservam no tempo. Dizem ser o santuário o primeiro monumento do mundo em homenagem a um negro escravizado.
Conheça Casé Henrique, o músico carioca que vive em Palhoça e coleciona vitrolas
Continua depois da publicidade
Na porta frontal, encontra-se a estátua, assim como a sepultura, a qual recebe velas e placas por graças alcançadas. A obra retrata um homem preto descalço com barba e cabelos brancos, usando calça e casaco em tons claros e com dois rosários: um no peito e outro em uma das mãos. Aos pés, uma caneca com flores por um pedido realizado, com data de setembro de 2023.
A ideia da construção do santuário foi do frei Ático Francisco Eyng, religioso alemão que trabalhava na unidade de saúde hospitalar e ficou sensibilizado com o relato dos moradores acerca do Tio Marcos. O religioso e alguns moradores fizeram o traslado dos restos mortais para o santuário. Ao abrirem o caixão, além dos ossos, se depararam com três rosários com sementinhas confeccionados pelo próprio Tio Marcos.
O sincretismo em torno de alguém que não fazia distinção
José Eugênio Pereira é diácono no santuário. Por já ter dado aulas de Ciências da Religião (área que estuda as religiões e suas manifestações culturais, sociais e históricas), explica sobre o sincretismo que cerca figuras populares.
Para ele, mesmo Tio Marcos tendo sido um católico fervoroso em relação à celebração da eucaristia e reza do terço, foi reconhecido como alguém que recebia a todos sem distinção.
Continua depois da publicidade
— Eu tinha 34 alunos – de ministro da sagrada comunhão da igreja católica a pai de santo na umbanda – e muitos deles falavam sobre Tio Marcos de forma diferente e de acordo com sua religiosidade. Havia os que contavam ter visitado o santuário em grupos de católicos e feito orações, mas também os que preferiam vir à noitinha para fazer seus rituais — explica.
Apesar da abolição, o medo em ter a liberdade negada
Marcos Manuel Vieira morreu em 1952 e deixou quatro filhas, todas falecidas e sem descendentes. Na época da abolição, em 1888, estaria com cerca de 30 anos. Era marceneiro numa fazenda supostamente da região. Antes disso, ainda na condição de escravizado, fez a promessa sobre o sonho da liberdade.
Com a cruz nas costas, apareceu na comunidade Santa Teresa, onde num lugar algo cravou o madeiro. Acredita-se que, apesar da nova lei, ele teria ficado com medo de que mesmo assim a liberdade não lhe fosse concedida.
— Aquela cruz que Tio Marcos carregou não existe mais. Os moradores a substituíram, mas creio que o lugar das orações seja no santuário — explica Salete de Lima, coordenadora no Santuário Bom Jesus da Santa Cruz.
Continua depois da publicidade
A festa em homenagem a Tio Marcos ocorre no mês de maio e próximo do dia 13. Apesar da popularidade, não existe nenhum pedido junto à Arquidiocese de Florianópolis acerca da santidade dele.
Veja imagens
Leia também
Jornalista filma pessoas passando mal em avião que caiu em São Paulo, um dia antes de acidente
Livro de portadora de epidermólise bolhosa será lançado nesta quarta-feira em Florianópolis