Taynara Gilioli costuma cozinhar duas vezes na semana, deixando as marmitas prontas para o restante dos dias. Nas compras feitas no supermercado Cooper, entram no carrinho itens que estão na promoção. No caso dos congelados, a marca Aurora figura entre as mais comuns na cozinha da moradora de Blumenau. No trabalho, entre os benefícios que recebe estão o plano de saúde da Unimed e o odontológico da Uniodonto.

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Por trás de todo esse cotidiano — familiar a milhares de outras pessoas — há uma característica bem catarinense: todas as empresas citadas acima são cooperativas.

Taynara é uma dos 4,7 milhões de catarinenses que são cooperados. No Estado, 58% dos moradores são ligados a alguma das 235 cooperativas associadas à Organização das Cooperativas do Estado de Santa Catarina (Ocesc). Juntas, essas empresas faturaram R$ 91 bilhões no ano passado — o equivalente a um sexto do Produto Interno Bruto (PIB) de SC em 2024, que foi de mais de R$ 530 bilhões.

Para Taynara, a conta é outra. A procura por lojas e produtos frutos do cooperativismo está exclusivamente ligada aos bons preços, àquelas pequenas economias necessárias para não chegar ao final do mês “no vermelho”. Se a oferta não é boa, a compra muda de endereço ou de marca.

Essência cooperativista

Hercílio Schmitt, presidente do Conselho de Administração da Rede Cooper, explica que os preços competitivos são fruto principalmente do modelo de negócio de uma cooperativa, que é formada pela união de pequenos e médios agentes, que de outra forma teriam dificuldades em sobreviver aos rigores do mercado.

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Na prática, quando uma cooperativa surge, tudo é definido de forma democrática. Cada associado tem direito a voto e assembleias ocorrem para definir os rumos do negócio. Conselhos são formados e, quando há lucro, todos ganham uma fatia. São as chamadas sobras. O contrário também pode ocorrer: se há prejuízo, todos contribuem financeiramente para tentar equilibrar as contas.

Em Santa Catarina, porém, há fartura. O faturamento de R$ 91 bilhões em 2024 foi 7% maior em relação ao ano anterior e resultou em R$ 5,5 bilhões de sobras. O lucro não só serve de rateio para os associados como é combustível para novos investimentos. A Rede Cooper, por exemplo, começou há pouco mais de 80 anos como um mercadinho para os funcionários da Hering dentro da indústria blumenauense, cresceu, passou a caminhar com as próprias pernas e atualmente tem 23 lojas em nove cidades catarinenses.

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A história do próprio cooperativismo é antiga. Herança inglesa do século 19, o movimento chegou a Santa Catarina há mais de 130 anos. Desde então, a linha do tempo de pessoas comuns acaba se mesclando com a das diversas cooperativas. É o caso de Schmitt, que começou como entregador no escritório da Cooper e atualmente é presidente em um dos conselhos da empresa.

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— Eu fiz disso uma filosofia de vida. Acho que o cooperativismo agrega, desenvolve, oportuniza…é sinônimo de capitalismo consciente — avalia.

Produção de riqueza

Para manter a roda girando, são mais de 100 mil trabalhadores nas diferentes regiões catarinenses, de acordo com dados da Ocesc. Dos sete ramos existentes (agropecuário, consumo, crédito, infraestrutura, saúde, trabalho e produção de bens, serviços e transporte), o agro é o mais expressivo economicamente em Santa Catarina, correspondendo a 62,5% de todos os postos diretos gerados pelas cooperativas e o segundo que mais resulta em sobras (foram R$ 2,3 bilhões em 2024).

O setor de crédito é o primeiro no ranking das maiores sobras e também líder na quantidade de associados, com quase 3,7 milhões de catarinenses. No ano passado, as 67 cooperativas financeiras contabilizaram R$ 2,5 bilhões em lucro. São os rateios, junto com condições melhores de juros e as aplicações mais rentáveis em comparação aos grandes bancos, que pesam na hora de escolher em qual instituição abrir uma conta, acredita a síndica profissional Caroline Serpa, de Itajaí:

— Os dois condomínios em que atuo têm contas em cooperativas. As sobras que vêm são melhores. Gosto também de utilizar por causa das aplicações, é bom para a gente que tem fundo de reserva, aluguel de salão de festas, mercadinho. Dá para separar certinho cada destinação e tem o rendimento — comenta.

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Moacir Krambeck, presidente do Conselho de Administração da Central Ailos, detalha que por não ter o objetivo de entregar lucros exorbitantes a acionistas externos, como ocorre com os “bancões”, as taxas e serviços das cooperativas de crédito conseguem ser mais atrativos.

— Além disso, a estrutura das cooperativas é mais enxuta e eficiente. Elas atuam com foco regional, conhecem de perto a realidade dos seus cooperados e assumem menos riscos especulativos, o que também contribui para praticar taxas mais justas e serviços mais adequados — acrescenta.

Talvez por isso que os principais desafios do cooperativismo de crédito hoje estão ligados à capacidade de crescer sem perder a essência. Como lucrar mais — e expandir — sem abandonar os princípios do movimento?

Berço do cooperativismo

Em tempos de profundas discussões sobre os rumos do progresso e das riquezas produzidas, as cooperativas mostram que é possível crescer com uma distribuição menos desigual do dinheiro, inovando sem deixar ninguém para trás.

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— A cooperativa não é o fim em si mesma, ela é o meio para integrar várias pessoas no espírito associativo. Cabe a nós promover esse modelo de sociedade onde a população está no centro. O cliente não é só cliente. É dono e usuário da cooperativa — resume Schmitt.

Para continuar no protagonismo econômico, as cooperativas não podem se deixar levar pela lógica do mercado tradicional, diz Krambeck. É preciso trazer conhecimento técnico sem abandonar a participação ativa dos cooperados. Formar líderes e inovar. Para ser alternativa ética, eficiente e sustentável é necessário estar sempre a um ou dois passos à frente.

— O importante é nunca esquecer que o cooperativismo é uma filosofia de vida antes de ser um negócio — resume o representante da Ailos.

Santa Catarina é reconhecida como o Estado mais cooperativista do país, orgulha-se o presidente da Ocesc. É difícil explicar com poucas palavras os motivos, mas é fácil entendê-los. Para o presidente da Ocesc, Vanir Zanatta, um conjunto de atributos tornou a região solo fértil para o cooperativismo, que ele descreve como uma “doutrina econômica e filosófica trazida pelos imigrantes”.

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Krambeck complementa que uma série de fatores históricos, culturais e sociais explicam por que o cooperativismo enraizou com tanta força em solos catarinenses. Portanto, não se trata apenas de um modelo econômico, mas de uma “cultura que entende o cooperativismo como instrumento de emancipação, inclusão e desenvolvimento sustentável”.

Expectativas altas

Neste sábado (5) é comemorado o Dia Internacional do Cooperativismo, data criada há 30 anos pela Assembleia Geral das Nações Unidas. A ONU, inclusive, declarou 2025 como o Ano Internacional das Cooperativas. Para o presidente da Ocesc, isso é a validação mundial de que “o cooperativismo não é apenas uma alternativa viável ao modelo econômico tradicional, mas uma força estruturante de uma sociedade mais equilibrada, solidária e resiliente”.

É com essa força transformadora que as cooperativas catarinenses planejam a expansão. Estudos da Ocesc indicam que o ano terminará com R$ 109,9 bilhões de faturamento das filiadas, chegando a R$ 123,3 bilhões em 2027. A expectativa também é que mais moradores se tornem cooperados, atingindo a marca de 6,3 milhão em dois anos.

Para cada subida de degrau aumentam os desafios. E, se por um lado a missão é se manter competitivo para bater de frente com multinacionais, pensando estrategicamente em localização, modernização e inovação, como destaca Hercílio, na outra ponta estão os incentivos necessários, cita Schmitt. Na opinião dele, é fundamental reconhecer o cooperativismo como eixo estratégico da política nacional, formulando políticas públicas que apoiem o movimento.

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— Isso passa pela ampliação da inserção das cooperativas em novos mercados, pela inclusão delas nos espaços de representação política e nos conselhos deliberativos de políticas públicas — exemplifica o presidente.

Em Santa Catarina as cooperativas devem investir pouco mais de R$ 2 bilhões até o final do ano, o que deve manter o Estado na liderança desse desenvolvimento equitativo. Em um mundo em rápida transformação, onde a busca por modelos econômicos mais justos, inclusivos e sustentáveis se intensifica, as cooperativas emergem como protagonistas, defende com otimismo Zanatta.

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