Duas moradoras de Balneário Camboriú, Veridiane Feltrin e Ana Felicidade Rito Ardengue, têm uma amizade construída dentro da igreja e fortalecida ao longo dos anos. No último sábado (8), essa relação ganhou um novo significado: Veridiane doou um rim para Ana em uma cirurgia realizada no Hospital São José em Criciúma, no Sul de Santa Catarina. Esse é o primeiro transplante entre doadores vivos da história da instituição.

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Veridiane sempre acompanhou de perto a rotina difícil da amiga, que enfrentava os efeitos da insuficiência renal.

— A Ana ia às reuniões da igreja muito fraca. Às vezes, nem conseguia ficar até o fim. Aquilo me tocava demais, me lembrava do meu pai, que teve câncer na medula e também ficou com os rins comprometidos. Eu não consegui doar para ele, e aquilo ficou dentro de mim por longos anos — contou Veridiane Feltrin.

Com o tempo, as duas se aproximaram ainda mais. “Começamos a participar do mesmo grupo na igreja e eu via como ela estava sempre fragilizada. Eu pensava: será que tem alguma forma de ajudar? Comecei a orar e pedir direção para Deus. Um dia, durante uma reunião, uma das meninas comentou que havia tentado doar, mas não deu certo. Na hora pensei: se ela tentou, eu também posso tentar”, conta a amiga.

Depois disso, Veridiane decidiu conversar primeiro com o marido de Ana, Anderson, para evitar criar expectativas antes do momento certo. Ela relatou que ele a ouviu com calma e sugeriu que, caso a decisão fosse definitiva, todos conversassem juntos. A partir desse diálogo, Ana aceitou a proposta, e as duas iniciaram novamente o processo de exames, avaliações e consultas, um caminho que começou em Balneário Camboriú e teve desfecho em Criciúma.

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Nos dias que antecederam a cirurgia, a emoção transbordou em Veridiane:

— Na quinta-feira, quando parei o trabalho e fiquei em casa, caiu a ficha. Eu só queria chorar. A gente não imagina o quanto um gesto pode transformar a vida de alguém. Para mim, não vai mudar nada agora, mas para ela muda tudo. Quando a doutora Cassiana explicou que seria muito difícil achar um doador falecido compatível, eu percebi o tamanho do que estava acontecendo. É uma alegria que não cabe no peito —  relata emocionada.

Transplante marca novo capítulo na vida das amigas

Do outro lado dessa história está Ana, que carrega no próprio nome a palavra “felicidade”. Ela descobriu a insuficiência renal por acaso, enquanto investigava dores de cabeça persistentes.

— Eu trabalhava em hospital, conhecia médicos, e quando fiz os exames veio o diagnóstico. Fiquei um tempo tentando controlar, mas logo precisei iniciar a hemodiálise. Foram quatro anos de idas e vindas, afastamento do trabalho, muita esperança e também muito cansaço — explica Ana Felicidade Rito Ardengue.

Durante esse tempo, Ana chegou a receber uma proposta de doação de outra amiga, mas os exames mostraram que não seria possível.

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— Quando isso aconteceu, a Veridiane me procurou. Ela disse que sentiu no coração que devia tentar. Eu não sabia nem o que dizer. Foram dois anos de exames, autorizações, pareceres médicos e até uma decisão judicial para permitir a doação — relata.

Ela se emociona ao lembrar do atendimento recebido. “Fomos acolhidas de um jeito que não dá para explicar. A equipe foi atenciosa em cada detalhe. A doutora Cassiana explicava tudo com paciência, desde o funcionamento da lista até o que aconteceria no transplante. A gente sentiu muita confiança e o resultado está aqui”, conta Ana, emocionada.

Primeiro transplante entre doadores vivos do Hospital São José

A cirurgia foi realizada com sucesso. Ana, que até a véspera do procedimento ainda fazia hemodiálise, agora comemora os resultados.

— Minha creatinina já está normal. Os médicos dizem que a recuperação está indo muito bem. A enfermeira até comentou que nunca tinha visto uma evolução tão rápida. Parece um sonho. Eu vivi anos ligada à máquina e agora posso dizer que tenho uma vida nova — comemora.

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O procedimento que marcou o primeiro transplante entre doadores vivos do Hospital São José envolveu uma grande equipe multiprofissional e duas cirurgias simultâneas. A informação é da diretora técnica e chefe do serviço de nefrologia da instituição, Dra. Cassiana Mazon Fraga.

Enquanto uma equipe realizava a retirada do rim da doadora, a outra já preparava a receptora para o implante. Todo o processo ocorreu praticamente ao mesmo tempo. O rim permaneceu fora do corpo por poucos minutos, o que, segundo a médica, favoreceu o restabelecimento rápido da função. No dia seguinte à cirurgia, o órgão já funcionava normalmente.

Cassiana explicou que esse tipo de transplante é menos comum atualmente, já que Santa Catarina registra um número alto de captações de órgãos de doadores falecidos. No entanto, neste caso, a doação entre vivas foi decisiva. A paciente receptora tinha características genéticas que dificultariam encontrar um doador compatível na fila. A doação direta da amiga era a alternativa mais rápida e segura para garantir uma nova chance de vida.

O transplante, o primeiro da região, também representou um marco para o hospital. Além da complexidade técnica, o processo exigiu autorizações de comitês de ética, da Central Estadual de Transplantes e do Poder Judiciário.

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— Todo esse cuidado garante que o gesto de doação seja totalmente consciente e seguro para as duas partes — destacou Cassiana.

As duas pacientes reagiram bem à cirurgia. A doadora, Veridiane, recebeu alta hospitalar na terça-feira (11). Ana, a receptora, permanece internada em recuperação e deve seguir com acompanhamento médico por mais tempo.

Veridiane diz que voltaria a fazer tudo de novo. Ana, emocionada, afirma que Veridiane lhe devolveu a vida e que pretende cuidar bem do presente que recebeu.