Na região continental de Florianópolis, um bairro com apenas 2 mil moradores, segundo dados do IBGE, guarda uma lenda que atravessa gerações. O chamado “Salão de Festas das Bruxas de Itaguaçu” e o mistério que o envolve é mais um dos motivos pelos quais a capital é conhecida pelo apelido de Ilha da Magia.

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Quem caminha pela rua das Palmeiras, no Itaguaçu, pode admirar as formações rochosas que seguem ao longo da orla e se espalham pelo mar. Contudo, quem passa desavisado por ali não imagina que aquelas pedras seriam “bruxas petrificadas”.

É o que conta a lenda do Baile das Bruxas, que torna o local especial e motivo de curiosidade para muita gente. Uma placa marca o ponto chamado de “Salão de Festas das Bruxas de Itaguaçu”, que além de uma bela vista, guarda a história que faz parte do folclore da capital.

De acordo com a lenda, várias bruxas viviam no bairro, e juntas elas decidiram organizar uma grande festa. Convidaram lobisomens, vampiros, curupiras, boitatás e outros seres folclóricos da Ilha. Contudo, deixaram de fora o diabo por conta do seu forte cheio de enxofre e da sua atitude “anti-social”.

Durante a festa, o diabo apareceu entre raios e trovões, muito bravo com o ocorrido. Como forma de demonstrar sua indignação, decidiu transformar as bruxas que estavam presentes em pedras naquele mesmo local. Assim, a praia ficou cheia de pedras representando as bruxas petrificadas.

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Veja fotos do local

O historiador e museólogo Francisco do Vale Pereira, integrante do Núcleo de Estudos Açorianos (NEA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), conta que a lenda das Bruxas de Itaguaçu faz parte do imaginário popular e das superstições de Florianópolis, misturando-se com a herança das comunidades tradicionais da capital.

— Todo o território catarinense, a faixa litorânea vai ser ocupada com pessoas vindas das ilhas que compõem o arquipélago dos Açores e trouxeram na bagagem o seu modo de vida, suas tradições, suas lendas, seus medos. Os receios, religiosidades, saberes e fazeres, cantos, atividades de sobrevivência, e trouxeram, obviamente também, essas lendas e isso é a base da comunidade, é a base de toda a gente que vive no litoral de Santa Catarina — pontua.

Ainda que no continente, e não na Ilha, a lenda trata das bruxas que diversas vezes são mencionadas no folclore e cultura da capital como parte de sua própria identidade. Francisco reforça que a existência ou não das bruxas está relacionada com os medos, anseios e crenças dos moradores em uma época em que a realidade era bastante diferente da atual.

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— Vamos ter que nos reportar àquele período em que a iluminação era muito carente, muito fraca, muito pobre. As pessoas viam vultos, né? Viam imagens e atribuíam aquilo às bruxas. Mas, por outro lado, tem pessoas que respeitam as bruxas porque elas existem, estão aí no imaginário das pessoas e estão, como eu disse, nessas crendices populares — pontua o historiador.

O que diz a lenda das Bruxas de Itaguaçu

“Salão de Festas das Bruxas de Itaguaçu

Diz a lenda que as bruxas da região queriam fazer uma linda festa aos moldes da alta sociedade.
O local para o encontro festeiro seria a praia do Itaguaçu, o mais belo cenário da Terra. Todos seriam convidados, os lobisomens, os vampiros e as mulas-sem-cabeça. Os mitos indígenas também compareceram, entre eles estavam os curupiras, os caiporas, os boitatás e muitos outros. Em assembléia, as bruxas decidiram não convidar o diabo pela razão de seu imenso fedor de enxofre e pelas suas atitudes anti-sociais, pois ele exige que todas as bruxas lhe beijem o rabo como forma de firmar seu poder debochadamente absoluto.

A orgia se desenrolava, quando surge de surpresa o diabo que, entre raios e trovões, raivosamente irritado pela atitude marginalizante das bruxas, castiga todos transformando-os em pedras grandes, que até hoje flutuam nas águas do mar verde e azul da praia de Itaguaçu.

Daí o nome do lugar na língua dos indígenas:

ITA = PEDRA GUAÇU = GRANDE – PEDRAS GRANDES

Registrado por Gelci Jose Coelho -“Peninha””

Origem da lenda

Peninha, autor do texto acima que está exposto no “Salão de Festas das Bruxas de Itaguaçu”, foi um historiador, artista, pesquisador e museólogo que trabalhou por mais de uma década junto ao artista Franklin Cascaes. Ele se destacou no trabalho de conservação e proteção da cultura e folclore catarinense, e segundo o Fundação Catarinense de Cultura (FCC), foi o criador da lenda do Baile das Bruxas. O Mestre Peninha faleceu em março de 2023.

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Já Francisco Pereira afirma que a lenda foi um registro feito pelo folclorista catarinense Franklin Cascaes, que fez o trabalho de pesquisa e era nativo do bairro de Itaguaçu, e que depois Peninha deu uma interpretação própria para a narrativa.

— Essa essa lenda é uma recolha também feita por Franklin Cascaes, que fez as pesquisas dele e registrou isso. O Peninha fez todo um floreio, toda uma interpretação muito particular dessa lenda, mas a lenda originalmente foi realmente anotada, buscada, pesquisada por Franklin Cascaes, que era nativo, nasceu na praia de Itaguaçu, antigamente chamado bairro de João Pessoa, e que era do município de São José — detalha o historiador.

O bairro de Itaguaçu

De acordo com o historiador, a praia de Itaguaçu, também chamada de distrito de João Pessoa, pertencia ao município de São José. Porém, a partir da construção da ponte Hercílio Luz, o acesso até Florianópolis ganhou mais relevância e a foi vista a necessidade de se instalar uma unidade do exército na capital.

O local escolhido foi o Estreito, onde hoje está instalado o 63º Batalhão de Infantaria. A partir disso, o território da capital se estendeu até a parte continental, com o limite natural sendo o rio Araújo. Dessa forma, o bairro de Itaguaçu, que até então era pertencente a São José, se tornou parte de Florianópolis, assim como os demais bairros da região continental.

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— Ele tinha a sua vida, a sua importância econômica para a produção de produtos que se rentabilizavam na época. Feijão, amendoim, milho e principalmente a farinha de mandioca. Ali, naquela região, o pai do Franklin Cascais era proprietário de um pedaço de terra grande, era produtor agrícola e também tinha até escravizados — conta Francisco.

As famílias que moravam na região atuavam na agricultura e também na pesca e maricultura, propícia no balneário que estende de frente para a Baía Sul. As praias do local também era usadas para banho, por moradores do Centro que iam passar o final de semana ou até que tinham “casas de praia” na região.

Atualmente, a região mantém a característica de bairro residencial, porém nos últimos 15 anos se transformou em uma rota gastronôomica com diversas opções de bares e restaurantes.